Professor de engenharia aeronáutica da USP avalia que falta do parâmetro da força aplicada pelo piloto nos comandos da aeronave “é maior prejuízo”, mas que cruzamento de dados permite que equipes cheguem a 99% do problema em “pouco tempo”. Caixa preta da aeronave que caiu em Vinhedo (SP).
Divulgação/FAB
O avião que caiu em Vinhedo (SP) e provocou a morte de 62 pessoas operava com autorização para registrar menos dados em uma de suas caixas-pretas. E um deles, na avaliação de James Waterhouse, professor de engenharia aeronáutica da USP, representa o “maior prejuízo” à investigação.
Segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o Flight data recorder (FDR), gravador de informações e parâmetros da aeronave PS-VPB, tinha autorização para não registrar 8 dos 91 parâmetros previstos pela legislação brasileira – são eles:
Frequências selecionadas em Nav 1 e Nav 2;
Pressão do freio (sistema selecionado);
Aplicação do pedal do freio (direito e esquerdo);
Pressão hidráulica (cada sistema);
Posição do comando do compensador de arfagem na cabine;
Posição do comando do compensador de rolamento na cabine;
Posição do comando do compensador de direção na cabine;
Todas as forças de comando dos controles de voo da cabine (volante, coluna e pedais);
Waterhouse esclarece que é possível estabelecer os fatores que levaram à queda da aeronave sem os 8 indicadores, mas que a posse de informações, em especial daquele responsável por registrar “Todas as forças de comando dos controles de voo da cabine” tornaria o cenário “mais explícito”.
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O professor explica que o parâmetro em questão revela a força empregada pelo piloto em suas ações na aeronave, como, por exemplo, a força para segurar o manche antes e durante a queda.
“Os [dados dos] compensadores são interessantes de saber, mas não são vitais para uma investigação. A força é o maior prejuízo. É possível chegar a causa sem esses parâmetros, mas dá mais trabalho, é um trabalho mais elaborado, são meios indiretos de obter essa informações”.
Uma forma de compreender se havia emprego de muita ou pouca força no comando da aeronave passa por outros parâmetros de voo e, principalmente, pelo cruzamento com os áudios da cabine, presentes na outra caixa-preta.
“Se ele estiver exercendo uma força física muito grande, por exemplo, você consegue ver pela deflexão das superfícies e pelo áudio. Nesses casos, há uma reação na voz [representanto uso de força]. São coisas complementares que podem construir esse dado”, detalha.
Em nota, a Anac destaca que os dados que deixaram de ser registrados “não configuram prejuízo às investigações em curso”, e que o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) dispõe “de capacidade técnica reconhecida internacionalmente para promover a apuração precisa com as informações disponíveis”.
Avião com 62 pessoas a bordo cai em Vinhedo
‘Reversão de comando’
Vídeos mostram que a aeronave caiu sem controle e girando no ar, e esses registros também ajudam a compor o cenário.
Segundo o professor, isso já significa “um pedaço do caminho percorrido na investigação”, uma vez que é claro que o ATR-72 da Voepass entrou em estol (perda da sustentação que lhe permite voar).
A formação de gelo sobre as asas é uma das hipóteses investigadas para a queda do avião, mas especialistas são unânimes em afirmar que não existe um fator único que cause um acidente.
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Waterhouse explica que quando há presença de gotas de tamanho grande supergeladas, elas batem no avião e congelam, mas não imediatamente – congelam enquanto escorrem pelo avião -, e criam uma camada de gelo para uma parte mais de trás da asa, que altera o campo de pressão na parte superior, causando um fenômeno que é a reversão de comando.
O professor faz uma analogia para explicar como os dados de força da caixa-preta poderiam ajudar a esclarecer um possível cenário causado por esse problema.
“Em um carro, se você soltar a direção, ele volta para a posição neutra. O que acontece no avião é mais ou menos isso, ele volta para o neutro se tem estabilidade. Mas imagine que algo esteja puxando o carro para um lado. Se você solta o volante, ele vira com tudo e pode capotar. Se o avião estiver em piloto automático e acontece essa reversão, o sistema está mantendo o manche na mesma posição, mas tem uma força querendo levar para o outro lado. Se o piloto coloca a mão no manche e desacopla o piloto automático, toda a força passa para o manche. [O avião] vai com tudo para o lado, e nesse tranco, pode acontecer o estol. Não é só possível, como é provável de ter acontecido. E com a força dos comandos daria para ver se isso aconteceu.”
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James Waterhouse, do departamento de engenharia aeronáutica da USP, mostra como gelo acumula na asa
Reprodução/TV Globo
Relatório preliminar
O Cenipa informou que prevê divulgar em 30 dias um relatório preliminar sobre as causas da queda da aeronave em Vinhedo.
Para James Waterhouse, mesmo sem os oito parâmetros, a equipe do Cenipa, de posse dos dados das caixas-pretas, consegue chegar a 99% do problema que causou o acidente em pouco tempo.
“O [relatório] preliminar provavelmente já tem uma assertividade de 99%. Trinta dias é tempo suficiente para analisar todas as informações. O que é importante não se ater a um único cenário provável, e criar outros, analisar todas as possibilidades. Por isso que as investigações são demoradas, para eliminar outras hipóteses”.
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‘Desenho’ no chão
Um infográfico que sobrepõe imagem do local da tragédia aérea revela como o impacto deixou “um desenho da aeronave” no quintal de uma residência.
É possível observar como a aeronave, que “caiu chapada”, ficou com a área da cabine mais preservada, enquanto da metade para a cauda, por conta do incêndio, a destruição foi maior.
Cronologia da tragédia
Ainda não se sabe o que causou o acidente, mas a queda em espiral sugere a ocorrência de um estol — que acontece quando a aeronave perde a sustentação que lhe permite voar —, segundo especialistas.
Veja, abaixo, da decolagem à queda, a cronologia do acidente da Voepass, o maior do país em número de vítimas desde 2007, quando um avião atingiu edifício em São Paulo ao tentar pousar.
Inicialmente, a Voepass noticiou que 61 pessoas tinham morrido após a queda do avião. Na manhã de sábado (10), o número de mortes subiu para 62.
A aeronave decolou às 11h56 e o voo seguiu tranquilo até 13h20.
O avião subiu até atingir 5 mil metros de altitude às 12h23, e seguiu nessa altura até as 13h21, quando começou a perder altitude, segundo a plataforma Flightradar.
Nesse momento, a aeronave fez uma curva brusca.
De acordo com a Força Aérea Brasileira (FAB), a partir das 13h21 a aeronave não respondeu às chamadas do Controle de Aproximação de São Paulo, bem como não declarou emergência ou reportou estar sob condições meteorológicas adversas.
Às 13h22 – um minuto depois do horário do último registro – a altitude estava em 1.250 metros, uma queda de aproximadamente 4 mil metros.
A velocidade dessa queda foi de 440 km/h.
O Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) informou que o ‘Salvaero’ foi acionado às 13h26 e encontrou a aeronave acidentada dentro de um condomínio.
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