
PGR afirma que o ex-presidente era o chefe do golpe. O advogado de Jair Bolsonaro diz que não se achou absolutamente nada contra do ex-presidente. No primeiro dia do julgamento sobre denúncia de golpe de Estado, PGR diz que Bolsonaro era o chefe da organização
A Primeira Turma do STF – Supremo Tribunal Federal começou nesta terça-feira (25) o julgamento da denúncia contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais sete pessoas.
O dia amanheceu com a segurança reforçada no STF – Supremo Tribunal Federal. O ex-presidente Jair Bolsonaro foi o único denunciado a acompanhar pessoalmente o julgamento; sentou na primeira fila.
Às 9h46, o presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, abriu a sessão. Em pouco menos de meia hora, o ministro Alexandre de Moraes leu o relatório da denúncia contra o “núcleo crucial” da organização criminosa que atuou, de acordo com a PGR, de forma lesiva contra a ordem democrática.
“A ação coordenada foi a estratégia adotada pelo grupo para perpetrar crimes contra as instituições democráticas, os quais não seriam viáveis por meio de um único ato violento”, afirmou o ministro Alexandre de Moraes.
Em seguida, o procurador-geral da República apresentou os argumentos da denúncia contra o grupo. Paulo Gonet destacou que o grupo formou uma organização criminosa com o objetivo de manter Jair Bolsonaro no poder.
“A denúncia retrata acontecimentos protagonizados pelo agora ex-presidente da República Jair Bolsonaro que formou, com outros civis e militares, organização criminosa que tinha por objetivo gerar reações que garantissem a sua continuidade no poder, independentemente do resultado das eleições de 2022. A organização tinha por líderes o próprio Presidente da República e o seu candidato a vice-presidente, general Braga Netto”, afirmou Paulo Gonet, procurador-geral da República.
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O PGR listou em detalhes e em ordem cronológica todos os acontecimentos que culminaram no 8 de janeiro de 2023. Entre eles, os ataques de Bolsonaro às urnas, a reunião ministerial de 2022, quando se falou sobre o uso da força, os acampamentos em frente aos quartéis e operações da Polícia Rodoviária Federal no segundo turno da eleição para dificultar o acesso de eleitores de Lula às urnas. Gonet também lembrou o plano chamado de Punhal Verde e Amarelo:
“As investigações revelaram aterradora operação de execução do golpe em que se admitia até mesmo a morte do Presidente da República e do vice-presidente da República eleitos, bem como de ministros do Supremo Tribunal. O plano se desdobrou em minuciosas, requintadas e perniciosas etapas. Tinha no Supremo Tribunal Federal como alvo a ser neutralizado”.
Depois foi a vez dos advogados de defesa falarem, um de cada vez, seguindo a ordem alfabética dos denunciados. Com exceção do advogado do delator, tenente-coronel Mauro Cid, todos negaram a participação dos clientes nos crimes apontados pela Procuradoria Geral da República e disseram que não há provas suficientes para sustentar a acusação. A maioria afirmou que a delação de Mauro Cid não tem validade e que não teve acesso à íntegra das provas reunidas no processo.
O primeiro foi o do ex-diretor geral da Abin e atual deputado federal Alexandre Ramagem, do PL. Paulo Renato Garcia Cintra Pinto negou a existência de uma Abin paralela para sustentar a trama golpista e disse que o delator Mauro Cid não deu relevo à participação de Ramagem na organização.
“São indícios extremamente tímidos, singelos da prática de um crime muito grave, da efetiva atuação do denunciado na construção de uma mensagem deletéria às urnas eletrônicas, porque tudo que há na denúncia com base naquilo que foi colhido pela autoridade policial são três arquivos de texto e nada mais”, disse Paulo Renato Garcia Cintra Pinto, advogado de Alexandre Ramagem.
Depois falou o advogado do almirante Almir Garnier Santos, ex-comandante da Marinha. Demóstenes Torres afirmou que a denúncia não aponta de que forma o almirante teria contribuído para os ataques golpistas de janeiro, apontou o que seriam contradições da PGR ao responsabilizar o cliente e deixar de fora os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica, ao dizer que os três estiveram juntos em reuniões, e pediu a rejeição da denúncia.
