Projeto australiano busca soluções criativas para ajudar espécies a sobreviver às mudanças climáticas


Plataforma permite que ambientalistas aprendam com experiências bem-sucedidas e adaptem essas soluções às suas próprias realidades. Ninhos artificiais para albatrozes tímidos foram colocados na Ilha dos Albatrozes, uma reserva de 18 hectares entre a Tasmânia e a Ilha King, um dos três locais onde essa ave faz ninho.
WWF Australia
O aquecimento global tem alterado paisagens, padrões climáticos e colocado diversas espécies em risco em todo o mundo. E na Austrália isso não é diferente.
Segundo dados oficiais, as temperaturas no país já aumentaram 1,5°C desde o início dos registros, enquanto a redução das chuvas no sul do continente e a escalada dos incêndios florestais agravaram a situação.
No chamado “Verão Negro” de 2019-20, quando o fogo se alastrou por vastas áreas, bilhões de animais perderam seu habitat. Além disso, desde então, quase 2 mil espécies estão ameaçadas, e ecossistemas frágeis, como os recifes de coral, correm sério risco.
➡️ Diante desse cenário, cientistas e conservacionistas australianos perceberam que estratégias tradicionais de proteção ambiental já não são suficientes. Mas criar novas táticas de conservação demanda tempo, dinheiro e muito esforço.
Foi esse desafio que levou a ecologista Jess Melbourne-Thomas a se perguntar: e se houvesse uma forma de reunir as melhores ideias para ajudar na adaptação das espécies ao novo clima?
“Queríamos criar algo acessível, que não exigisse que cada grupo de conservação precisasse reinventar a roda”, explica Jess Melbourne-Thomas ao g1.
E assim nasceu o AdaptLog, um catálogo online gratuito que agrega mais de 400 soluções para mitigar os impactos do aquecimento global na biodiversidade.
Em termos práticos, a plataforma, que é de acesso público e gratuito, compila intervenções que vão desde a instalação de abrigos artificiais para espécies vulneráveis até programas de relocação de animais para áreas onde o clima futuro será mais favorável.
📚🌱 Com isso, ela permite que ambientalistas aprendam com experiências bem-sucedidas e adaptem essas soluções às suas próprias realidades.
A colaboração é fundamental para enfrentar a crise global das mudanças climáticas. Embora a mitigação das mudanças climáticas, por meio da redução das emissões de gases de efeito estufa, seja a solução definitiva para esse desafio, já estamos observando efeitos significativos das mudanças climáticas na biodiversidade, e esses impactos tendem a se intensificar no futuro.
A ideia do projeto surgiu a partir de um trabalho na costa noroeste da Tasmânia, uma ilha localizada ao sul da Austrália.
Lá, cientistas começaram a instalar ninhos artificiais para ajudar a proteger o albatroz-tímido, uma ave marinha que enfrenta sérias ameaças devido à pesca comercial e ao aumento das temperaturas durante o período de reprodução.
A ave depende de ilhas isoladas para se reproduzir, mas nos últimos anos teve suas populações drasticamente afetadas por atividades humanas, como a pesca, que prejudica a disponibilidade de alimentos e coloca os albatrozes em risco de serem capturados acidentalmente.
Além disso, como as mudanças climáticas estão elevando as temperaturas, o período reprodutivo da espécie também está sendo diretamente afetado, e ninhos naturais estão ficando cada vez inadequados para garantir a sobrevivência dos filhotes.
Para contornar isso, os cientistas decidiram então criar ninhos artificiais, projetados para simular as condições ideais de segurança e temperatura. Com essas estruturas, os albatrozes-tímidos passaram a ter um lugar mais seguro e estável para a reprodução, o que aumentou a taxa de sobrevivência dos filhotes e ajudou a população a se estabilizar.
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Projeto também instalou ninhos artificiais de tartaruga com sistemas de irrigação usando água do mar para resfriar os ovos.
WWF
E o sucesso do projeto dos ninhos artificiais foi tão grande que outras abordagens começaram a ser testadas em diferentes áreas da Austrália. Agora, entre as diversas soluções catalogadas para preservar espécies ameaçadas, algumas se destacam pela criatividade e impacto.
No leste da Austrália, por exemplo, foram criadas soluções engenhosas para proteger tartarugas marinhas. Nessa região, conhecida por suas belas praias e recifes de coral, as areias estavam ficando quentes demais para os ovos das tartarugas.
Para contornar esse problema, foram instalados ninhos experimentais irrigados com água do mar nas praias. Dessa forma, a temperatura dos ovos é mantida em níveis adequados, permitindo que os filhotes de tartaruga se desenvolvam e nasçam com segurança.
Já em Victoria, na região sudeste do país, foram implementadas medidas para ajudar espécies de sapos a enfrentar o calor cada vez mais crescente no país. Para isso, os cientistas construíram os chamados “pântanos de sapos”, pequenos habitats úmidos e frescos, criados especialmente para oferecer refúgio aos anfíbios durante os períodos mais quentes.
Em Victoria, no sudeste da Austrália, cientistas criaram “pântanos de sapos” para ajudar as rãs verdes e douradas a suportar o calor crescente.
Love our Lakes
A questão-chave da adaptação
Para Cassia Lemos, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a proposta do AdaptLog é extremamente interessante e alinhada com os esforços globais para enfrentar os desafios impostos pelo aquecimento global.
Ela diz que o projeto se destaca como uma ferramenta importante para a adaptação das espécies e conservação da biodiversidade, embora se entenda que uma abordagem mais ampla sobre outros impactos das mudanças climáticas também é necessária.
Mas ela lembra que no Brasil já existe uma plataforma semelhante, o AdaptaBrasil, que está sendo desenvolvida com foco nas especificidades ambientais do país.
“É uma plataforma que lida especificamente com as mudanças climáticas no Brasil, fazendo um downscale das projeções climáticas dos modelos do IPCC e tudo mais, mas ela vai trabalhar essas questões dentro de um contexto socioeconômico brasileiro”, explica Lemos, que também assessora de conteúdo do projeto criado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).
De forma geral, ele também tem como objetivo integrar, consolidar e disseminar informações sobre os impactos das mudanças climáticas. E isso inclui dados sobre áreas cruciais como água, alimentos, energia e riscos climáticos, oferecendo uma visão mais precisa sobre os desafios enfrentados pelos municípios brasileiros, como a seca, por exemplo.
Por outro lado, a plataforma ainda não contempla a biodiversidade de forma plena, como o projeto australiano, mas Lemos ressalta que o risco climático para a conservação da biodiversidade já foi identificado, mas que ainda está em fase de desenvolvimento e será publicado em breve.
Por isso, Diosmar Filho, pesquisador sênior da Associação de Pesquisa Iyaleta, defende a inclusão da adaptação climática nos planos diretores das cidades e municípios.
No Brasil, ele diz que para biomas como a Amazônia e o Pantanal, a adaptação climática exige mais do que estratégias pontuais: é necessário abordar as causas subjacentes da degradação desses ecossistemas, como o desmatamento e a pressão da pecuária.
“Para esses biomas, uma adaptação bem-sucedida passa pela redução das ações humanas que exacerbam os impactos climáticos, como o desmatamento e o uso insustentável da terra”, afirma o pesquisador.
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