Tenente do Exército é acusado de matar dois garimpeiros com tiros de fuzil e facadas na Terra Yanomami


Investigação indica que o tenente matou os garimpeiros Flávio Luiz, de 34 anos, e Daivid Lucas Serrão Sousa, de 15, e depois amarrou os corpos para que afundassem no rio Uraricoera. Crime foi denunciado por um outro garimpeiros que sobreviveu. Tenente está preso desde o dia 29 de maio. Caso ocorreu no rio Uraricoera, na região onde havia fiscalização para para impedir entrada de garimpeiros na Terra Yanomami, em 2023
Arquivo pessoal
O tenente do Exército Fábio Luis dos Santos Geraldo é acusado de matar dois garimpeiros em Roraima: Flávio Luiz, de 34 anos, e Daivid Lucas Serrão Sousa, de 15 anos. As mortes ocorreram em 2023 quando o militar liderava operação para impedir o acesso de invasores na Terra Indígena Yanomami. Ele está preso. O processo tramita na Justiça Militar.
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O tenente foi denunciado à Justiça Militar pelo Ministério Público Militar (MPM), que conduziu a investigação com apoio da Polícia Federal. Além dos dois homicídios, o tenente também responde aos crimes de ocultação de cadáver, destruição de provas. No dia 6 de junho, o Supremo Tribunal Federal negou liberdade ao acusado.
O adolescente Daivid Lucas Serrão Sousa, de 15 anos, foi morto com tiros de fuzil. Flávio Luiz foi morto com golpes de faca no pescoço, após ser baleados, segundo o MPM.
Os dois corpos foram encontrados no rio Uraricoera, no dia 21 de setembro de 2023. Na época, um irmã de Flávio relatou em boletim de ocorrência que os garimpeiros estavam amarrados ao motor de um barco, após serem “interceptados pelas forças de segurança”. Outro garimpeiro que estavam com eles conseguiu fugir e foi quem denunciou a ação do Exército.
Garimpeiros são mortos a tiros e corpos encontrados em rio na Terra Indígena Yanomami
Em nota, o advogado Samuel Almeida Costa, que atua como representante das famílias de Flávio Luiz e do adolescente David Lucas, informou que a prisão preventiva do militar serve como “resposta à atuação absolutamente desproporcional, ilegal e letal das forças militares envolvidas.”
“As vítimas, trabalhadores garimpeiros, foram alvejadas e mortas sem qualquer chance de defesa, em contexto que indica, de forma clara, grave violação aos direitos humanos e à legalidade constitucional. Há fortes indícios de que a operação desrespeitou protocolos básicos de abordagem e uso progressivo da força, revelando um uso arbitrário da autoridade estatal contra civis desarmados”, destacou o advogado (leia a nota completa mais abaixo).
A reportagem também procurou a defesa do tenente Fábio Luis dos Santos Geraldo e do Exército Brasileiro e aguarda resposta.
No dia das mortes, o militar investigado era o responsável pela operação – a ideia era impedir que garimpeiros entrassem no território indígena. Ao longo da investigação, ficou comprovado que os tiros que mataram as vítimas foram disparados pelo fuzil que ele usava.
Inicialmente, o militar foi acusado apenas pela morte do garimpeiro Flávio. No entanto, com a realização de novos exames periciais, ele também passou a responder pelo assassinato do adolescente.
“Para o MPM, as evidências reveladas não deixam dúvidas de que o disparo de arma de fogo que matou o outro garimpeiro, um adolescente de 15 anos, saiu do fuzil do oficial. Quando da apresentação da denúncia original, ainda não era possível atribuir ao mesmo a autoria do segundo homicídio”, divulgou o MPM.
Dinâmica das mortes
O tenente comandava contingente militar que fiscalizava um posto de bloqueio fluvial no rio Uraricoera, umas das rotas mais usadas pelos invasores para chegar aos acampamentos de garimpo na Terra Yanomami.
“O objetivo da missão era evitar a passagem de garimpeiros. Durante a madrugada, em uma perseguição no rio, os militares efetuaram disparos com munição letal, atingindo uma das vítimas nas costas, um adolescente de 15 anos. Em decorrência do ferimento, o adolescente morreu em seguida.”
