Brasil, potência olímpica?

Nuno Vasconcellos: ‘Desempenho olímpico é algo que não se constrói durante as duas semanas de duração dos Jogos’Daniel Castro Branco/Agência O Dia

Os Jogos Olímpicos de Paris chegam ao fim neste domingo e, a despeito da felicidade por ter visto o esforço de alguns dos atletas brasileiros recompensados pelas medalhas conquistadas, a sensação que fica é a de que o resultado que poderia ter sido melhor. Muito melhor. Fica também a certeza de que o sonho de ver o Brasil se firmar como uma potência olímpica não depende apenas do talento individual dos atletas. Por causa disso, ele terá que esperar mais quatro ou oito anos para se realizar. E, se não houver uma mudança urgente na forma com que essa questão é encarada no país, pode ser que nem esse tempo seja suficiente.

Desempenho olímpico é algo que não se constrói durante as duas semanas de duração dos Jogos. Ele é resultado de um trabalho eficiente na seleção e na formação de atleta nas categorias de base — e isso dura anos. É resultado de investimentos contínuos não só no treinamento dos atletas e nos equipamentos mais adequados, mas, também, na escolha e capacitação de treinadores sintonizados com o que de mais moderno acontece no mundo em cada modalidade esportiva.

Isso só acontece como consequência de uma política permanente, que não pode se limitar aos quatro anos de um mandato político. Ela depende da definição de prioridades aceitas por todos — que vão passando de um governo para o seguinte até que ninguém se lembre de como foi que tudo começou.

A consolidação de um país como potência olímpica, é bom insistir nesse ponto, não depende apenas do preparo e da aptidão física dos atletas para as modalidades que disputam. Depende, também, da consolidação de uma mentalidade que torne a vitória uma consequência natural do bom trabalho desenvolvido. E, mais do que isso, que encha os atletas de orgulho diante da chance de perseguir o pódio não apenas como uma conquista pessoal, mas como uma oportunidade de defender a cada quatro as cores e o espírito de seu país.

Celebridades

Nenhuma das ideias acima é original e algumas até parecem impregnadas de um ufanismo que não combina com os tempos atuais. É preciso, então, acrescentar ao que foi dito um ponto que vale para o Brasil e para qualquer outro país do mundo, mesmo os mais ricos. Trata-se do seguinte: uma boa formação esportiva, em qualquer modalidade, abre portas e oferece oportunidades para os vendedores. E pode significar uma oportunidade e tanto para que jovens dos estratos sociais menos privilegiados trilhem caminhos muito mais promissores do que teriam se não tivessem se tornado atletas. 

Hoje em dia, os atletas altamente especializados são tratados como celebridades e alguns podem faturar milhões em prêmios, patrocínios e bolsas ao longo da carreira. É ótimo que seja assim, até porque o sucesso de alguns inspira e serve de exemplo para muita gente. Quanto maior for a qualidade de vida alcançadas pelos atletas de maior destaque, mais e mais jovens serão levados a seguir o mesmo caminho.

Quanto mais atletas como Bia Souza, ouro no judô, e Rebeca Andrade, ouro, prata e bronze na ginástica, houver, mais jovens se sentirão atraídos por esse caminho. Quando mais duplas se inspirarem no sucesso de Duda e Ana Patrícia para praticar o vôlei nas praias brasileiras, melhor! A alegria do podium é contagiante. Só que, para desfrutá-la, é preciso esforço.

Isso também vale para as medalhas de prata conquistadas por Tatiana Weston-Webb, no surfe, Willian Lima, também do judô, Caio Bonfim, na Marcha Atlética, e Isaquias Queiroz, na canoagem de velocidade. E, também, das medalhas de bronze de Bia Ferreira, no boxe, Larissa Pimenta, do judô, Augusto Akio e Rayssa Leal, no skate, Gabriel Medina no surfe, Edval Passos, no Taekwondo e Alisson Santos, no Atletismo.

Pelo que se viu em Paris, a medalha de prata conquistada pela equipe feminina de futebol, diante do desempenho medíocre nas primeiras rodadas da fase de eliminação, tem um sabor de superação que equivale ao ouro. E o bronze da equipe feminina de vôlei, era o mínimo que a equipe poderia demonstrar diante da superioridade demonstrada em todo o torneio.

Tudo bem! O que está em discussão aqui não é o desempenho pessoal de cada integrante da delegação. Chegar aos jogos Olímpicos já é uma façanha e cada atleta que representou o Brasil deve ter seu valor reconhecido, nem que seja apenas pelo caminho que percorreu até chegar a Paris. Isso, no entanto, não diminui a sensação de que o país poderia ter ido muito mais longe. E que muito mais atletas da delegação poderiam ter voltado para casa com medalhas penduradas no pescoço.

