Luiz Felipe Figueiredo morreu três dias após a vaga ser solicitada, mas sem conseguir o leito. Secretaria Municipal de Saúde diz que ele estava com meningite. Técnico de informática, Luiz Felipe, que morreu à espera de vaga de UTI, em Goiânia
Reprodução/Arquivo pessoal Lavínia Celice
“Alegre e inteligente” foram as palavras usadas por Lavínia Celice, companheira do técnico de informática Luiz Felipe Figueredo da Silva, de 30 anos, para descrevê-lo. Ele morreu enquanto aguardava uma vaga em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em Goiânia.
“Ele era muito alegre e muito inteligente. Uma das pessoas mais inteligentes que eu conhecia. Sempre falei para todo mundo o quão incrível ele era na área dele”, contou Lavínia.
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Natural da Bahia, Luiz Felipe cresceu em Pernambuco e morava em Goiânia desde 2017. Ele morreu no sábado (23), três dias depois que a vaga foi solicitada, mas sem conseguir o leito.
Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) disse que a causa da morte vai ser investigada pelo Serviço de Verificação de Óbitos (SVO) do município, mas informou que, conforme prontuário médico, Luiz apresentava quadro de meningite. A prefeitura não se pronunciou sobre o tempo de espera pela vaga na UTI até a última atualização deste texto.
A Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) disse que localizou pedido de solicitação de vaga feito em nome do paciente Luiz Felipe, mas que não localizou vaga disponível vaga antes que o paciente morresse (leia a nota completa no final da reportagem).
Quem era Luiz Felipe?
Luiz Felipe, que morreu à espera de uma vaga de UTI, em Goiânia
Arquivo pessoal/Lavínia Celice
A companheira e os amigos de Luiz Felipe o definem como uma pessoa tímida, mas que “alegrava o ambiente que ele estivesse”. Lavínia contou que, além de ser técnico em informática, ele pretendia fazer uma faculdade em 2025.
Luiz Felipe também era conhecido por sua paixão por jogos (de videogame e computador), filmes, séries e animes. O bancário Yuri Raphael de Azevêdo, de 30 anos, era melhor amigo do técnico de informática há 17 anos e deu detalhes sobre os interesses de Luiz:
“Apesar de ser tímido, era só questão de tempo pra ele se soltar e começar falar sobre absolutamente qualquer tema. Nunca vi Felipe não comentar algo sobre qualquer coisa por falta de conhecimento. Era só soltar algum assunto, que ele tinha algo pra falar daquilo. E se tratando de anime, jogo, filme ou série, aí o homem deitava e rolava sobre o assunto. Era o que fazia o olho dele brilhar, revelou Yuri.
Lavínia, companheira de Yuri, estava com ele há cinco anos e eles moravam juntos há três. Ela e contou que o conhecia desde que tinha 10 anos de idade, ocasião em que se mudou para a mesma rua em que ele morava. Ela lembrou que, durante a adolescência, eles foram para caminhos diferentes, mas que depois começaram a namorar.
“Ele sempre falava que, no dia que me mudei para lá [rua em que eles moravam], ele se apaixonou por mim. Me amava desde a primeira vez que ele me viu, mas não tinha coragem de me falar”, revelou.
Ela ainda contou que a relação dos dois era muito boa e que Luiz Felipe sempre gostava de conversar para resolver os problemas que surgiam.
“Eu e ele éramos o oposto, mas era perfeito. Sabe quando dizem que os opostos se atraem?”, desabafou Lavínia.
Saudades
Luiz Felipe e Lavínia Celice, em Goiânia
Arquivo pessoal/Lavínia Celice
A perda de Luiz Felipe abalou os familiares e amigos dele. A companheira do técnico de informática contou que, no início, foi difícil acreditar no que aconteceu e que sentia que a qualquer momento “ele poderia entrar pela porta” de casa.
“Na primeira noite mesmo eu dormi com a porta do quarto aberta. Eu não gosto de dormir com a porta do quarto aberta, mas deixei aberta porque era como se ele fosse entrar a qualquer momento, me chamando”, disse Lavínia.
Luiz Felipe e Lavínia Celice, em Goiânia
Arquivo pessoal/Lavínia Celice
O bancário Yuri Raphael de Azevêdo lamentou a morte do amigo afirmou que vai sentir falta de Luiz até o último dia dele: “Felipe não era apenas um amigo, era meu irmão. Saber que ele partiu dessa forma é muito doloroso”.
Nas redes sociais, amigos também se manifestaram e falaram sobre a falta que Luiz Felipe está fazendo: “Tinha tanto pra viver! Agora você se foi meu amigo! Perdi meu companheiro da nossa banda de forró imaginaria!”, escreveu uma jovem.
Crises convulsivas e espera por UTI
A esposa de Luiz, Lavínia Celice, contou tudo começou na última segunda-feira (18), quando o marido teve crises convulsivas e precisou ser levado à Unidade de Pronto Atendimento (UPA), do Jardim Novo Mundo. Ela detalhou que ele foi medicado e logo encaminhado ao Hospital Estadual de Urgências Governador Otávio Lage de Siqueira (Hugol) para fazer exames de imagem.
