Gelo na nuvem? Meteorologista explica como e por que fenômeno ocorre no céu


Condição comum na atmosfera em altitudes elevadas foi relatada por pilotos que estiveram na mesma rota do avião que caiu em Vinhedo. Acidente com 62 mortes ainda está em investigação e não há conclusão sobre causa. Cristais de gelo dentro de nuvens cirrus, de alta altitude, produzem os cristais
Divulgação
A trágica queda de um avião em Vinhedo (SP) na última sexta-feira (9), com a morte de 62 pessoas, ocorreu quando a temperatura na altitude e local em que a aeronave voava era de -10º C, condição climática que possibilita a formação de gelo nas nuvens. Mas o que é esse fenômeno de congelamento na atmosfera? Como ele se dá e por quê? O g1 ouviu especialistas para explicar.
As autoridades envolvidas na apuração do acidente são categóricas em afirmar que ainda não há conclusão sobre as causas.
Especialistas pontuaram que nenhuma hipótese pode ser descartada, mas avaliam que as imagens feitas por testemunhas e as condições climáticas – confirmadas por pilotos que estiveram na mesma rota – sugerem que o congelamento das asas pode ter contribuído para a tragédia.
Quanto mais alto, mais frio
Aviões comerciais contam com sistema antigelo, que infla e descarta acúmulo de gelo nas asas
Reprodução/TV Globo
Segundo os meteorologistas ouvidos pela reportagem, esse processo de formação de gelo nas nuvens é absolutamente comum e está relacionado com a temperatura da atmosfera. Há gelo se formando no céu o tempo todo, em todas as regiões do planeta, e ele é concentrado em nuvens que são chamadas de “cirrus” (foto no início da reportagem).
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De acordo com os meteorologistas, estas nuvens são constituídas por partículas de água líquida e não é algo extraordinário ter presença de gelo nelas.
“Quanto mais você sobe na atmosfera, mais frio fica. Abaixo de zero grau, já é temperatura suficiente para formar gelo”, explica Maria Clara Sassaki, especialista em meteorologia da Tempo OK.
Massa de ar frio
Na sexta-feira (9), quando o avião da Voepass, empresa com sede em Ribeirão Preto (SP), caiu, havia condição para a entrada de uma massa de ar frio muito forte no estado de São Paulo. Por conta disso, a atmosfera esfriou muito — o que também é comum nessas situações.
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Segundo Maria Clara, na altura que a aeronave voava, a 5,2 mil metros, a temperatura estava em torno de -10°C naquele momento.
“É um pouco mais fria que o normal, que uma condição sem frente fria, seria abaixo de 0 de qualquer maneira”.
Radar do climatempo indica chuva fraca e moderada na região onde avião caiu em Vinhedo
Reprodução/Climatempo
Gelo severo
De acordo com Hiremar Soares, instrutor de voo e professor de meteorologia aeronáutica, a partir de 0ºC, a nuvem pode se apresentar em três estados: líquido, misto ou totalmente de gelo.
“Na atmosfera, é muito comum a gente ter a água super resfriada, que é quando ela está abaixo de 0 e ainda está em estado líquido. Pensa em uma gotícula de água, tanto de nuvem, como de chuva. Ela cria como se fosse uma camada de proteção. Pode até congelar, mas dentro dela ainda está em estado líquido e essa água super resfriada, quando entra em choque, ela congela rapidamente”.
Hipótese de acúmulo de gelo em asa de avião que caiu em Vinhedo é explicada por especialistas; entenda
Tempo era instável e com chance de formação de gelo quando avião caiu em Vinhedo, dizem meteorologistas
Soares explica que, na atmosfera, existem áreas com alta probabilidade de formar gelo em aeronaves com mais intensidade, que é o chamado de gelo severo. A condição existe em temperaturas entre -5ºC e -25ºC, geralmente entre 10 mil pés (ou 3km para cima) e 25 mil pés (cerca de 8 km).
“Neste dia especificamente, no dia 9, existiam mensagens Sigmet [ferramenta que relata ocorrência ou previsão de fenômenos meteorológicos] desde 4h da manhã exatamente sobre a área do acidente e o desenho dela estava previsão de formação de gelo severo”, diz Soares.
Formação de gelo de aeronave que pousou em Congonhas na tarde de sexta-feira (9).
