Uma das aves mais raras do Brasil até então tinha poucos registros no norte do país. Guácharo foi fotografado em Luís Eduardo Magalhães (BA)
Debora Francisco
Um registro realizado na semana passada na cidade de Luís Eduardo Magalhães (BA) tem intrigado observadores de aves e biólogos de todo o país. Um guácharo (Steatornis caripensis) foi fotografado em plena área urbana do munícipio, com cerca de 100 mil habitantes. Mas por que essa foto chamou tanto a atenção?
A espécie ocorre no Brasil mas, até então, só tinha sido vista no norte do país, ainda assim, em apenas duas áreas: uma em Manaus (AM) – também na cidade – e outra em Boa Vista (RR). Nos dois pontos, poucas fotos foram feitas do mesmo indíviduo e pelos mesmos fotógrafos sendo 4 fotos em Manaus e 3 em Boa Vista. Ou seja, uma raridade.
Ave só havia sido registrada antes em Manaus (AM) e em Boa Vista (RR)
Debora Francisco
Mas aí outra pergunta surge: como o guácharo foi parar na Bahia? Essa pergunta é a que mais tem sido feita pela observadora de aves Debora Francisco, autora do registro feito no extremo oeste baiano. Moradora de Luís Eduardo Magalhães, ela conta que estava num dia comum de trabalho, quando foi acionada por um casal de amigos, que a chamaram depois de encontrarem uma ave na garagem da casa deles.
“Ela apareceu na garagem, aparentemente depois de uma leve colisão no vidro da porta, e voou para a árvore da frente da casa deles”, conta Débora. Quando o amigo enviou um vídeo da ave pedindo ajuda com a identificação, Débora não soube identificar num primeiro momento.
“Pedi ajuda dos meus pais, que são observadores de aves, e para o meu irmão que é engenheiro ambiental, no grupo da família”. Mas, num primeiro momento, ninguém conseguiu falar com certeza.
“Se meu pai, que tem um amplo conhecimento, não conseguiu identificar, naquela hora eu vi que era algo extremamente raro mesmo”, compartilha Debora. Ela conta que o pai até cogitou ser a espécie no início, mas exclui essa possibilidade diante da situação improvável.
Debora começou a observar aves depois de acompanhar os pais na atividade
Arquivo pessoal
Espécie misteriosa
Começaram os compartilhamentos das imagens na tentativa de confirmar que espécie misteriosa era aquela. Foi o irmão de Debora que manteve a suspeita de ser o guácharo. Debora conta que o pai dela dizia “não tem como ele chegar aqui”. Mas logo veio a confirmação: era mesmo o guácharo!
Chovia muito no dia, mas a observadora não hesitou em ir até a casa dos amigos garantir mais fotos e vídeos da ave. “Estava preocupada se ele poderia estar machucado, mas ele estava bem. Aproveitei e fiz vários registros. Na hora já coloquei no Wikiaves pra gente tentar descobrir como ela veio parar aqui”, relata a observadora.
Guácharo costuma viver em bandos, o que torna o registro do indivíduo ainda mais intrigante
Debora Francisco
Debora conta que muitas pessoas começaram a contatá-la. “Desde a descoberta l, minha vida virou uma loucura, mas uma loucura boa. Tô impressionada e feliz por ter feito esse registro”, afirma.
Segundo as informações já levantadas por ela, o guácharo vive em bandos, o que aumenta a dúvida sobre o fato deste indivíduo ter aparecido sozinho nessa área residencial.
“Ele estava numa árvore numa praça bem movimentada. Ficou lá por dois dias, chegou a sumir por um dia, e agora reapareceu em outra árvore”, detalha a observadora. Os pais de Debora já garantiram também alguns registros, assim como outros observadores. Já tem gente programando a visita à cidade para o registro.
“Vou seguir monitorando a ave para podermos estudar porque ela veio parar ali. Vamos tirar fotos e ficar informando os biólogos para ajudar na pesquisa”. Debora já notou uma árvore com frutos perto da ave, o que pode ter a atraído para esse parte da praça.
O guácharo
O guácharo é o único representante da família Steatornithidae. Também é chamado de ave-das-cavernas, pássaro-do-petróleo e pássaro-oleoso. Além do Brasil, ocorre no Panamá, Guiana, Venezuela, Equador, Colômbia, Peru e Bolívia, em altitudes de 7 a 3.500 metros.
É considerado uma ave noturna já que vive em colônias no interior de cavernas. Tem a capacidade de orientar o voo pela emissão de estímulos sonoros, como os morcegos. Possui grande olhos e se alimenta apenas de frutas, sendo a única ave noturna a ter esse tipo de dieta.
Espécie ocorre também no Panamá, Guiana, Venezuela, Equador, Colômbia, Peru e Bolívia
Debora Francisco
São bons voadores e seus filhotes chegam a ficar na escuridão total por até 3 meses, sendo alimentados também apenas por frutos. Por esse motivo pesquisadores afirmam que os filhotes ficam maiores e mais pesados que os adultos.
“Todas as noites os guácharos costumam percorrer dezenas de quilômetros a partir de suas cavernas em busca de frutas, principalmente de palmeiras e frutas de plantas da família do abacate. A espécie também realiza deslocamentos pouco conhecidos após o período reprodutivo, aparecendo com alguma frequência em regiões bem distantes da sua área reprodutiva conhecida”, explica o ornitólogo Luciano Lima.
É provável que o registro na Bahia coresponda a um desses indivíduos em deslocamento que acabou indo mais longe do que o habitual. Outra possibilidade que não pode ser completamente descartada, embora improvável, é que exista uma colônia não conhecida da espécie em algum lugar não muito distante de onde a ave foi registrada. Embora seja especulação, essas seria uma descoberta fantástica”, completa.
Sorte de observadora
Debora Francisco tem 36 anos e atua como chef de cozinha. É formada em Administração, além de Turismo e Hotelaria. Ela conta que começou a observar aves depois de acompanhar os pais num congresso, em Itacaré (BA). “Fiquei encantada com o evento, com as pessoas, e do quanto a observação é muito mais do que um hobby. Ela é importantíssima para a ciência”, afirma.
Em sua primeira passarinhada, Debora já pôde ver uma outra raridade: o macuquinho-baiano. Outro encontro especial foi no sul do Brasil, com o cardeal-amarelo
Primeira passarinhada de Debora rendeu registros de um macuquinho-baiano
Arquivo pessoal
Para a observadora, é preciso disseminar essa prática, pois quanto mais pessoas envolvidas, mais ganhos para a ciência e para a conservação. “Foi a curiosidade dos meus amigos que levou a tudo isso”, finaliza.
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