A estrada construída para a COP30 em Belém que vai desmatar a Amazônia


Para ativistas, a estrutura construída para receber a cúpula do clima em Belém vai contra os princípios da própria conferência Governo estadual promove a rodovia como “sustentável”, mas moradores e ambientalistas criticam impacto ambiental
BBC / Paulo Koba
Uma nova rodovia de quatro faixas que corta dezenas de milhares de hectares de floresta amazônica protegida está sendo construída para a COP30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), que acontece em Belém do Pará.
O objetivo é facilitar o tráfego para a capital paraense, que vai receber mais de 50 mil pessoas — incluindo líderes mundiais — na conferência em novembro.
O governo estadual promove a rodovia como “sustentável”, mas moradores e ambientalistas criticam impacto ambiental.
A Amazônia desempenha um papel vital na absorção de carbono para o planeta e na preservação da biodiversidade, e críticos dizem que esse desmatamento contradiz o próprio propósito de uma conferência climática.
Ao longo da estrada parcialmente construída, a densa floresta tropical se ergue dos dois lados — um lembrete do que já esteve ali.
Toras de madeira estão empilhadas nas áreas desmatadas, que se estendem por mais de 13 km floresta adentro até Belém.
Escavadeiras e máquinas abrem caminho pelo chão da floresta, aterrando áreas úmidas para pavimentar a estrada que cortará uma área protegida.
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Claudio Verequete mora a cerca de 200 metros de onde a estrada vai passar. Ele costumava ganhar a vida colhendo açaí de árvores que antes ocupavam o local.
“Tudo foi destruído”, diz ele, apontando para a clareira.
“Nossa colheita já foi derrubada. Não temos mais essa renda para sustentar a família.”
Ele afirma que não recebeu nenhuma compensação do governo estadual e que atualmente está vivendo com suas economias. Também teme que a construção da estrada leve a mais desmatamento no futuro, agora que a área se tornou mais acessível para empresas.
“Nosso medo é que um dia alguém chegue aqui e diga: ‘Toma esse dinheiro. Precisamos dessa área para construir um posto de gasolina ou um galpão.’ E então vamos ter que sair daqui”, diz.
“A gente nasceu e cresceu aqui na comunidade. Para onde vamos?”
Claudio Verequete diz que as árvores das quais ele colhia açaí foram cortadas
BBC / Paulo Koba
Sua comunidade não terá acesso à estrada, devido aos muros que a cercam em ambos os lados.
“Para nós, que moramos ao lado da rodovia, não haverá benefícios. Os benefícios vão ser para os caminhões que vão passar por ela. Se alguém ficar doente e precisar ir até o centro de Belém, não vai conseguir usar a estrada.”
A via deixa duas áreas de floresta protegida desconectadas. Cientistas estão preocupados com o risco de fragmentação do ecossistema e de interrupção no deslocamento da fauna.
A professora Silvia Sardinha é veterinária especializada em vida selvagem e pesquisadora em um hospital universitário de animais que fica de frente para o local onde a nova estrada está sendo construída.
As preguiças estão entre os animais que frequentemente necessitam de tratamento após ferimentos causados ​​por humanos
BBC / Paulo Koba
Ela e sua equipe reabilitam animais silvestres feridos, principalmente por causas humanas ou atropelamentos.
Depois de recuperados, eles são devolvidos à natureza – algo que, segundo ela, será mais difícil com uma rodovia logo ao lado.
“Desde o momento do desmatamento, há uma perda. Vamos perder uma área para soltar esses animais de volta à natureza, o ambiente natural dessas espécies”, afirmou.
“Animais terrestres não poderão mais atravessar para o outro lado também, reduzindo as áreas onde podem viver e se reproduzir.”
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmam que esta será uma cúpula histórica por ser “uma COP na Amazônia, não uma COP sobre a Amazônia”.
Lula diz que o encontro será uma oportunidade para focar nas necessidades da região, mostrar a floresta ao mundo e apresentar o que o governo federal tem feito para protegê-la.
Mas a professora Sardinha diz que, embora essas conversas aconteçam “em um nível muito alto, entre empresários e autoridades governamentais”, quem vive na Amazônia “não está sendo ouvido”.
Secretário regional de infraestrutura, Adler Silveira, diz que rodovia vai ajudar a “modernizar” Belém
BBC / Paulo Koba
‘Legado para a população’
O governo do Estado do Pará já havia proposto a ideia da rodovia, chamada de Avenida Liberdade, ainda em 2012, mas ela foi repetidamente engavetada devido a preocupações ambientais.
Agora, uma série de projetos de infraestrutura foram retomados ou aprovados para preparar a cidade para a cúpula da COP.
Adler Silveira, secretário de infraestrutura do governo estadual, listou essa rodovia como um dos 30 projetos em andamento na cidade para “prepará-la” e “modernizá-la”, de forma a “deixar um legado para a população e, mais importante, atender bem às pessoas durante a COP30”.
Em entrevista à BBC, ele disse que se trata de uma “rodovia sustentável” e de uma “intervenção importante de mobilidade”.
Ele acrescentou que a via terá passagens para a travessia de animais, ciclovias e iluminação solar. Novos hotéis também estão sendo construídos, e o porto está sendo reformado para que cruzeiros possam atracar e acomodar o excesso de visitantes.
O governo federal está investindo mais de R$ 470 milhões para ampliar a capacidade do aeroporto, de “sete para 14 milhões de passageiros”.
Um novo parque urbano de 500 mil m², o Parque da Cidade, está em construção. Ele incluirá áreas verdes, restaurantes, um complexo esportivo e outras instalações para uso do público depois do evento.
Alguns comerciantes do Ver-o-Peso, mercado ao ar livre no centro de Belém, concordam que esse desenvolvimento trará oportunidades para a cidade.
“A cidade como um todo está sendo melhorada, está sendo recuperada e muita gente está vindo de fora. Isso significa que posso vender mais e ganhar mais”, diz Dalci Cardoso da Silva, que tem uma barraca de sapatos de couro.
Ele diz que isso é necessário porque, quando era jovem, Belém era “bonita, bem cuidada, bem tratada”, mas desde então foi “abandonada” e “negligenciada”, com “pouco interesse por parte da classe dominante”.
João Alexandre Trindade da Silva, que vende remédios naturais amazônicos no mercado, reconhece que toda obra traz transtornos, mas acredita que o impacto futuro valerá a pena.
“Esperamos que as discussões não fiquem só no papel e virem ações reais. Que as medidas, as decisões tomadas, realmente sejam colocadas em prática para que o planeta possa respirar um pouco melhor, para que a população no futuro tenha um ar um pouco mais limpo.”
Essa também será a esperança dos líderes mundiais que escolherem participar da cúpula COP30.
Mas cresce o escrutínio sobre até que ponto o deslocamento de milhares de pessoas de todo o mundo e a infraestrutura necessária para recebê-las pode acabar enfraquecendo a própria causa da conferência.
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