O ‘trabalho nobre’ dos crematórios budistas após o terremoto em Mianmar

Um trabalhador transporta o corpo de uma vítima do terremoto de Mandalay, Mianmar, para cremação em 31 de março de 2025Sai Aung Main

Sai Aung MAIN

Um bebê nasceu após o terremoto em Mianmar e, dois dias depois, foi entregue às chamas do ritual de cremação budista, sem que sua família pudesse dar um nome à criança.

A mãe grávida foi derrubada pela força do terremoto enquanto trabalhava em um arrozal e deu à luz no dia seguinte, disse a avó Khin Myo Swe.

O bebê foi levado para um hospital de Mandalay para ser incubado, mas morreu na segunda-feira (31).

“Estamos vivendo com dificuldades”, lamentou Khin Myo Swe enquanto um socorrista carregava o pequeno corpo até uma estátua de Buda decorada com flores, e depois para o crematório.

Após o terremoto de magnitude 7,7 na região central de Mianmar, o número de mortos chegou a 2.056 e teme-se que mais corpos estejam sob os escombros dos prédios devastados na segunda principal cidade do país.

Desde o tremor de sexta-feira, ambulâncias têm transportado corpos para o crematório do bairro de Kyar Ni Kan, nos arredores de Mandalay.

– Mortos e feridos –

Quase 300 cadáveres foram levados ao crematório, cujos funcionários tiveram que trabalhar seis horas a mais do que o horário habitual.

Um veículo entra em alta velocidade. Seus ocupantes relatam que estão carregando o corpo de uma menina de 16 anos que morreu no terremoto. A trouxa de pano estendida em frente ao crematório é menor do que a de uma adolescente comum, e um dos homens vomita enquanto retorna ao veículo.

Nay Htet Lin, líder de outra equipe de quatro homens que carregou cerca de 80 cadáveres desde o tremor, conta: “No primeiro dia do terremoto, ajudamos os feridos a chegar ao hospital (…) No segundo dia, só carregamos cadáveres”.

A cremação é um componente central da fé budista, cujos fiéis acreditam que ela libera a alma do corpo e facilita o renascimento em uma nova vida.

Em algumas culturas asiáticas, aqueles que lidam com os mortos são considerados pessoas à margem da sociedade. Mas para Nay Htet Lin, esse é um “trabalho nobre”.

“Estamos fazendo o que os outros não podem. Teremos uma boa próxima vida”, diz ele à AFP.

Um funcionário que trabalha há 15 anos no crematório não se arrepende de sua escolha, embora tenha testemunhado muita angústia.

“Todos vêm aqui com sentimentos de tristeza, com seu sofrimento”, comentou o homem de 43 anos, que pediu anonimato porque não estava autorizado a falar com a imprensa.

– Oferendas –

Muitas equipes de resgate se concentraram na parte urbana de Mandalay, onde complexos de apartamentos desabaram, um centro budista colapsou e hotéis ficaram em ruínas.

Em alguns locais, o cheiro de corpos em decomposição é perceptível.

O neto de Khin Myo Swe foi o 39º corpo levado na segunda-feira. Ela contou que a mãe da criança não havia sido informada da morte de seu bebê.

“Tive que mentir para minha filha, disse a ela que levei o bebê ao hospital. Se eu lhe contar a verdade, tenho medo de que o choque a mate também”, admitiu Khin Myo Swe, de 49 anos.

“Enviarei comida para o monastério como oferenda para a alma do bebê”, completou.

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