5 sofrimentos psíquicos comuns na infância- e o que fazer para ajudar


BBC Brasil inicia uma série de reportagens sobre os motivos que geralmente fazem uma criança ou um adolescente chegar aos consultórios de psicanalistas e psicólogos. Como saber que uma criança está em sofrimento?
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Muitos de nós nos familiarizamos com as nuances da personagem Riley Andersen no passeio por sua adorável e felizmente imprevisível “torre de controle” emocional retratada nos filmes Divertida Mente e Divertida Mente 2.
Fato é que seria bem mais simples se pudéssemos acessar, dessa mesma forma, os sentimentos e angústias de crianças e adolescentes, já que, muitas vezes, aparecem na forma de sofrimento psíquico ou até mesmo como sintoma de um problema mais complexo.
Porém, mesmo sem a torre de controle de Divertida Mente, muito pode ser feito para auxiliar os pequenos e jovens a lidarem com suas questões de saúde mental.
A BBC Brasil inicia uma série de reportagens sobre os motivos que geralmente fazem uma criança ou um adolescente chegar aos consultórios de psicanalistas e psicólogos – e como os adultos cuidadores participam desse cuidado.
Nesta primeira reportagem, começamos com o universo infantil, que um dia já foi habitado por todos nós, mas que, mesmo assim, parece estrangeiro.
Como saber que uma criança está em sofrimento se ela ainda está aprendendo a comunicar o que sente? E quais são as principais queixas das crianças nos consultórios de psicólogos e psicanalistas?
Causas comuns de sofrimentos na primeira infância
Segundo especialistas consultados pela BBC Brasil, são diversos os motivos que levam adultos a buscar terapia para uma criança, entre eles birras, uso excessivo de telas e desobediência aos pais.
Mas a BBC News Brasil destaca aqui cinco das principais questões manifestadas pelas próprias crianças nos consultórios, segundo psicólogos e psicanalistas consultados:
Medos de animais, insetos e fantasmas, que as deixam angustiadas;
Medo da própria morte ou da morte de pessoas queridas;
Vergonha e timidez excessivas;
Bullying;
Sentimento de exclusão e solidão.
Há também as situações excepcionais e traumáticas, como o adoecimento ou morte de pai, mãe, irmão, avó, avô ou animalzinho; ou, ainda, a mudança de um país ou de uma cidade, que geram desafios para a adaptação no novo lugar.
Separações litigiosas dos pais, abandonos sofridos pela criança, tratamentos médicos de uma doença prolongada ou abusos sexuais ou físicos são outras fontes de traumas que despertam a necessidade de cuidados especiais. Mas não são o foco desta reportagem.
Há vários motivos que levam os adultos a buscarem terapia para uma criança
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1. Medos de animais, insetos e fantasmas
O medo é um velho conhecido de cada um de nós. Na infância, ele pode perturbar atividades corriqueiras como dormir, fazer atividades ao ar livre ou até mesmo tomar banho. É por volta dos três anos que os medos costumam aparecer, explica a psicanalista Adela Stoppel de Gueller, doutora em Psicologia Clínica pela PUC-SP e coordenadora do Departamento de Psicanálise com Crianças do Instituto Sedes Sapientiae.
“Eles aparecem quando a criança já consegue se exprimir através da fala e se diferenciar da mãe, do pai e dos irmãos. Os medos reorganizam o mundo da criança estabelecendo alguns lugares como proibidos, como ‘não quero entrar nessa casa porque tem um cachorro'”, detalha Gueller, que é autora do livro Atendimento psicanalítico de crianças (editora Zagodoni).
Antecipar-se ao medo da criança não ajuda e não adianta dizer que esse medo não é real — segundo especialistas
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Alguns medos se transformam em fobias, tamanha a intensidade. Segundo a psicanalista, quanto mais comum é o objeto da fobia, ou seja, o que causa medo, mais restrita fica a circulação pelo ambiente e mais angustiada está a criança.
“É mais difícil encontrar lobos na cidade do que cachorros”, exemplifica. Mas como a fantasia se sobrepõe à realidade, essa distinção não é tão simples. É por isso que as bruxas, que são um exemplo de objeto da fobia, podem estar em qualquer lugar.
