Capitão da PM é suspeito de ser responsável por captar clientes para esquema de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Governador classificou situação como ‘caso isolado’ e negou envolvimento da Polícia Militar. Capitão Diogo Cangera faz segurança para governador Tarcísio de Freitas; PM foi preso em SP durante operação da PF,
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O capitão da Polícia Militar de São Paulo preso em uma operação da Polícia Federal na terça-feira (26) contra uma organização criminosa que operava um complexo sistema bancário ilegal de lavagem de dinheiro atuou como segurança de cinco governadores nos últimos 12 anos.
Segundo a investigação, o capitão Diogo Cangera é suspeito de ser responsável por captar clientes para a lavagem de dinheiro e evasão de divisas, além de oferecer estrutura para o esquema que operou em 15 países.
O PM atuou como oficial da Casa Militar desde 2012. Em setembro de 2024, ele foi transferido para o 13º Batalhão, no Centro. No período em que fez parte da equipe de escolta de governadores, vice-governadores e familiares, Cangerana trabalhou nos mandatos de Geraldo Alckmin (PSB), Márcio França (PSB), João Doria (sem partido), Rodrigo Garcia (sem partido) e Tarcísio de Feitas (Republicanos).
Com o atual governador, ele fez viagens interestaduais e internacionais. Entre elas, uma até Lisboa, em junho, quando Tarcísio fez uma rodada de reuniões com executivos em busca de investidores europeus para o processo de ofertas de ações e privatização da Sabesp, a companhia de abastecimento de água e esgoto de São Paulo.
PF faz operação contra lavagem de dinheiro
Em julho, o capitão Diogo Cangerana também acompanhou o governador na Conferência Política de Ação Conservadora (CPAC) Brasil, em Balneário Camboriú (SC), quando Tarcísio se encontrou com o presidente argentino, Javier Milei, e com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Durante a campanha de reeleição do prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), Cangerana também aparece em vídeos divulgados nas redes sociais do governador fazendo a escolta de Tarcísio.
O Palácio dos Bandeirantes informou que o efetivo atual da Casa Militar é formado por 347 PMs e que as viagens ocorreram porque o capitão estava na escala para a data determinada, não foi escolhido pela equipe do governador.
O Palácio nega proximidade de Cangerana com Tarcísio, apesar de o capitão vir de uma família tradicional de policiais militares no estado. Segundo o governador, o policial foi mandado embora Casa Militar em setembro deste ano. Os motivos não foram revelados.
Em uma agenda nesta quarta-feira (27) em Mogi Guaçu, no interior paulista, o governador disse que poderia ter tomado a medida antes, se tivesse recebido informações sobre as investigações da Polícia Federal, e classificou a prisão como um caso “isolado”.
“Não tem envolvimento da Polícia Militar. A primeira coisa que a gente tem que deixar claro: a Polícia Militar é uma instituição séria, que tem 200 anos, tem uma formação maravilhosa, que presta um relevante serviço para o estado de São Paulo, é uma polícia muito profissional. O que você tem são atos isolados de pessoas que desviam de conduta, como tem em qualquer outra organização. E esses que desviam a conduta serão severamente punidos, pode ter certeza. Vão ter a pior punição possível, para servir de exemplo”, afirmou Tarcísio.
“Não podemos falar da polícia dessa maneira. A polícia é boa, séria, profissional, presta um relevante serviço por mim, por você, pela nossa sociedade e, obviamente, em toda instituição nós temos maçãs podres, e essas maçãs podres nós vamos tirar do cesto, vamos punir severamente”, completou o governador de São Paulo.
A GloboNews não conseguiu contato com a defesa do PM preso até a última atualização desta reportagem.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que o policial citado “foi integrado à Casa Militar em abril de 2012 e permaneceu na unidade até setembro deste ano, quando foi transferido para o 13º BPM/M. Neste período, a Casa Militar não foi notificada sobre nenhuma investigação ou apuração em desfavor do policial. A Corregedoria da Polícia Militar, que também apura os fatos, acompanha os desdobramentos da operação deflagrada nesta terça-feira e está à disposição da Polícia Federal para colaborar com as investigações”.
Policial civil também preso
Além da prisão do capitão da Polícia Militar Diogo Cangerana, um policial civil de São Paulo, que era dono de banco, também foi preso durante a operação. Cyllas Elia, dono do 2 Go Bank, foi detido na capital paulista.
Ainda segundo a SSP, o policial civil está afastado de suas funções desde dezembro de 2022. “A Corregedoria da Polícia Civil, que também apura os fatos, acompanha os desdobramentos da operação deflagrada nesta terça-feira e está à disposição da Polícia Federal para colaborar com as investigações.”
Operação
A ação foi realizada em São Paulo e outros cinco estados, além do Distrito Federal. Segundo a PF, o grupo, chefiado em parte por chineses, é suspeito de praticar nos últimos cinco anos crimes financeiros no valor de R$ 6 bilhões.
Entre os integrantes estão brasileiros e estrangeiros de diversas funções, como policial militar e civil, gerentes de bancos e contadores.
A investigação começou em 2022 e revelou o esquema, que realizou operações de crédito e débito que chegaram a R$ 120 bilhões. Em 2024, o chefe do grupo movimentou, sozinho, R$ 800 milhões. Ele buscava a abertura de empresas e contas bancárias com capacidade de movimentar R$ 2 bilhões por dia.
No total, foram cumpridos 16 mandados de prisão preventiva e 41 de busca e apreensão em endereços residenciais e comerciais nos estados de São Paulo, Distrito Federal, Espírito Santo, Paraná, Ceará, Santa Catarina e Bahia (veja abaixo detalhes das cidades).
A Justiça também determinou o bloqueio de R$ 10 bilhões de 214 empresas. Pelo menos 200 policiais federais atuam na operação.
A Polícia Federal informou que o dinheiro circulava dentro do Brasil e era enviado, principalmente, para China e Hong Kong, além de Estados Unidos, Canadá, Panamá, Argentina, Bolívia, Colômbia, Paraguai, Peru, Holanda, Inglaterra, Itália, Turquia e Emirados Árabes.
O objetivo era atender um fluxo de dinheiro para o território chinês, mas atendia qualquer pessoa que quisesse ocultar capitais, lavar dinheiro ou enviar e receber valores do exterior. Segundo a corporação, há ainda indícios de envolvimento de quadrilhas especializadas em tráfico de drogas, armas e contrabando.
Como funcionava?
Ainda de acordo com a Polícia Federal, a organização criminosa usava meios clássicos de lavagem de dinheiro:
Boletagem;
Empresas de fachada;
Laranjas;
Falsificação de documentos de importação e exportação;
Pulverização de operações bancárias;
Operações de câmbio fraudulentas;
Dólar-cabo.
Mas também recorreu a “modernos métodos”, como o uso de fintechs e transferência de dinheiro para criptoativos.
“Esses novos modelos e instrumentos de lavagem e evasão permitiram à organização saltar de milhões de reais para valores na casa de bilhões de reais”, diz a nota da Polícia Federal. A Receita Federal também apoiou a operação em alguns endereços para fazer análise fiscal.
O nome da operação, “Tai-Pan”, significa “chefe supremo”, e é uma referência a uma obra literária, ambientada no século XIX, sobre um empresário responsável pelo transporte e comercialização de mercadorias chinesas para o mundo.
Os investigados vão responder pelos crimes de organização criminosa, ocultação de capitais e evasão de divisas, com penas que podem chegar a 35 anos de prisão.
Mandados de prisão e busca e apreensão
Polícia Federal faz operação contra crimes financeiros de R$ 6 bilhões
Divulgação/Polícia Federal