Todo mundo precisa de um lugar para chamar de seu


Livro de socióloga sobre um café que servia de ponto de encontro de idosos mostra a importância de cultivar laços sociais. Desde a faculdade, a socióloga norte-americana Stacy Torres, professora da Universidade da Califórnia em San Francisco, sempre gostou de frequentar cafés, onde costumava passar horas. No entanto, na época de estudante, não imaginava que aquele tipo de lugar seria o ideal para desenvolver sua tese. Com formação em literatura e PhD em sociologia – além de ser uma expert em cafeterias, como costuma se descrever – Torres acompanhou, durante cinco anos, idosos que frequentavam um desses locais em Nova York. No período, testemunhou a gentrificação da vizinhança e, principalmente, os desafios diários dessas pessoas.
A professora Stacy Torres é autora de estudo sobre as conexões sociais de idosos
Divulgação
O resultado desse trabalho é o livro “At home in the city” (“Em casa na cidade”), onde mostra como um café de preços acessíveis, na zona oeste de Manhattan, se tornou uma espécie de sala de estar de idosos da região. O grupo “batia ponto” no local e o simples fato de conviver com outras pessoas naquele ambiente era suficiente para criar um sentimento de comunidade.
“Eram apenas oito mesas e todos costumavam passar bastante tempo lá. Também era comum que entrassem nas conversas alheias. O interessante é que, na maioria dos casos, nem sequer sabiam o sobrenome uns dos outros, mas se comportavam como velhos camaradas. Demorei para entender o tipo de relacionamento existente: não era exatamente amizade, mas um vínculo de quem buscava uma conexão com outros indivíduos”, afirmou em palestra on-line.
A pesquisa de Torres enfatiza a importância de se cultivar laços sociais, que alimentam uma visão de pertencimento. Como constatou, eram relações que chamou de “elásticas”: “não havia intensidade emocional e eles não faziam outras atividades juntos, mas a convivência bastava para nutrir o sentimento de integrar um grupo”.
Apesar da relutância em se definirem como amigos, os frequentadores costumavam se referir ao lugar como um clube local. “Havia um senso de reconhecimento mútuo”, descreveu a professora. Tanto que, quando circulou a notícia de que o café seria fechado, o grupo se mobilizou com abaixo-assinados e entrevistas para preservar o estabelecimento.
Torres diz que o etarismo estava fortemente internalizado. Os idosos menos frágeis se preocupavam com o estigma da velhice e, com frequência, teciam comentários negativos sobre os que não eram tão ativos. No livro, a socióloga não identificou o local nem os entrevistados, mas contou que um deles, bem dinâmico e que morreu aos 93 anos, costumava dizer: “eu detesto gente velha”.
“A maioria não queria estar numa comunidade segregada, apenas de velhos, e descartava a ideia de frequentar centros comunitários. Sentiam-se protegidos por essa rede informal que haviam criado. Além disso, aquele espaço era intergeracional. Havia mães com filhos e estudantes entre os fregueses, o que possibilitava uma interação natural desses clientes com os idosos”, analisou Torres.
Por ser próximo de suas casas e ter preços acessíveis, o café ajudava a estruturar sua rotina. Entretanto, a região foi se valorizando e o dono não conseguiu arcar com o aluguel. “Quando o lugar fechou, houve um forte sentimento de luto. O grupo não conseguiu encontrar nada que tivesse a atmosfera acolhedora do estabelecimento, mas se transferiu para uma deli próxima. O que todos mais queriam era ter um espaço onde pudessem se encontrar de forma espontânea”.
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