Reprodução/TV Globo
Manual indica riscos com gelo severo
O manual do ATR 72, como o que caiu no interior de São Paulo, aponta o risco de a aeronave perder sustentação (“estolar”, no jargão aeronáutico) e girar, se entrar em uma área de gelo severo. A ATR classifica essa condição como “de emergência”.
Pilotos narram formação de gelo na rota do avião que caiu em Vinhedo; 62 pessoas morreram
Pela característica das asas, na parte superior do avião, e da altitude em que voa (mais baixo que um jato), o ATR, um turboélice, está mais sujeito a ser impactado pelas formações de gelo. A aeronave tem um sistema antigelo e dispositivos no painel que apontam impacto às condições de voo resultantes do gelo.
Ainda assim, a fabricante alerta que o gelo severo acumulado nas superfícies de voo, como as asas e o estabilizador horizontal, pode não ser removido pelo sistema antigelo e “degradar seriamente a performance e controlabilidade da aeronave”, conforme um manual da aeronave obtido pelo g1.
Ar polar chegou com intensidade violenta
De acordo com o piloto José Paulo Garcia, que tem 50 anos de experiência, o ar polar na sexta-feira chegou com uma intensidade tão violenta e incomum, que conseguiu empurrar a bolha de ar que perdurava em toda a região sudeste.
Ele conta que cartas sinóticas (mapas no qual são impressos dados meteorológicos de superfície e altitude) mostravam severas formações de gelo.
“No Inmet estava lá essa formação severa de gelo, na carta do dia. Estava lá: severa formação de gelo no nível 120 ao 210 [entre 10 e 25 mil pés]. Agora, como ninguém avisou esses pilotos? O controle sabia disso, ele está lá com a carta na mão”.
Avião com 62 pessoas despenca sobre área residencial de Vinhedo (SP)
Reprodução/TV Globo
Para Soares, ainda não é possível cravar que o desastre aéreo tenha acontecido por conta do acúmulo de gelo nas asas da aeronave, mas isso deve ser uma das principais linhas de investigação.
“A gente não pode afirmar nada, mas toda aeronave passando nessa região, é suscetível. Só que, normalmente, aeronaves vão estar voando abaixo do nível de congelamento ou vão estar só cruzando o nível e indo para cima. Quanto menos tempo você passar nessa região, menor a causa. Vai formar gelo, mas ele vai conseguir passar. Agora se nivelar, aí realmente é complicado. A gente não pode afirmar que foi o gelo, mas com certeza na investigação, vai ser um dos fatores que vai ser levado como fator contribuinte”.
Em nota divulgada no dia do acidente, a Voepass afirmou que a aeronave estava com “todos os sistemas aptos” para voar.
“A Voepass acionou todos os meios para apoiar os envolvidos (…). A aeronave PS-VPB, ATR-72, do voo 2283, decolou de CAC sem nenhuma restrição operacional, com todos os seus sistemas aptos para a realização do voo”, diz trecho.
Tragédia no interior de SP
O avião com 58 passageiros e quatro tripulantes, totalizando 62 pessoas a bordo, caiu em um condomínio no bairro Capela, em Vinhedo. A tragédia é o acidente aéreo com o maior número de vítimas desde o caso da TAM, em 2007, no Aeroporto de Congonhas, quando houve 199 mortos.
Avião com 62 pessoas despenca sobre área residencial de Vinhedo (SP)
Reprodução/TV Globo
Veja, ponto a ponto, a cronologia do desastre:
A aeronave decolou às 11h46 e o voo seguiu tranquilo até 12h20.
Após 24 minutos, subiu até atingir 5 mil metros de altitude às 12h23, e seguiu nessa altura até as 13h21, quando começou a perder altitude.
Nesse momento, a aeronave fez uma curva brusca.
De acordo com a Força Aérea Brasileira (FAB), a partir das 13h21 a aeronave não respondeu às chamadas do Controle de Aproximação de São Paulo, bem como não declarou emergência ou reportou estar sob condições meteorológicas adversas.
Às 13h22 – um minuto depois do horário do último registro – a altitude estava em 1.250 metros, uma queda de aproximadamente 4 mil metros.
A velocidade dessa queda foi de 440 km/h.
O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) informou que o ‘Salvaero’ foi acionado às 13h26 e encontrou a aeronave acidentada dentro de um condomínio.
Trajetória de avião que caiu em Vinhedo
Arte g1
Avião com 62 pessoas a bordo cai em Vinhedo
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