Café sombreado, o melhor do Brasil, já foi produzido em Florianópolis; conheça a história

Os últimos aumentos nos preços do café provocaram novos estudos sobre a produção e o consumo do produto em Santa Catarina e em todo o Brasil. No ano passado, o reajuste médio foi de 32,66%, e a partir de janeiro de 2025, nova elevação de 25% no preço do café moído.

Café sombreado produzido em Florianópolis chegou a ser vendido nacional e internacionalmente – Foto: Governo de rondônia/divulgação/nd

Em algumas regiões de descendência açoriana aqui no Estado, cultivava-se um tipo de café que fez sucesso até no exterior pela sua reconhecida qualidade: o chamado “café sombreado”. Era plantado e florescia debaixo das árvores, em pequenas propriedades e, durante séculos no Império e na República, era utilizado principalmente para consumo familiar e depois também para comercialização.

De acordo com os especialistas, a Colômbia tem fama e produz o café de melhor qualidade nas Américas justamente porque é o sombreado.

A importância econômica e social do café para o Estado ganhou destaque na virada da Monarquia para a República. Maior prova dessa relevância está na bandeira de Santa Catarina, criada em 1895, que traz a imagem de um ramo de café com frutos.

Em Florianópolis, o cultivo deu-se principalmente no Leste (Lagoa e Costa da Lagoa), e nas comunidades do Norte (Canasvieiras e Ponta das Canas) e do Sul da Ilha (Ribeirão).

Expansão agrícola da mandioca e do café sombreado

Durante os séculos 18 e 19, Florianópolis viveu um período de expansão agrícola com a produção de mandioca e café. A mandioca espalhou-se por toda a área insular com a instalação de engenhos de farinha, preciosas obras de artesanato que se multiplicaram por dois séculos. E, basicamente, para subsistência.

Com o café sombreado, ocorreu um fenômeno singular, justamente pela qualidade, enriquecendo os plantadores até com grande quantidade de exportação. O processo, contudo, era mais rigoroso, sobretudo, a partir da colheita selecionada, secagem e sua transformação em pó.

Na segunda metade do século 20, as principais ruas da cidade registravam a presença dos pombeiros, como eram chamados os vendedores ambulantes, oferecendo de porta em porta frutas, verduras, legumes e aves. Alguns vendiam até café.

Supersafra, crise e redução dos preços

Seguiu-se a fase negra. Até então maior produtor de café do mundo, o Brasil viveu uma crise no governo Getúlio Vargas, em 1931, quando uma gigantesca produção causou a redução dos preços no mercado internacional. O governo determinou a queima de 78 milhões de sacas, entre 1931 e 1944, em esforço para recuperar a cotação.

Aqui em Santa Catarina, também houve uma política de erradicação dos cafezais, com indenização do governo federal, o que reduziu drasticamente a produção e provocou notórios casos de corrupção, segundo o premiado engenheiro agrônomo Glauco Olinger, especialista no cultivo, preservação e expansão nos anos 1950. Os cafeicultores arrancavam, por exemplo, 2.000 pés de café, e mediante propinas aos fiscais, recebiam pela extinção de 20 mil unidades.

Glauco Olinger plantou 30 mil pés de café sombreado na Ilha – Foto: Arquivo pessoal/ND

Características do café sombreado

  • Redução do número de folhas, e folhas com maior tamanho.
  • Obtenção de bebida mais suave (maturação mais lenta).
  • Aumento da capacidade produtiva do cafeeiro.
  • Redução da bienalidade de produção.
  • Menor incidência da seca de ponteiros e da cercosporiose.
  • Diminuição da desfolha.
  • Baixo índice de pragas e plantas daninhas.
  • Aproveitamento da espécie arbórea.

Plantio e colheita do café sombreado

Era plantado debaixo de abacateiros, pitangueiras, laranjeiras e árvores naturais altas, e tinha um processo artesanal que leva à obtenção da “bebida perfeita”.