Os medos são preocupantes quanto mais limitadores forem em termos de circulação da criança pelos espaços e quanto mais intensas e descontroladas forem as crises de angústia. Se a criança estiver se sentindo encurralada, é preciso buscar ajuda profissional.
Enquanto isso, os cuidadores podem tomar alguns cuidados importantes. “Às vezes os pais ficam tão preocupados quanto à aparição do objeto fóbico que deixam de ir em certos lugares para que a criança não fique angustiada. Mas isso dá mais consistência ao medo da criança e não a ajuda a encontrar um modo de lidar com a situação”, alerta Gueller.
Antecipar-se ao medo da criança, portanto, não ajuda. Da mesma forma, não adianta dizer que esse medo não é real, afirmar que o cachorro não vai fazer nada ou que a bruxa não existe.
“Essa explicação ‘realista’ não resolve o medo da criança porque desconsidera o aspecto da fantasia inconsciente que se esconde atrás do objeto (o bicho, a bruxa, o trovão)”, esclarece. É essa fantasia inconsciente que pode ser trabalhada no tratamento com um profissional.
A psicanalista explica ainda que o medo é mais escancarado quando a criança tem três, quatro anos. À medida que ela cresce, ela tenta esconder seus medos dos pais ou dos amigos porque fica envergonhada.
Então ela inventa desculpas para não ir aos lugares, ou diz que está sem vontade de sair. A falta de entusiasmo ou a vergonha passam a ser os sintomas que aparecem como evidentes, mas são “reações secundárias que encobrem um medo primário que está escondido, às vezes, para a própria criança”.
2. Medo da própria morte ou da morte de pessoas queridas
Dentre as inúmeras fontes e situações que dão medo a uma criança, a morte talvez seja a que mais desconcerta os pais. Curiosamente, o que a criança mais teme não é a morte, mas, sim, o desamparo, que pode vir com a morte de algum cuidador muito importante para a criança, explica a psicanalista Rosa Maria Marini, doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento pela USP.
Não à toa surgem perguntas frequentes e até mesmo pensamentos obsessivos sobre a morte dos adultos ao seu redor. Despistar ou calar esse medo não dissipa a tentativa de entendimento dos pequenos, pondera Marini, que é organizadora dos livros A vivência da morte e do luto na infância e adolescência e Gênero e sexualidade na infância e adolescência: reflexões psicanalíticas (ambos pela editora Ágalma).
“Diante da morte, a criança precisa de palavras para tecer sua própria versão sobre esse acontecimento. Muitas famílias optam por não conversar sobre o assunto com a criança supondo que seria mais pertinente esquecer do que falar. No entanto, é o silencio que a angustia e a joga ainda mais no desamparo”, descreve.
É melhor que o assunto não vire um tabu, mesmo que as conversas sejam difíceis ou desajeitadas. “Falar, brincar, desenhar e narrar a morte são fundamentais para os pequenos poderem compreender a morte e elaborar o luto”, finaliza Marini.
3. Vergonha e timidez excessivas
A vergonha e a timidez são expressões de inibições na infância e, assim como os medos, têm raízes inconscientes, afirma Adela Stoppel de Gueller.
Na prática, isso significa que a criança não sabe por que sente vergonha de falar, ou porque não quer se aproximar de outras pessoas, preferindo ficar mais escondida.
Questionada pelos adultos, ela pode tentar dar alguma desculpa para se livrar da situação, pois ela mesma desconhece o motivo de se sentir assim.
Essas reações, em uma certa medida, fazem parte do desenvolvimento, segundo a coordenadora do Departamento de Psicanálise com Crianças do Instituto Sedes Sapientiae.
Ela cita como exemplo o fato de crianças passarem a não querer tirar a roupa em um lugar onde outras pessoas possam vê-la, enquanto um bebê não tem essa percepção. Essa consciência aparece por volta dos três anos.
A vergonha e a timidez são expressões de inibições na infância e, assim como os medos, têm raízes inconscientes
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A vergonha e a timidez fazem com que a criança se sinta muito exposta em um ambiente não familiar e busque alguém muito próximo para se sentir protegida, como um irmão. “Às vezes são os irmãos que dão o alerta para os pais de que algo não vai bem com a criança ao dizerem, por exemplo, ‘meu irmão não desgruda de mim, fica se escondendo atrás de mim todo o tempo, no recreio escolar’.”