“Precisa ter o mínimo de lastro probatório, o mínimo. Um fato típico é composto na teoria mais simples, que é ensinada em todas as faculdades, por uma conduta e um resultado, ainda que seja uma tentativa, mas tem que ter um nexo causal, tem que ter uma ligação e não há nenhuma ligação não só nesses crimes, mas nos demais também”, disse Demóstenes Lázaro Xavier Torres, advogado de Almir Garnier.
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O terceiro advogado a falar foi o do ex-ministro da Justiça do governo Bolsonaro Anderson Torres. Eumar Novacki afirmou que a denúncia é inepta e cheia de falsas acusações. A defesa contestou, ainda, a importância de uma minuta de um decreto de Estado de Defesa. A chamada minuta golpista foi encontrada na casa de Torres, e afirmou que um texto semelhante já circulava pela internet.
“Há uma minuta totalmente absurda, qualquer um que ler chega a essa conclusão. Uma minuta absurda, apócrifa, encontrada na casa do ex-ministro. Uma minuta que não tem valor jurídico algum, que circulava livremente, inclusive sendo distribuída para diversas autoridades”, disse Eumar Novacki, advogado de Anderson Torres.
O advogado do ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional Augusto Heleno disse que não há provas contra ele. Matheus Mayer Milanez disse que o cliente não visitou os acampamentos nos quartéis e que não há na delação premiada de Mauro Cid nenhuma menção à participação de Heleno em planos golpistas. Segundo a defesa, a Procuradoria buscou provas para tentar incluir Augusto Heleno na acusação.
“Um: ele não está em nenhuma reunião a ser tratada diretamente sobre esse assunto, não fala abertamente sobre isso. Dois: não tem uma sequer mensagem de texto dele, áudio, conversa que o seja, abordando esse assunto para qualquer investigado, testemunha que o valha. Três: sequer é mencionado na alegada trama golpista, e até esquecido, com todas as vênias, na sustentação oral”, disse Matheus Mayer Milanez, advogado de Augusto Heleno.
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O advogado de Jair Bolsonaro afirmou que nenhum presidente foi mais investigado na história, que nenhum documento prova a participação do ex-presidente na trama golpista e que não é possível dizer que ele foi o líder de uma organização criminosa. Segundo Celso Sanchez Vilardi, Bolsonaro não tem relação com o plano Punhal Verde e Amarelo para matar autoridades e disse que a defesa não teve acesso a toda a investigação policial.
“Eu não tenho a completude, eu não tenho os telefones. Eu não tenho as mídias. Há uma discussão muito grande a respeito desse plano Punhal Verde e Amarelo. Seria absolutamente imprescindível verificar as demais mensagens que foram passadas naquele dia, as outras mensagens que foram passadas pelo WhatsApp, os outros documentos que estão na mídia. Essa é a reclamação da defesa. O que nós temos e temos tudo que a denúncia citou e temos tudo que o relatório da Polícia Federal citou , mas esse é o recorte da acusação. Com todo o respeito, a defesa tem o direito de fazer o seu próprio recorte”, disse Celso Sanchez Vilardi, advogado de Jair Bolsonaro.
O advogado de Bolsonaro questionou a validade da delação de Mauro Cid; disse que o ex-ajudante de ordens rompeu o acordo e foi chamado a novos depoimentos à Polícia Federal. Celso Vilardi afirmou que o caso deveria ser julgado no plenário do STF e voltou a negar a participação do ex-presidente em uma organização criminosa.
“Eu entendo a gravidade de tudo que aconteceu no 8 de janeiro. Mas não é possível que se queira imputar a responsabilidade ao Presidente da República, o colocando como líder de uma organização criminosa quando ele não participou dessa questão do 8 de janeiro. Pelo contrário, ele a repudiou”, disse o advogado Celso Sanchez Vilardi.
O advogado de Mauro Cid preferiu lembrar o papel de delator do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Cezar Bitencourt disse que o militar contribuiu para as investigações e que, por isso, o STF não deve receber a denúncia contra ele.
“Como assessor que foi do presidente, ele tinha conhecimento dos fatos, tinha conhecimento dos aspectos que se desencadearam e desta forma, o delator Cid desincumbiu, buscou fazer, de cumprir sua missão”, disse Cezar Roberto Bitencourt, advogado de Mauro Cid.
Andrew Fernandes Farias, o advogado do ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, chamou de ilação o trecho da denúncia que trata da reunião do general com os então comandantes das Forças no dia 14 de dezembro de 2022, em que, segundo a acusação, Paulo Nogueira pressionou os militares a aderir ao golpe.