No Hugol, Luiz realizou uma tomografia e, após os profissionais da saúde alterarem a dosagem dos medicamentos dele, ele retornou para a UPA, onde esperava por uma vaga de internação. De volta na UPA, o técnico em informática seguiu consciente e estável, mas horas depois voltou a ter convulsões.
“Ele teve, em 30 minutos umas 12 convulsões, aí eles deram bastante medicamentos e ele acabou dormindo por um tempo”, relembrou.
Segundo Lavínia, na noite de terça-feira (19), o médico plantonista avaliou Luiz e disse que, caso as crises convulsivas não fossem controladas, ele seria entubado e sedado, para evitar eventuais danos neurológicos. Minutos depois, segundo ela, o marido reclamou de dores de cabeça, voltou a ter convulsões e foi entubado. Na quarta-feira (20), uma vaga de UTI foi solicitada.
Lavínia detalhou que, enquanto Luiz esperava pela vaga na UTI, ele teve uma infecção e foi medicado com antibióticos para tratá-la.
“Acabou que ele pegou uma infecção, estavam tratando com antibiótico. Não sabia onde estava, só que estava com uma infecção, isso na quinta-feira (21). Quando foi na sexta-feira (22) de manhã, o médico que estava de plantão falou que a infecção está diminuindo, ‘então vamos continuar o tratamento com antibiótico’. Ainda sexta, eu precisei ir para casa e paguei uma cuidadora para ficar com ele lá. Pouco depois, ela mandou mensagem: “olha, o médico passou aqui e disse que as funções hepática e renal dele estão comprometidas”, relatou a mulher.
A esposa de Luiz chegou buscar a Defensoria Pública de Goiás (DPE-GO) devido à falta de resposta sobre a vaga de UTI. No entanto, após enviar os documentos solicitados, foi informada por mensagem que o juiz plantonista não considerou o caso de Luiz “urgente o suficiente para ser decidido no plantão e enviou o processo para outro juiz, não plantonista.” Segundo Lavínia, no sábado (23) pela manhã, Luiz sofreu uma parada cardiorrespiratória e não resistiu.
Ao g1, a Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO) informa que ingressou com ação judicial requerendo o leito para Luiz Felipe Figueredo da Silva no dia 22 de novembro, às 10h20, mas que não houve decisão.
Falta de vagas em UTIs
Severino Santos, Katiane Silva e Janaína de Jesus morreram em Goiânia
Reprodução/TV Anhanguera e Reprodução/Redes sociais
Severino Santos, Katiane Silva e Janaína de Jesus morreram na última semana enquanto aguardavam vagas para Unidade de Terapia Intensiva (UTI) em Goiânia. As famílias relataram que lutaram na Justiça para conseguir atendimento adequado, mas o serviço de saúde pública não forneceu a tempo.
“A gente se sente abandonado. A gente lutou tanto. Todo dia a gente estava lá visitando ele, levando as coisas que precisava, que eles pediam. E para nada. A gente tentou, a gente não parou. E, no fim, aconteceu isso”, desabafou a prima de Severino Santos, Lúcia Cleide Leão.
No caso de Severino Santos, a Justiça determinou, um dia antes de sua morte, que o serviço público estadual ou municipal o transferisse para um leito de UTI em até quatro horas. Caso não houvesse vaga disponível na rede pública, a decisão judicial estabelecia que o paciente fosse transferido para um hospital privado, com os custos cobertos pelo SUS. A Justiça fixou uma multa de R$ 5 mil por hora de descumprimento, limitada a R$ 50 mil. No entanto, a decisão não foi cumprida.
Nota de posicionamento da SES-GO na íntegra:
“A Secretaria de Estado da Saúde de Goiás (SES-GO) informa que, após verificação detalhada no sistema de regulação, localizou pedido de solicitação de vaga feito em nome do paciente Luiz Felipe Figueredo da Silva. A pasta realizou a busca nas unidades com perfil para atendimento do caso na rede estadual, mas, infelizmente, não localizou vaga antes que o paciente fosse a óbito.
Nesta segunda-feira, a SES-GO, a equipe de transição do Prefeito eleito de Goiânia, Sandro Mabel, e a SMS da capital se reuniram para deliberar medidas que serão adotadas para evitar a continuidade de situações como a mencionada. O Estado estabeleceu um plano de fortalecimento, que garante o repasse mensal de R$ 2 milhões da SES-GO, a partir de janeiro, para o Fundo Municipal de Saúde de Goiânia, por 12 meses, garantindo a abertura de mais 20 leitos de UTI no Hospital Ruy Azeredo, totalizando o cofinanciamento de 47 leitos SUS conveniados em funcionamento na unidade privada. A expectativa é de que novos leitos também sejam abertos na Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, garantindo a assistência adequada aos moradores da capital.”
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