Um acompanhamento profissional pode ser decisivo, já que essas manifestações, quando excessivas, têm um efeito muito restritivo na vida dos pequenos.
“São sintomas que impedem a criança de desenvolver atividades importantes como apresentar trabalhos na escola (poder contar para os colegas o que ela apreendeu), participar de uma peça de teatro (que poderia ser muito divertido) ou fazer amigos (que é fundamental para ganhar autonomia e criar uma história própria, separada do meio famíliar)”, descreve Gueller.
4. Bullying
O bullying é um modo de exercer poder sobre os outros na base da opressão, da humilhação, da desconsideração da alteridade e da diversidade, define Adela Stoppel de Gueller.
E nem sequer as crianças pequenas têm sido poupadas, afirma Rosa Maria Marini, o que demonstra as dificuldades “que já se manifestam precocemente em relação ao convívio com as diferenças, com a coletividade e com a impossibilidade de estar o tempo todo numa posição de completude e potência”.
Segundo Marini, ao saberem da situação de bullying envolvendo a criança, seja na condição de vítima ou de agressora, os pais nunca devem supor que vão resolver a situação sozinhos e devem imediatamente entrar em contato com a escola.
A partir deste passo, é preciso fazer uma rede de apoio e acompanhamento que inclua a criança, a família, a escola e um psicólogo ou psicanalista, recomenda a doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento pela USP.
“O bullying não pode ser encarado como um problema da criança, mas, sim, a expressão de um mal-estar do momento em que aquela criança vive em relação à família, à escola e aos valores culturais em jogo”, ressalta Marini.
É fundamental que a criança tenha espaços de fala que não sejam repressores ou moralistas, enfatiza Gueller.
“Quanto menos a criança consegue se defender, mais ela sofre. Quanto mais vergonha ela tem de contar para alguém o que está se passando com ela, mais ela sofre. O bullying é uma forma de abuso, e o tipo de tratamento é semelhante ao de outros tipos de abuso (físico ou psíquico)”, explica a autora do livro Atendimento psicanalítico de crianças (editora Zagodoni).
Gueller acrescenta que a dimensão social é decisiva para o bullying, pois dificilmente uma criança o pratica sozinha. “Geralmente é um grupo que age sobre alguém ou sobre outro grupo. Individualmente, as crianças podem não ter consciência do que estão fazendo, de o quanto estão fazendo alguém sofrer.”
Isso porque elas ainda não criaram um sentimento de empatia com a criança que é alvo porque estão mais preocupadas em pertencer ao grupo que exerce o bullying. Criar essa consciência, conversando separadamente com cada criança, é imprescindível.
“Os grupos que exercem bullying estão interessados em se ver como poderosos e dominantes frente a outros mais ‘fracos'”, identifica Gueller. Mas a diferenciação entre quem é forte e quem não é é dada pelos valores sociais, que variam com o tempo.
“Muito trabalho educativo é necessário para que haja uma verdadeira consideração e respeito pelo semelhante. As diferentes formas de discriminação, segregação, exclusão e anulação do outro tendem a retornar na história social. A tarefa da educação para a diferença é interminável e infinita, pois o desejo de poder é muito mais humano do que gostamos de admitir”, conclui Gueller.
5. Sentimento de exclusão e solidão
Muitas vezes, as crianças relatam aos pais ou à escola que estão se sentindo excluídas ou solitárias. Com exceção das situações de segregação ou de bullying, nas quais há um ou mais agentes promovendo a exclusão, os sentimentos de solidão e exclusão podem expressar como anda o mundo interno da criança.
De acordo com o psicólogo e psicanalista Enrique Mandelbaum, a experiência de trabalho dele com escolas e crianças mostrou que estas costumam ser situações “em que a criança se sente muito isolada para lidar com as angústias dela, com suas inseguranças, e não encontra com quem dividir isso, seja porque não encontra espaço com a família, seja porque uma aproximação é difícil, já que se trata de uma situação de fechamento de si”.
São diversas as fontes capazes de gerar esses sentimentos de exclusão e solidão; às vezes, até mesmo desencadeados pelo amor próprio da criança.