Alguns não voltaram porque tiveram a má sorte de cruzar com adversários mais bem preparados, de países com mais tradição nos esportes que disputam, ou que estavam especialmente inspirados no dia em que seus caminhos se cruzaram. São os casos de dois atletas cariocas. O primeiro é Marcus d’Almeida, que colocou o Brasil no mapa do Tiro com Arco e caiu diante do coreano Kim Woo-jin — que terminou a competição com a medalha de ouro. O outro é o mesatenista Hugo Calderano, derrotado pelo sueco Truls Möregårdh — que terminou com a medalha de prata — e, depois, perdeu a disputa pelo bronze para o francês Félix Lebrun.

Cartolas corruptos

 Nenhum desses atletas chegou sozinho ao ponto em que chegou ou que ainda pode chegar. Alguns construíram suas carreiras no exterior e não dependeram de apoio oficial para se destacar no esporte. É o caso dos surfistas, de atletas do vôlei e de algumas modalidades esportivas mais valorizadas e bem estruturadas. Mas ninguém pode dizer, como se ouviu por diversas vezes nas transmissões dos jogos, que a falta de investimentos é a principal razão para o desempenho discreto que o time brasileiro teve na comparação com outras delegações de países com potencial econômico equivalente ao brasileiro.

Apenas a Bolsa Atleta que o governo paga para os atletas que conquistam o pódio nos jogos Olímpicos, que atualmente é de R$ 16.629, já significa uma ajuda e tanto num país em que a renda média do trabalhador, de acordo com a PNAD, do IBGE, não chega a R$ 3.000 por mês. A título de informação, atletas olímpicos que não conquistaram medalhas têm direito a uma bolsa de R$ 3.437. Os atletas de nível internacional que não chegam Olimpíadas têm uma bolsa de R$ 2.051 e os de nível nacional, R$ 1.025. Dos 277 atletas que representaram o Brasil em 39 modalidades esportivas disputadas em Paris, 90% recebem a bolsa.

Calma! Ninguém está falando que esses valores são um absurdo e que a Bolsa Atleta é suficiente para garantir uma vida nababesca a quem quer que seja! Nada disso! Esse valor é apenas um ponto de partida que muitas vezes é aumentado por salários pagos por clubes e confederações, por premiações e, em muitos casos, por cotas de patrocínio.

Esses números, claro, podem melhorar e certamente melhorarão como resultado de políticas bem estruturadas de incentivo ao esporte. Políticas que precisam ser acompanhadas de perto pelos órgãos de controle e protegidas por mecanismos de fiscalização que garantam que o dinheiro investido no esporte vá parar no bolso dos atletas e dos treinadores — e não seja surrupiado por cartolas corruptos que acham certo enriquecer à custa do suor alheio.

Também não está sendo dito, aqui, que o dinheiro é a única mola que impulsiona os atletas a seguirem adiante. Nada disso! Há muito mais coisas envolvidas. Quando se vê um atleta consagrado e multimilionário como o astro no basquetebol LeBron James comemorar a vitória sobre o time da Sérvia, que garantiu ao Dream Team norte-americano presença na final nos Jogos de Paris, percebe-se que há muito mais do que dinheiro envolvido numa conquista olímpica. James recebe cerca de US$ 50 milhões por ano apenas em salários pagos por seu clube, o Los Angeles Lakers e outros US$ 50 milhões em rendimentos e patrocínios. Seus companheiros são igualmente milionários. Mesmo assim, eles lutam por uma medalha e mostram que o valor em jogo ali é maior do que o dinheiro — e envolve conquista, superação, afirmação e muito mais.

Física nuclear 

O ponto mais lamentável de toda essa história é que, anos atrás, o Brasil inteiro acreditou no sonho de que poderia se tornar uma potência esportiva com a realização daqueles que se tornaram conhecidos como os jogos mais caros da história olímpica. Um levantamento recente, publicado pela prestigiada revista inglesa “The Economist”, aponta que, com base no valor do dólar de 2022, nunca houve uma olimpíada mais cara do que a que foi realizada no Rio de Janeiro em 2016.

O levantamento começa com os US$ 11,6 bilhões gastos nos jogos de 1992 — que incluem a realização das obras que promoveram uma revolução urbana em Barcelona e transformaram uma cidade decadente numa das mais modernas do mundo. Vieram, depois, os US$ 4,7 bilhões de Atlanta; os US$ 5,2 bilhões de Sidney; os US$ 3,1 bilhões de Atenas; os US$ 8,3 bilhões de Pequim e os US$ 16,8 bilhões de Londres.

O custo das instalações no Rio foi de espantosos US$ 23,6 bilhões. Para finalizar, tem os US$ 13,7 bilhões de Tóquio, inflacionados em cerca de US$ 1 bilhão pelas medidas de segurança contra a Covid-19. Os jogos de Paris custaram, de acordo com a revista e com base na cotação de 2024, US$ 8,7 bilhões.

