Quarta estagiária é demitida de escritório de advocacia por acusação de praticar atos racistas em jogos universitários em SP


Segundo nota da SSP, vídeos apresentados pelas vítimas estão sob análise. Na segunda, três escritórios já haviam demitido estagiários apontados por estudantes como alguns dos autores das ofensas. Alunos da PUC atacam alunos cotistas da USP durante jogos universitários
O escritório de advocacia Machado Meyer informou nesta terça-feira (19) que demitiu uma estagiária acusada de praticar atos discriminatórios contra alunos cotistas da Universidade de São Paulo (USP) durante jogos universitários realizados no sábado (16).
Marina Lessi de Moraes é a quarta estudante de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) a ser desligada do trabalho em razão do episódio.
Ela, Tatiane Joseph Khoury, Matheus Antiquera Leitzke e outro rapaz, cujo nome não foi confirmado pelo escritório em que estagiava, foram identificados por uma “força-tarefa” de alunos das universidades envolvidas, a partir de vídeos e fotos feitos durante uma partida de handebol masculino em Americana, no interior do estado.
Enquanto as equipes das duas instituições se enfrentavam, torcedores uniformizados da PUC gritavam frases de cunho pejorativo contra estudantes cotistas da USP. Ao mesmo tempo, faziam sinal de dinheiro com as mãos, se referindo à situação socioeconômica das vítimas (veja vídeo acima).
Segundo uma estudante que presenciou a cena, os ataques foram dirigidos a um grupo de estudantes negros. Dentre as ofensas proferidas, os autores teriam dito frases como “cotista filho da p***” e “manda o Pix da esmola”.
Na segunda (18), a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) instaurou um inquérito policial para apurar as denúncias de racismo.
Segundo nota da Secretaria da Segurança Pública (SSP), os vídeos apresentados pelas vítimas estão sob análise da equipe de investigação.
Demissões
Sobre o desligamento de Tatiane, o escritório Pinheiro Neto disse que “não tolera e repudia racismo ou qualquer outro tipo de preconceito”. Questionada se a jovem teria se defendido das acusações, a empresa informou que vai se posicionar apenas por meio da nota divulgada.
O escritório Tortoro, Madureira & Ragazzi afirmou que, inicialmente, determinou a suspensão de Matheus, dando cinco dias para o jovem se manifestar a respeito das acusações. Contudo, o rapaz compareceu à empresa nesta manhã e conversou com o coordenador responsável, na presença da equipe de Recursos Humanos. Ele teria admitido a participação nos atos discriminatórios e aberto mão do prazo de defesa, sendo demitido.
Procurado, o Machado Meyer comunicou que “alinhado com os seus valores institucionais e o seu compromisso inegociável com a promoção de um ambiente inclusivo e respeitoso, decidiu pelo desligamento da estagiária (Marina)”.
Dentre os outros alunos identificados nas imagens estaria também um estagiário do escritório Castro Barros Advogados, que se manifestou pelo LinkedIn, informando que o estagiário envolvido no caso não integra mais a empresa. Disse ainda que não admite atos discriminatórios praticado por nenhum de seus integrantes, dentro ou fora do escritório. “Qualquer pessoa que ignore ou despreze esse fato não tem condições de fazer parte do Castro Barros Advogados.”
Uma caloura que também aparece nas imagens foi afastada do Centro Acadêmico 22 de Agosto, da Faculdade de Direito da PUC. Ela fazia parte da Comissão de Permanência do grupo e, segundo o CA, “não havia apresentado posturas problemáticas” até então.
“Considerando nossa política rigorosa de combate a qualquer comportamento discriminatório, removemos a pessoa dos quadros da gestão com rapidez, até que tudo seja devidamente apurado pelas instâncias da Universidade. Logo, a referida aluna não faz parte do Centro Acadêmico 22 de Agosto”, informou o CA.
Todos os estudantes identificados apagaram seus perfis profissionais na rede LinkedIn.
O g1 apurou que, ao tomarem conhecimento do caso, as parlamentares Luana Alves (vereadora na capital), Letícia Chagas (codeputada estadual) e Sâmia Bomfim (deputada federal), todas do PSOL, fizeram uma denúncia ao Ministério Público de São Paulo pedindo a abertura de um inquérito para apurar os atos racistas praticados.
O caso também está sob análise da Promotoria Criminal de Americana.
Tatiane Joseph Khoury, estudante de Direito da PUC acusada de praticar atos discriminatórios contra alunos da USP
Reprodução/Arquivo pessoal
Em nota conjunta, as diretorias das faculdades de direito envolvidas e os centros acadêmicos de ambas as instituições repudiaram o que chamaram de “lamentáveis episódios” e se comprometeram a investigar o caso, visando responsabilizar os envolvidos.
“Essas manifestações são absolutamente inadmissíveis e vão de encontro aos valores democráticos e humanistas, historicamente defendidos por nossas instituições. Diante disso, as entidades signatárias comprometem-se a apurar rigorosamente o caso, garantindo a ampla defesa e o devido processo legal, e a responsabilizar os envolvidos de maneira justa e exemplar”, diz a nota.
A reitoria da PUC também repudiou o episódio e disse que os fatos serão apurados “com o rigor necessário, a partir das normas universitárias e legais, promovendo a responsabilização e conscientização dos envolvidos”.
Nota conjunta das faculdades de direito
“As Diretorias das Faculdades de Direito da USP e da PUC-SP e os Centros Acadêmicos XI de Agosto e 22 de Agosto das duas instituições vêm a público manifestar repúdio aos lamentáveis episódios ocorridos nos Jogos Jurídicos de 2024. Durante o evento, um grupo de alunos da Faculdade de Direito da PUC-SP proferiu manifestações preconceituosas contra estudantes da Faculdade de Direito da USP, utilizando o termo “cotistas” de forma pejorativa.
Essas manifestações são absolutamente inadmissíveis e vão de encontro aos valores democráticos e humanistas, historicamente defendidos por nossas instituições. Diante disso, as entidades signatárias comprometem-se a apurar rigorosamente o caso, garantindo a ampla defesa e o devido processo legal, e a responsabilizar os envolvidos de maneira justa e exemplar.
Reconhecemos que a segregação social ainda é um desafio no Brasil, mas entendemos que o ambiente universitário deve atuar como um espaço de reparação e transformação. Incidentes como este reforçam a urgência de combatermos todas as formas de hostilidade no meio acadêmico.
Festas e jogos universitários devem ser momentos de integração, congraçamento e solidariedade, não de ódio, violência e intolerância, como não raramente se vê. A luta pela superação de uma cultura de violência nesses espaços depende do engajamento de todos e todas.
Além da responsabilização dos envolvidos, é indispensável avançarmos na direção de políticas preventivas e de acolhimento. Planejamos implementar protocolos que fortaleçam ouvidorias, promovam a prevenção e a educação antirracista e assegurem um ambiente inclusivo e respeitoso para todos os alunos e alunas. Essa é uma demanda frequente da comunidade acadêmica, que exige ações concretas e eficazes.
Estamos determinados a transformar este episódio em um marco para o fortalecimento de uma cultura de respeito, equidade e inclusão em nossas instituições.
FACULDADE DE DIREITO DA USP, FACULDADE DE DIREITO DA PUC-SP, CENTRO ACADÊMICO XI DE AGOSTO e CENTRO ACADÊMICO 22 DE AGOSTO”
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