“Como é que ele integrava uma organização criminosa que buscava dar golpe de Estado, abolir violentamente o Estado Democrático de Direito? Como é que ele fazia isso, ministro Dino, dessa organização criminosa se ele assessorava o presidente a não fazer nada, se ele era totalmente contra o golpe de Estado, se ele temia que uma doideira fosse assinada?”, disse Andrew Fernandes Farias, advogado de Paulo Sérgio Nogueira.
O último advogado a falar foi o de Braga Netto, candidato a vice na chapa de Bolsonaro à reeleição. Ele está preso desde 14 de dezembro de 2024. José Luís Oliveira Lima afirmou que o general da reserva tem reputação ilibada e que a PGR não apontou elementos sobre qual seria a atuação específica de Braga Netto na trama golpista.
“Não fez porque não tem absolutamente nada. Eu quero dizer a Vossas Excelências que Braga Netto não teve qualquer participação, qualquer relação com os fatos de 8 de janeiro. O colaborador Cid mente, mente muito. Braga Netto não participou da elaboração de qualquer plano que atentasse contra o Estado Democrático de Direito, que atentasse contra a vida de um Presidente da República, de um vice-presidente da República e do eminente relator. Braga Netto é inocente”, disse José Luís Oliveira Lima, advogado de Walter Braga Netto.
Preliminares
Alexandre de Moraes, ministro do STF
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Depois do almoço, os ministros retomaram o julgamento para avaliar cinco pedidos das defesas.
Alexandre de Moraes abriu a análise das chamadas preliminares com o pedido de afastamento dele e dos ministros Flávio Dino e Cristiano Zanin. O relator ressaltou que o próprio plenário do Supremo já havia rejeitado a posição das defesas, que consideraram os três parciais. Os outros quatro ministros seguiram esse entendimento.
“Os juízes são imparciais e, a menos que se comprove algum comportamento contrário, que não se tem nesse caso, não há por que afastar em nome de uma possível desconfiança de alguém. O ministro, desde o início, comportou-se exatamente no sentido que é dever de todo juiz em qualquer lugar do mundo: atuar com imparcialidade para garantia dos direitos das partes. Assim tem sido feito”, afirmou a ministra Cármen Lúcia, da Primeira Turma do STF.
Antes de seguir o voto sobre as outras preliminares, Alexandre de Moraes rebateu afirmações de que o STF teria aplicado penas muito pesadas a idosos que participaram do 8 de janeiro. Moraes apresentou um levantamento das condenações e disse que, dos quase 500 condenados até agora, só aproximadamente 50 foram de pessoas com mais de 60 anos.
“Se criou uma narrativa, assim como a Terra seria plana, o Supremo Tribunal Federal estaria condenando ‘velhinhas com a Bíblia na mão’, que estariam passeando em um domingo ensolarado pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Congresso Nacional e pelo Palácio de Planalto. Nada mais mentiroso do que isso. Seja porque ninguém lá estava passeando, e as imagens demonstram isso, seja pelas condenações que eu peço para colocar para facilitar”, afirmou o ministro Alexandre de Moraes.
Em seguida, Moraes votou para rejeitar os questionamentos de que o STF não é o tribunal adequado para julgar os casos porque os acusados perderam o foro privilegiado e também para que a denúncia fosse para o plenário, com todos os ministros. Moraes lembrou que, em dezembro de 2023, ou seja, antes mesmo do oferecimento da denúncia, o plenário já tinha decidido que a maioria dos casos criminais passaria a ser julgada pelas turmas do tribunal e que não há elemento que justifique abrir exceções.
“Já foram oferecidas denúncias, recebidas, processadas aqui na Primeira Turma, 168 ações ligadas ao dia 8 de janeiro. Ou seja, o tratamento é igualitário a todos os acusados, a todos os denunciados. Não se justifica nenhum tratamento diferenciado em relação a esse ou aquele acusado, a esse ou aquele denunciado”, disse o ministro Alexandre de Moraes.
Moraes foi seguido por Dino, Cármen Lúcia e Zanin. O ministro Luiz Fux abriu divergência. Argumentou que já tinha votado anteriormente para que denunciados sem foro fossem julgados por instâncias inferiores da Justiça e que, caso a ação fosse aberta no Supremo, que fossem analisadas pelo plenário.