Ter noção desses números é fundamental para que os argumentos mais repetidos ao longo dos jogos de Paris — os que que os problemas do esporte brasileiro se resumem à falta de recursos — deixem de ser aceitos como uma verdade absoluta. Ninguém está dizendo aqui que o esporte brasileiro conta com recursos tão abundantes como os que alimentam os investimentos esportivos de potências como os Estados Unidos e a China. Nem que o país conta com programas de formação de atletas bem estruturados como os que existem em países como Austrália, Coréia do Sul, Grã-Bretanha, França, Alemanha e muitos outros. Mas, da mesma forma, ninguém pode dizer que o esporte brasileiro viver à míngua de recursos e abandonado à própria sorte.

Recursos existem. A lei 13.756, de dezembro de 2018, destina ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB) 1,7% do valor arrecadado com as apostas lotéricas federais. Em 2023, com base nos demonstrativos financeiros do COB, isso representou R$ 250 milhões de reais, que foram distribuídos entre as confederações que respondem pelos esportes olímpicos do Brasil. O valor pode aumentar? Claro que pode.

Para que isso aconteça é preciso, em primeiro lugar, que se cuide melhor dos investimentos feitos no passado — nem que seja apenas para justificar a reivindicação por mais recursos. Uma providência sensata nesse sentido seria deixar de usar o Ministério dos Esportes, uma repartição pública que nunca justificou sua existência, como moeda de troca nas transações políticas e criar uma estrutura que, de fato, utilize todo o potencial que o esporte pode ter como instrumento de transformação social.

A propósito: você pode nunca ter notado, mas o Brasil tem um ministro dos Esportes. O nome dele é André Fufuca. É deputado pelo PP do Maranhão e entende tanto de políticas públicas voltadas para esportes olímpicos quando a cantora Anitta entende de física nuclear. Ou seja: provavelmente, nada! A questão é que Anitta não tem qualquer obrigação de entender de física nuclear enquanto Fufuca deveria dominar pelo menos o bê-a-bá dos assuntos de sua pasta. Mas, não. Ele só está no cargo apenas para garantir a fidelidade de seus colegas de bancada às votações de interesse do governo — o que nem sempre acontece. E o esporte? Bem… o esporte, nesse arranjo, é um mero detalhe.

Bandeira hasteada

Seja como for, o certo é que, se o dinheiro disponível para investimentos é curto, deveriam existir, pelo menos, critérios efetivos para tirar o melhor aproveitamento possível daquilo que já foi gasto no passado. Mas, não. Veja, por exemplo, o que aconteceu com a maioria dos equipamentos olímpicos construídos para os jogos do Rio.

Administrado pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) e utilizado como centro de treinamento, o Parque Aquático Maria Lenk, na região da Barra da Tijuca é, de todas as instalações olímpicas, aquela que produz os resultados mais próximos do previsto quando foram construídos — embora, nesses jogos, o time de natação tenha voltado de Paris sem nenhuma medalha.

Pode melhorar? Claro que sim! Mas diante do que acontece com algumas das outras instalações olímpicas do Rio, a utilização constante do Maria Lenk já é um feito e tanto. Alguma das quadras do Centro Olímpico de Tênis, por exemplo, perderam condições de uso oito anos depois de inauguradas. As Arenas Cariocas 1, 2 e 3 estão, na melhor das hipóteses subutilizadas e o velódromo vai se transformar em museu. Outra questão: o Botafogo, atual administrador do Engenhão, o estádio que abrigou as provas de atletismo, defende a destruição da pista ao redor do gramado para melhor aproveitamento do espaço para o futebol.

Construído para os Jogos Panamericanos de 2007, o estádio foi concedido ao Botafogo pouco tempo depois e uma das condições do contrato era a manutenção do lugar para provas de atletismo. Não há nada de errado com isso. O Estádio Olímpico de Londres, deveria ser desmontado depois dos jogos de 2012, mas foi concedido ao clube West Ham também com a condição que a pista de atletismo não fosse destruída.

Desde então, o lugar volta e meia sedia competições de atletismo num calendário importante para que a Grã-Bretanha conquistasse no atletismo, até a manhã de ontem, uma medalha de ouro, quatro de prata e duas de bronze nos jogo de Paris. Parece pouco perto das 11 medalhas de ouro, 10 de prata e oito de bronze do time dos Estados Unidos. Mas já é bem melhor do que a medalha de bronze solitária conquistada pelo brasileiro Alisson Santos, em Paris. O desempenho do Brasil pode melhorar, e vai! Mas isso depende, antes de mais nada, que o caminho para o pódio exige uma caminhada que nem sempre acontece diante das câmeras da TV — mas que enche cada brasileiro de orgulho quando vê bandeira subir e o hino é tocado para o mundo inteiro escutar.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.

Os comentários estão desativados.