Núcleo de Dados da Rede Paraíba reuniu dados que revelam a trajetória da população negra na educação. Uliana Silva
Reprodução/TV Cabo Branco
No dicionário, a palavra “consciência” significa compreensão, clareza sobre determinado tema – especialmente aqueles que envolvem questões sociais e políticas. O Dia da Consciência Negra representa essa oportunidade: um resgate do conhecimento das raízes e tradições da população preta e parda no brasil, bem como o reconhecimento da violência histórica causada pelo racismo. Por séculos, um dos principais obstáculos enfrentados por essa população foi a exclusão do acesso ao estudo. O resultado dessa herança negativa ainda é visível. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2022, a Paraíba registrou que, entre os 290 mil analfabetos no estado, 57% eram pessoas negras.
Com menos anos de estudo que a população branca, a taxa de escolarização entre pessoas pretas e pardas também continua menor. Esses números reforçam a necessidade de políticas de inclusão e igualdade de oportunidades.
Mas iniciativas como a política de cotas vêm mudando essa realidade. As cotas permitem o acesso de estudantes pretos e pardos ao ensino superior, ampliando as oportunidades de desenvolvimento educacional e social.
Vinda de escola pública, no interior da Paraíba, Uliana Gomes hoje é doutoranda na Universidade Federal da Paraíba (UFPB) graças ao sistema de cotas. Para ela, a entrada na universidade foi uma conquista que parecia distante – o estudo não era tão incentivado dentro da casa onde ela cresceu em um sítio na cidade de Pilar. Ela relembra como era a escola.
“Ela tinha cinco cadeiras para mais de 30 alunos e a professora tinha que dar aula para três turmas diferentes. A gente chegava cedo, ficava na fila para disputar essas cinco cadeiras, quem não pegava essas cinco cadeiras sentava nos sacos de alimentação da merenda e levava uma lata de casa. Essa era uma realidade. Essa é a realidade da escola que eu vim. Aí eu penso assim sobre a realidade das pessoas que eu disputei o vestibular. É uma realidade igual? Não é. É uma disputa para entrar na universidade. Como que a gente faz essa disputa se ela não acontece em pé de igualdade? É uma consequência do processo de estruturação da nossa sociedade”, reflete Uliana Gomes.
E em meio a tantas dificuldades, só as cotas não eram suficientes para uliana estudar. Como mudar de cidade sem condições para se manter?
“Então você vê que tem uma disparidade de possibilidades entre essas pessoas. Uns conseguem estudar e dar conta de todo aquele arsenal de conteúdos que precisa estudar para acessar o ensino superior e outros que não conseguem e eu venho dessa realidade os que não conseguia. Eu consigo vir pra João Pessoa porque eu tenho uma possibilidade de acessar a residência universitária, de acessar o restaurante universitário, de ter acesso a projetos de extensões, porque a universidade é pública, mas ela não é gratuita e ela custa muito caro”, desabafa a estudante de doutorado Uliana Gomes.
O caminho entre os livros que Uliana percorreu reflete o impacto transformador das políticas de inclusão, que não só abrem portas, mas também ajudam a manter essas portas abertas para jovens como ela.
“A gente precisa pensar políticas públicas que dê condição para que essas pessoas continuem trilhando os caminhos do seu desejo e seu sonho. Se seu sonho é estudar e cada vez mais construir conhecimento, colaborar com esse conhecimento que sustenta a sociedade, então você precisa de possibilidades que lhe dê condições de chegar onde você deseja chegar. É através desse estudo que eu me mantenho viva”, diz Uliana.
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Divulgação/UFPB
Dados ilustram acesso à universidade pública
Mesmo com o aperfeiçoamento nas cotas, na Universidade Federal da Paraíba, por exemplo, o total de matrículas de estudantes pretos, pardos e indígenas caiu de 2.486 em 2021 para 2.070 em 2022, uma redução de 16,7%.
Entre os estudantes pretos, a redução foi ainda maior, passando de 328 em 2020 para apenas 17 em 2022, o que representa uma queda de 94% ao longo desse período.
Na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), também houve uma redução de matrículas. Entre 2021 e 2022, o total de alunos pretos, pardos e indígenas caiu 6,9%, passando de 1.301 para 1.211. Especificamente, o número de estudantes pretos reduziu de 222 em 2020 para 152 em 2022, uma queda de 6,9% em um ano.
O Instituto Federal da Paraíba (IFPB) apresentou uma redução de 31% nas matrículas de estudantes pretos, pardos e indígenas entre 2021 e 2022, passando de 857 para 591. Os números de estudantes pretos caíram de 182 para 120, uma queda de 34% no mesmo período.
Matrículas de estudantes pretos, pardos e indígenas
Heteroidentificação e fiscalização
As cotas essenciais para corrigir desigualdades históricas ainda dependem de fiscalização rigorosa para evitar fraudes, já que a utilização indevida por pessoas que não se enquadram no perfil proposto pelo programa prejudica o acesso daqueles que realmente precisam do benefício. Na comissão de heteroidentificação da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), Terlúcia trabalha para que as cotas beneficiem quem realmente tem direito.
Terlúcia Silva
Reprodução/TV Cabo Branco
“Ser pessoa negra no Brasil é considerar uma trajetória lógico, sua ascendência, isso é muito importante, a cor da pele, os traços que você apresenta, uma pele retinta, se for uma pele mais clara, mas ela vai ter um conjunto com o cabelo crespo, cacheado, ela vai ter também o dado que a gente sempre fala, né, do nariz, da boca, então é um conjunto de traços que faz com que a banca faça a leitura de que essa pessoa é uma pessoa negra, seja ela preta, que é pele retinta, cabelo mais crespo, ou parda que pode ter uma pele mais clara, um cabelo mais cacheado. O que a banca considera são os traços”, explica Terlúcia Silva, presidente da Comissão de Heteroidentificação da UEPB.
A política de cotas é ferramenta na luta pela igualdade de oportunidades. É preciso ainda um longo caminho para equilíbrio numa sociedade tão diversa como a brasileira.
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