“Estar bem consigo mesmo não é fácil, pois todos estamos sujeitos, em todas as idades, a situações de crise no desenvolvimento”, exemplifica Mandelbaum, que é membro do Instituto de Psicanálise da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo e autor de Frações de entendimento íntimo (Benjamin Editorial).
Há também as situações em que as crianças não encontram respostas a algumas perguntas que elas ainda não conseguem formular.
“Mas é preciso tempo para que essa área do ‘não saber’ seja desbravada pela criança”, pondera Mandelbaum, que acrescenta que esse desbravamento pode convocar ajuda profissional, pois é difícil acolher o que não foi desenvolvido ainda.
A paciência com o tempo vale sobretudo para os adultos cuidadores, que devem lidar com a ansiedade que essas situações despertam neles e nas crianças. Se os pais estiverem muito ansiosos, eles podem receber acompanhamento terapêutico também.
Muitas vezes, as crianças relatam aos pais ou à escola que estão se sentindo excluídas ou solitárias
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“É preciso tempo para a criança desenvolver e atravessar as angústias e os medos. Normalmente a gente reage às situações de ansiedade do outro com a nossa própria ansiedade, buscando saídas fáceis. Isso pode deixar as coisas em situação muito pior”, exemplifica.
É o que pode acontecer no caso de uma criança que está inibida. “Se a gente estimulá-la a dar uma festa e a convidar todo mundo, isso pode ir na contramão e piorar a situação, inibindo ainda mais ou criando um falso self [referência a uma defesa psíquica em que a pessoa passa a agir de forma não correspondente com quem ela é]”, alerta o psicanalista.
Segundo Mandelbaum, essas soluções “práticas” têm sido estimuladas pelo contexto do consumo contemporâneo, em que nos é ofertado que há remédio para tudo.
“Mas estamos falando de situações da intimidade. Trata-se de algo frágil mas, ao mesmo tempo, cheio de vida e de vitalidade – uma criança que esteja saudável vai ter vontade de ficar bem e de lidar com seus problemas”, conclui.
Como identificar a causa do sofrimento
Em meio a tantas possibilidades de preocupação, o que é temido pelos adultos não necessariamente é um problema para uma criança. Identificar que algo não vai bem com ela envolve estar sensível às alterações manifestadas no vínculo mantido com seus cuidadores, explica a psicóloga Louise Madeira, especialista em Terapia Familiar e de Casais pela PUC-SP e idealizadora do podcast New Me, em que faz reflexões a partir de quase 40 anos de experiência com a clínica.
“Crianças são seres de repetição de padrões. Elas se sentem seguras em suas rotinas. Os adultos que convivem com uma conseguem elaborar certa previsibilidade de suas atitudes e reações. Onde houver alteração, a criança estará, subjetivamente, chamando seu(s) adulto(s). O primeiro chamado é para um abraço, tanto no sentido metafórico quanto literal. Um abraço que comunique ‘eu, seu adulto, estou aqui, e você pode contar comigo para te proteger e acolher’.”
‘Para conversar com uma criança é preciso parar. Uma pessoa não consegue que uma criança fale dos seus sentimentos se estiver apressada ou impaciente’, diz especialista
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É também neste “abraço” que aparece o segundo chamado, para o diálogo, ressalta Madeira. E ele é bem diferente de um questionário com perguntas objetivas para obter informações. “Para conversar com uma criança é preciso parar. Uma pessoa não consegue que uma criança fale dos seus sentimentos se estiver apressada ou impaciente.”
Não é incomum a criança negar algumas vezes que esteja agindo ou reagindo de forma diferente do habitual, na tentativa de convencer o adulto de que está tudo bem. Se a conversa não soar ameaçadora para ela, e se houver a insistência carinhosa desse adulto que lhe oferecer segurança, ela vai contar o que está acontecendo, afirma Madeira.
O amparo começa em casa
Essa escuta dos adultos cuidadores, como os pais e avós, por exemplo, é o que faz a diferença. A psicanalista Belinda Mandelbaum, professora titular do Departamento de Psicologia Social da USP e coordenadora do Laboratório de Estudos da Família, Relações de Gênero e Sexualidade da mesma universidade, recomenda que os pais abram espaço para escutar os filhos, especialmente na correria da vida contemporânea e sua sobrecarga de tarefas e demandas.