Os pescadores e colonos colhiam só os grãos maduros, exigindo mais mão de obra. Nada de colheita coletiva, que produzia o “café duro”. O cafeicultor colhia um por um, pegava o grão maduro, tirava a casca e ficava a semente só com uma mucilagem.

Era preciso lavar com uma solução de 2% de cal virgem. Depois, secar na sombra. Após a secagem, vinha a fase de torrar até ficar marrom escuro – se ficasse preto, resultava no café duro. Em seguida, retirar e levar para a moagem. Era assim, então, que se fazia o melhor café do Brasil e do mundo.

Café sombreado era cultivado em Florianópolis

Café sombreado era cultivado em Florianópolis – Foto: Divulgação/Embrapa/ND

Ciclos do café sombreado em Florianópolis

O café sombreado teve vários ciclos em Florianópolis. Primeiro, sua plantação com a chegada dos açorianos, que se instalaram em regiões com Mata Atlântica e árvores frondosas, frutíferas e ornamentais. E depois com a expansão da produção do café sombreado com a conquista de mercado nacional e até venda no exterior. O empresário Ernesto Rioggenbach, por exemplo, chegou a vender para a Europa 3.000 toneladas anuais de café, a maioria de café sombreado.

Saco Grande e Monte Verde tiveram plantação com 30 mil pés do café sombreado

O último ciclo do café foi conduzido no governo Irineu Bornhausen justamente por Glauco Olinger, que, formado em Viçosa (MG), tinha especialização em café, e idealizou e executou um projeto pioneiro e único no Brasil. Ele conhecia em profundidade como fazer uma boa muda de café. Na região dos bairros Monte Verde/Saco Grande e até a entrada de Cacupé, plantou 30 mil pés de café no meio do mato, sombreado, em canteiros caprichados, bem adubados, e com cobertura para evitar o sol.

O projeto do cultivo foi aprovado pelo Ministério da Agricultura e financiado pelo Inco (Banco Indústria e Comércio de Santa Catarina) – que em 1968 foi adquirido pelo Bradesco -, de propriedade de Irineu Bornhausen e Genésio de Miranda Lins, tendo como gerente responsável na agência de Florianópolis, Acari Silva.

Enormes galpões foram construídos e implantadas sementeiras orgânicas da melhor qualidade. As primeiras sementes foram coletadas justamente dos cafeeiros existentes na região da Lagoa da Conceição, onde as plantações tinham até técnica artesanal especial de colheita e torrefação.

O “rei do café”

O programa inédito teve tanta repercussão que recebeu a visita do maior cafeicultor do Brasil, José Lunardelli, amigo do governador, e com gigantescas plantações na região de Londrina (PR). Era o “rei do café”.

Espantado com o rápido crescimento da planta, o empresário questionou seu amigo Bornhausen sobre o tempo de plantação. Inteirado de que as pequenas árvores tinham apenas seis meses, contestou, declarando-se incrédulo.

Só se conformou, quando Glauco Olinger, técnico extensionista do Ministério da Agricultura, convocou o responsável pelo programa. E ambos confirmaram com dados técnicos.

Cidade das abelhas

Por este desempenho exemplar, Olinger recebeu de presente do Banco Inco uma área de terras, com 50 metros de frente e mais de 500 metros de fundo, com uma água cristalina, ao Norte da grande propriedade onde se encontrava a cafeicultura. O agrônomo declinou por motivos éticos, destinando o espaço, então, para o Ministério da Agricultura. Ali, o engenheiro agrônomo instalou a histórica Cidade das Abelhas, e entregou a liderança do projeto para Helmuth Wiese, maior especialista em apicultura. Ali funciona hoje o Instituto de Apicultura de Santa Catarina.

Com o crescimento urbano da cidade e a ocupação imobiliária, sobraram algumas centenas de pés de café, mas a maior parte do cafezal foi sendo cortada com a venda do imóvel pelo Inco e o desestímulo com a queda nos preços.

Adicionar aos favoritos o Link permanente.

Os comentários estão desativados.