Os ministros também analisaram os pedidos dos advogados de defesa para anular o processo. As defesas alegaram que houve ilegalidade na abertura da investigação e no fatiamento da denúncia em núcleos. Alexandre de Moraes afirmou que os pontos já haviam sido julgados pelo plenário do Supremo, que votou pela legalidade dos procedimentos.
O relator rebateu, ainda, os argumentos de que houve cerceamento de defesa, dificuldade de acesso a documentos e busca ilegal de provas. Moraes foi seguido pelos quatro ministros. Flávio Dino lembrou que, neste momento, o julgamento é somente sobre a aceitação ou não da denúncia e que, progressivamente, as defesas vão ter acesso ao conjunto de elementos probatórios.
“A defesa deve, com plena paridade de armas, ter acesso cada vez maior, progressivamente ao conjunto de elementos. Nesse instante, nós estamos, sim, analisando fragmentos de realidade, que marcam a proposta do Ministério Público. A resposta que o Poder Judiciário dá é: esses fragmentos ou, como disse um ilustre advogado que aqui está, esses melhores momentos possuem justa causa? São acompanhados das condições de aferição da justa causa, sim ou não?”, disse o ministro Flávio Dino.
A quarta preliminar foi um pedido da defesa de Jair Bolsonaro para que fosse assegurado o chamado juízo de garantias – um magistrado que fiscalizasse as investigações contra ele. Moraes votou contra, afirmando que o próprio Supremo já decidiu que o juiz de garantias não deve ser aplicado nos processos conduzidos pelo tribunal. O relator foi seguido pelos demais ministros da Primeira Turma.
Os advogados de defesa também pediram a anulação da delação premiada de Mauro Cid. Moraes negou a preliminar e destacou que o acordo de Cid cumpriu todas as exigências legais e que em nenhum momento houve coação para obrigá-lo a fazer alguma declaração. O relator foi seguido pelos outros quatro ministros.
Ministro Luiz Fux, da Primeira Turma do STF
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Os ministros Luiz Fux e Cristiano Zanin lembraram que a análise sobre a veracidade de uma delação só é feita depois do recebimento da denúncia e que a delação é somente o ponto de partida para a obtenção de provas.
“A delação tem eficácia quando se verifica se procedem aquelas afirmações em relação ao momento final do processo. Mas vejo, com muita reserva, nove delações de um mesmo colaborador, cada hora acrescentando uma novidade. De sorte que, em se tratando desse momento, eu me reservo o direito de avaliar, no momento próprio, a legalidade, a eficácia, dessas delações sucessivas. Mas acompanho no sentido que não é o momento de se decretar a nulidade”, afirmou o ministro Luiz Fux, da Primeira Turma do STF.
“Foi dito que o colaborador teria mentido. Essa é uma possibilidade real. Mas que terá que ser verificada, se houver o recebimento da denúncia, no curso da instrução. O colaborador vai ser ouvido em juízo, vai poder ser questionado pelas defesas, se houver a instauração da ação penal, e aí será o momento oportuno de se aferir a credibilidade ou não daquilo que foi dito. E mais: a eficiência ou não dessa colaboração. Inclusive para o deferimento dos benefícios previstos em lei”, disse o ministro Cristiano Zanin, da Primeira Turma do STF.
Depois do julgamento das preliminares, o julgamento foi suspenso. Na manhã desta quarta-feira (26), os cinco ministros da Primeira Turma vão decidir se aceitam ou não a denúncia da PGR contra os oito acusados. O primeiro a votar será o relator, Alexandre de Moraes.
No início da noite desta terça-feira (25), em uma rede social, Jair Bolsonaro se queixou da mudança no regimento interno do STF que fez com que ações penais originárias tramitassem nas turmas; lembrou também a ampliação da competência do Supremo, duas semanas atrás, para alcançar réus que não exerçam mais função pública; e afirmou que as garantias inerentes ao foro incluiriam o julgamento pelo plenário no caso de crime comum cometido por Presidente da República. O ex-presidente escreveu:
“O momento conveniente dessas alterações mostra que a regra foi criada para mim. E, depois de mim, poderão mudar novamente”.
O STF declarou que não vai comentar e que os questionamentos das defesas dos acusados estão sendo respondidos no julgamento da denúncia.
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