“Que os pais possam olhar para os seus filhos, crianças e adolescentes, naquilo que eles são, com suas demandas e sofrimentos próprios. Isso é bastante difícil, porque em geral os pais acabam, de alguma maneira, vendo os filhos a partir das suas próprias necessidades, limites e desejos”, destaca Belinda, que é autora dos livros Trabalhos com famílias em psicologia social e Desemprego: uma abordagem psicossocial (ambos pela editora Blucher).
Ao conversar com a criança e perceber que ela continua em situação de desconforto, (na forma de raiva, tristeza ou medo excessivos, por exemplo), os adultos podem apresentar a escuta profissional a ela, com palavras de tranquilização e aconchego, enfatiza Louise Madeira, para que os pequenos se sintam seguros de que esse é um caminho para o alívio emocional.
“A criança vai gostar de receber socorro, porque é isso que ela estava pedindo quando mudou o seu jeitinho de viver a sua história”, aponta Madeira.
Recorrer ao cuidado profissional, seja ele solicitado pela criança ou por iniciativa dos pais, não significa que haja falha dos cuidadores. Determinadas situações, especialmente as traumáticas, exigem recursos pessoais que estão além daqueles que podem ser oferecidos pela família, acrescenta Belinda Mandelbaum.
A escuta dos cuidadores, como pais e avós, pode fazer a diferença
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Dentre os recursos, é comum imaginar que o financeiro seja decisivo para uma espécie de garantia de saúde mental. Mas Belinda, que trabalha com famílias e grupos em situação de vulnerabilidade social, pondera que a falta de dinheiro não necessariamente implica em desamparo das crianças. Estar vulnerável abre as portas para uma série de fragilidades, mas o amparo vem da dedicação e do amor envolvidos no cuidado com os pequenos.
O desamparo, portanto, também pode surgir nos berços mais favorecidos, como ocorre em famílias que têm condições econômicas melhores, mas sua sobrecarga de trabalho e seu estresse fazem com que todos os cuidados com as crianças sejam delegados a terceiros.
“Quando a gente fala de sofrimento psíquico, cada caso é um caso, e cada um precisa ser pensado tanto nas dimensões pessoais e relacionais quanto nas sociais e culturais. Cada família é uma, para não generalizarmos e não cair em estereótipos”, ressalva Belinda.
Como tratar quem ainda está aprendendo a sentir?
Vale lembrar que recorrer ao cuidado profissional, seja ele solicitado pela criança ou por iniciativa dos pais, não significa que haja falha dos cuidadores
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Não estranhe se seu filho disser que passou a consulta inteira brincando: o principal aliado do tratamento clínico delas são os desenhos, jogos, bonecos e outros recursos criativos. O método vale para a psicanálise, a psicologia, a psicopedagogia, a fonoaudiologia e a terapia ocupacional.
“Entendemos que o brincar são modos privilegiados da criança se comunicar, exprimir os afetos e tornar pensáveis as questões que só comparecem como atos ou sentimentos”, esclarece Adela Stoppel de Gueller.
Segundo o psicanalista Alexandre Patrício de Almeida, doutor em Psicologia Clínica pela PUC-SP e autor de dois volumes de Por uma ética do cuidado (editora Blucher), o brincar da criança permite que o analista trabalhe com as questões inconscientes, que são “os conflitos que as crianças não conseguem colocar em palavras, que tiram o sono, que geram angústia, ansiedade e estão ligados aos processos de aprendizagem”.
A psicanalista Rosa Maria Marini enfatiza a capacidade das brincadeiras de darem um sentido e auxiliar as crianças a interpretar o mundo externo.
“Por exemplo, a criança pequena é levada para tomar vacina. O que ela faz quando chega em casa? Ela enfileira todos seus bonecos, ou ursinhos, e vai aplicar o imunizante. Então, brincar é o modo de ela viver ativamente as experiências que, enquanto criança, vive passivamente”, sublinha Marini.
“O brincar, com um bom escutador do lado, é transformador e encontra saídas inesperadas e surpreendentes, que precisam se construídas caso a caso”, finaliza Gueller.
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