Em meio à visita de Xi Jinping a Lula, especialistas alertam que Brasil deve evitar maior dependência da China


Lula e Xi Jinping se reúnem nesta quarta em Brasília após cúpula do G20 no RJ. Fluxo comercial do Brasil com a China é maior que o dobro das vendas entre Brasil e EUA, por exemplo. Lula e o presidente da China, Xi Jinping, se cumprimentam durante o G20, no Rio de Janeiro
Ricardo Stuckert/PR
Em meio à visita do presidente da China, Xi Jinping, ao Brasil e os desdobramentos da vitória de Donald Trump para o cargo de presidente dos Estados Unidos, especialistas avaliam que o Brasil não deve aumentar sua dependência econômica da China.
Apesar de Trump ser de uma posição ideológica diversa de Lula e de indicar que vai impor dificuldades ao comércio multilateral, com elevação de tarifas, o Brasil deve continuar buscando equilíbrio em suas parcerias, segundo os analistas.
Isso significa não pender demais para o lado da China, mesmo que isso seja tentador em um momento em que a China abre os braços e, os EUA, parceiros tradicionais, podem parecer menos receptivos.
A China é o principal parceiro comercial do Brasil desde 2009, segundo o Ministério das Relações Exteriores.
Nesta quarta-feira (20), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebe Xi Jinping em Brasília. A visita acontecerá no Palácio da Alvorada, após os dois líderes terem participado no Rio de Janeiro da cúpula do G20, na segunda (18) e terça (19).
Professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP), Amâncio Jorge afirma que o Brasil sempre buscou equilibrar as relações com as chamadas grandes potências, preservando a diversificação para “não depender de uma única grande potência”.
Entretanto, afirma, uma eventual maior aproximação econômica com a China resultaria, consequentemente, numa dependência maior em relação àquele país.
“Não me parece que o Itamaraty ou o presidente Lula vejam com bons olhos o afastamento do governo americano. Ruídos como os do G20 geram preocupação e eu não vejo intenção de diminuir o relacionamento com os Estados Unidos”, afirmou.
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Dependência ‘excessiva’ não deve aumentar
Para Antônio Jorge Ramalho, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), o Brasil tem dependência excessiva da China e não é estratégico aumentá-la, o que poderia levar a uma repercussão negativa com os Estados Unidos.
O professor avalia que o presidente eleito dos EUA Donald Trump poderia se sentir incomodado com uma maior aproximação entre Brasil e China. Mas analisa que o Brasil não deve aderir por ora à Iniciativa Cinturão e Rota, conhecida como “nova rota da seda”, em que o governo chinês busca parcerias ao redor do mundo por meio de investimentos em obras de infraestrutura.
“O Brasil tem uma dependência excessiva da China, não é estratégico aumentar isso. […] Basta a China levantar suspeitas fitossanitárias que se cria uma crise brutal para o setor do agro, por exemplo”, afirmou.
“É um erro o Brasil manter essa dependência extrema. Precisa ser revista. É preciso depender menos da China, buscar outros parceiros, buscar o acordo de livre comércio com a União Europeia, embora saibamos das dificuldades”, acrescentou Ramalho.
Presença na América Latina
Durante passagem pelo Peru nesta semana, Xi Jinping inaugurou um dos principais portos da América do Sul. O complexo de Chancay fica cerca de 70 km de Lima, capital peruana. É um projeto liderado por uma companhia estatal chinesa com investimentos totais estimados em US$ 3,4 bilhões.
Questionado se a inauguração do porto no Peru pode viabilizar uma aproximação ainda maior entre Brasil e China, Amâncio Jorge disse que “a parte de investimentos em infraestrutura é o que mais interessa aos chineses”.
“Do ponto de vista de interesses chineses na infraestrutura de transporte e escoamento de produtos, sempre foi a prioridade máxima para os chineses. Então, imagino que isso possa estar na pauta, mas depende de projetos e de investimentos chineses”, pontua o professor.
Amâncio Jorge acrescenta, ainda, que a China está “ganhando espaço” na América Latina porque os Estados Unidos têm “negligenciado” a região.
Ele afirma, porém, que a postura da Casa Branca pode mudar a partir de 2025 porque Marco Rubio – filho de imigrantes cubanos e futuro secretário de Estado (cargo equivalente ao ministro das Relações Exteriores no Brasil) – entende a importância da disputa com a China por influência na região.
Na mesma linha, o professor Antônio Jorge Ramalho afirma que a China procura se firmar como “grande parceiro comercial”, mas também como “alternativa de liderança” na região, a exemplo do que fez com a Venezuela e vem tentando fazer na África, rivalizando com os Estados Unidos.
“Não é casual que ele [Xi Jinping] tenha passado no Peru, é estratégia e estão avançando algumas casas nesse processo”, disse.
“Tem a conveniência [da participação de Xi Jinping] do G20, mas não é só disso que se trata, é de todo um esforço de posicionamento da China na América do Sul como alternativa. Não são só palavras, são investimentos concretos em infraestrutura”, completou o professor.
Concorrente chinês de Musk
Nesta terça, o governo brasileiro anunciou acordo com a empresa chinesa SpaceSail e com a Administração Nacional de Dados da China.
De acordo com o Ministério das Comunicações, a SpaceSail tem desenvolvido um serviço de internet de alta velocidade por meio de um sistema de satélites de órbita baixa da Terra.
A SpaceSail disputa mercado com a SpaceX, empresa do bilionário sul-africano Elon Musk, que terá cargo no futuro governo de Donald Trump e que protagonizou recentemente embates públicos com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após uma de suas empresas, a rede social X, ter descumprido ordens judiciais.
Além disso, num episódio mais recente, Elon Musk reagiu a um xingamento da primeira-dama Janja e publicou a seguinte mensagem em rede social: “Eles vão perder a próxima eleição.”
De acordo com “O Globo”, o governo Lula “corteja” a SpaceSail justamente para competir com a SpaceX e até já ofereceu à empresa a utilização da base militar de Alcântara (MA) para o lançamento de satélites.
Números da relação comercial
Somente neste ano, por exemplo, o fluxo comercial entre os dois países – somando exportações e importações – é superior ao dobro do fluxo comercial do Brasil com os Estados Unidos, segundo maior parceiro comercial (veja detalhes mais abaixo).
No mês passado, ao participar de um evento em São Paulo, Katherine Tai, representante comercial do governo Joe Biden, afirmar que o Brasil deve analisar “os riscos” do aprofundamento das relações comerciais com a China.
Em resposta, a embaixada da China em Brasília divulgou um comunicado oficial acusando os Estados Unidos de tentar interferir nas relações sino-brasileiras, acrescentando que os comentários foram “irresponsáveis”.
Para efeito de comparação, levantamento da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) mostra que o fluxo comercial do Brasil com China e Estados Unidos neste ano ficou em torno de:
China: US$ 138,5 bilhões
EUA: US$ 67,2 bilhões
De acordo com o Itamaraty, os investimentos chineses no Brasil são nos setores de eletricidade, extração de petróleo, transportes, telecomunicações, serviços financeiros e indústria.
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