
Uma rede de espionagem russa operou no Brasil desde os anos 1980 com apoio de diplomatas, usando documentos falsos para criar identidades brasileiras e infiltrar agentes em outros países, segundo depoimento exclusivo obtido pelo Fantástico e reportagem do The New York Times.
O esquema, que envolveu falsificação de certidões de nascimento e passaportes, permitiu que espiões da antiga KGB e depois do serviço secreto russo atuassem disfarçados.
Um dos agentes, Sergey Cherkasov, também conhecido como Victor Miller Ferreira, foi preso no Brasil em 2023 após tentar ingressar no Tribunal Penal Internacional de Haia com identidade falsa.
Em vídeo gravado na Polícia Federal (PF), uma testemunha que prestou serviços ao Consulado Russo no Rio de Janeiro por 13 anos relatou que diplomatas participaram ativamente do esquema.
O depoimento, acompanhado por agentes do FBI, a polícia federal americana, promotores e um representante da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), detalhou remessas de dinheiro para Cherkasov na Irlanda, incluindo uma de R$ 40 mil.
“Quando começaram essas remessas a se tornarem constantes, começou a me incomodar“, disse a testemunha.

A farsa de Victor Miller Ferreira
Cherkasov chegou ao Brasil em 2010, aprendeu português e até dançava forró em São Paulo.
“Um cara bacana, comunicativo […] Depois, a gente descobre que o cara é um espião russo“, relatou um professor de dança.
Em 2022, ele usou um passaporte brasileiro para iniciar um estágio no Tribunal de Haia, mas foi deportado após o FBI alertar as autoridades holandesas.
Preso no Brasil, aguarda extradição, a Rússia o acusa de tráfico de drogas, mas investigadores suspeitam que o país queira protegê-lo.
Novos nomes na lista
O The New York Times revelou outros espiões russos com identidades brasileiras, como Gerhard Daniel Campos Wittich, nome real Artem Shmyrev, que mantinha uma empresa perto do Consulado dos EUA no Rio. Ele fugiu do país há três anos.
Carlos Monteiro, tio fictício de Artem, provou que a certidão de nascimento usada pelo espião era falsa:
“Minha irmã nunca teve filhos“, afirmou, apresentando documentos originais.
Sumiço e documentos falsos
Outro agente, Eric Lopes (Aleksandr Utekhin), dono de uma joalheria em São Paulo, desapareceu antes da PF chegar ao local.
Um casal russo, que usava os nomes Manuel Francisco e Adriana Carolina Pereira, mudou-se para Portugal em 2018 e sumiu.
Maria Luisa Dominguez Cardozo, com documentos brasileiros, teve como último destino a Namíbia.
Dois outros espiões da lista teriam ido para o Uruguai.
Defesa contesta acusações
O advogado de Cherkasov, Paulo Maurício Ferreira, criticou a prisão:
“O Ministério Público Federal não comprovou atos de espionagem. A prisão se deve a uma decisão do STF sobre extradição”.
Procuradas pelo Fantástico, as embaixadas da Rússia e dos EUA, além da PF, não se pronunciaram.