Segundo o MPM, para esconder o homicídio do adolescente, o tenente matou um outro garimpeiro – ele estava ferido com tiros no abdômen, mas também foi golpeado a facadas no pescoço.
Depois disso, o militar “amarrou os corpos no motor da embarcação e, em seguida, os lançou no leito do rio para afundarem”. Em seguida, “naufragou a embarcação das vítimas com disparos de fuzil.”
O terceiro garimpeiro, que pilotava o barco, foi atingido com bala de borracha, sobreviveu e denunciou o caso às autoridades policiais. Um indígena que era o guia da embarcação dos militares, também relatou os fatos às autoridades do Exército e da Polícia Federal.
No dia 29 de maio, os ministros do Superior Tribunal Militar (STM), por unanimidade, decretaram a prisão do tenente. Ao mandar prender o oficial, o ministro relator do caso, Carlos Vuyk de Aquino, destacou que o caso revela a extrema gravidade dos fatos apurados, e destacou ainda que o receio de represálias por parte do oficial contra outros integrantes da unidade, uma vez que “há relatos de que o réu se vale de sua patente para coagir colegas a sustentarem versão fictícia dos fatos. A permanência de um oficial com tal conduta compromete a autoridade e a integridade das instituições militares.”
Além da prisão, o STM determinou que o tenente não se aproxime ou mantenha contato com testemunhas, militares envolvidos ou seus familiares, por qualquer meio. Também foi ordenado o recolhimento de eventuais armas de fogo particulares e a proibição imediata de acesso a qualquer tipo de armamento.
Investigação do MPM
Para chegar à autoria dos tiros, o MPM atuou para que houvesse a exumação dos corpos. Com isso, os restos mortais das vítimas e as armas dos militares que estavam na Base do Exército à época da operação foram levados para o Instituto Nacional de Criminalística em Brasília, onde foram periciados.
A reviravolta no caso somente ocorreu depois que o MPM requereu a exumação dos corpos. Para a realização dos exames, foi montada uma operação de grandes proporções, envolvendo diversos peritos legistas da Polícia Federal e uma aeronave também da PF.
“Os exames identificaram diversos fragmentos de chumbo no corpo das vítimas, tendo sido encontrado um projétil de arma de fogo no corpo do adolescente. Após os exames de balística, os peritos atestaram confronto positivo do projétil encontrado com a arma do denunciado [tenente do Exército], não deixando dúvidas quanto à autoria da segunda morte”, detalhou o MPM.
O MPM investiga se houve participação de outros militares no caso. O promotor que atua no caso solicitou à Justiça que o tenente também seja enquadrado na Lei de Crimes Hediondos, que desde 2023 prevê a inclusão de crimes militares na classificação e a reparação dos danos causados.
Nota do advogado das famílias dos garimpeiros
“Na qualidade de advogado constituído pelas famílias do senhor Flávio Luiz e do adolescente David Lucas, mortos em operação do Exército Brasileiro no dia 21 de setembro de 2023, na região da Base do Palimiú, vem a público manifestar profunda satisfação e alívio diante da prisão preventiva decretada pelo STM e confirmada pela relatora do STF, servindo como resposta à atuação absolutamente desproporcional, ilegal e letal das forças militares envolvidas.
As vítimas, trabalhadores garimpeiros, foram alvejadas e mortas sem qualquer chance de defesa, em contexto que indica, de forma clara, grave violação aos direitos humanos e à legalidade constitucional. Há fortes indícios de que a operação desrespeitou protocolos básicos de abordagem e uso progressivo da força, revelando um uso arbitrário da autoridade estatal contra civis desarmados.
O está em apuração e graças à atuação da Procuradoria do Ministério Público Militar em Boa Vista/RR tais atos serão responsabilizados, tanto em âmbito nacional quanto internacional, pois é inadmissível que em pleno Estado Democrático de Direito, cidadãos brasileiros, ainda que envolvidos em atividade econômica informal, sejam tratados como inimigos e exterminados sumariamente pelo próprio Estado que tem o dever de protegê-los.
A luta das famílias agora é por justiça. E não descansaremos até que cada responsável por esse crime seja identificado e punido nos rigores da lei.
Samuel Almeida Costa
OAB/RR 1320”
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