Justiça mantém prisão de advogado suspeito de fazer empréstimos em nome de mortos no RS


Decisão é desta sexta-feira (23). Daniel Nardon foi preso em Dourados (MS) no dia 15 e transferido para Porto Alegre no dia seguinte. Escritório do advogado foi alvo de operação da Polícia Civil. Esquema pode ter lesado milhares de pessoas e causado um prejuízo de até R$ 320 mil. Advogado preso sob suspeita de enganar clientes chega ao RS
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) manteve a prisão preventiva do advogado Daniel Nardon, suspeito de enganar clientes, ficar com dinheiro de ações movidas em nome deles e de assinar procurações em nome de pessoas já mortas. A decisão aconteceu nesta sexta-feira (23).
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O g1 entrou em contato com a defesa de Nardon, que ter tido acesso à decisão “há poucos instantes e encontra-se em fase de análise do seu conteúdo, com o objetivo de fundamentar eventuais medidas jurídicas cabíveis”.
Conforme o TJRS, a defesa do suspeito pediu que ele fosse solto e que então fossem aplicadas outras medidas, como o uso de tornozeleira eletrônica. Além disso, argumentou que a prisão, decretada em 30 de abril, não tem justificativa suficiente e que a locomoção de Nardon não representa risco à sociedade. Também disse que o escritório de advocacia dele pediu aos clientes que contratassem outros advogados e que a OAB suspendeu cautelarmente o preso.
No entanto, a Juíza de Direito Mariana Francisco Ferreira decidiu manter a prisão. Ela afirmou que ainda podem haver provas de que o advogado teria cometido crimes e que ele lideraria uma rede ilegal envolvendo outros advogados e empresas. A juíza também destacou que ele teria tentado fugir para o Paraguai, o que aponta risco de fuga.
“Em virtude de nosso país ter proporções continentais, fazendo fronteira com diversos países, e da facilidade de acesso a contatos e recursos que o investigado possui, medidas cautelares diversas como a suspensão do passaporte, a proibição de sair do país e o monitoramento eletrônico não serão suficientes a impedir que este se evada do distrito da culpa”, afirmou a Juíza.
Nardon foi preso em Dourados (MS), na noite de quinta-feira (15), e transferido para Porto Alegre no dia seguinte. Ao chegar à delegacia de polícia, Nardon se defendeu ao afirmar que foi alvo de uma “armação”.
‘Copiaram a assinatura do meu marido em estado vegetativo’, diz vítima
Daniel Nardon, advogado preso sob suspeita de enganar clientes no RS
RBS TV/Reprodução
Relembre o caso
O escritório de Nardon foi alvo de operação da Polícia Civil em 7 de maio. O esquema, chamado pela Polícia Civil de “advocacia predatória”, pode ter lesado milhares de pessoas e causado um prejuízo de até R$ 320 mil. Além dele, outras 13 pessoas são suspeitas dos crimes de estelionato, falsidade ideológica, falsificação de documento particular, patrocínio infiel, uso de documento falso, fraude processual e apropriação indébita. Há 45 inquéritos abertos contra os suspeitos.
Conforme a Polícia Civil, Nardon teria movimentado mais de 100 mil processos na Justiça. A polícia estima que cerca de 10% desses processos podem ser fraudulentos. Por esse motivo, a estimativa é de cerca de 10 mil vítimas. Até a noite de quinta, mais de 100 vítimas haviam registrado ocorrência e 45 inquéritos policiais haviam sido instaurados.
“O que a gente precisa agora é analisar a documentação que foi encontrada, analisar também a quebra do sigilo fiscal, do sigilo bancário, identificar terceiros que a gente ainda não conseguiu visualizar nesse esquema criminoso que estão se auferindo lucros ilícitos participando desse crime”, diz o delegado.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) suspendeu o exercício da profissão de Nardon.
Advogado Daniel Nardon está foragido da justiça
Documentos assinados em nome de pessoas mortas
Segundo o delegado Vinícius Nahan, em janeiro de 2025, o Ministério Público (MP) solicitou investigações a respeito “da prática de ilícitos em ações judiciais movidas em nome de pessoa já falecida em 3 de junho de 2024”.
“Conforme apurado, o investigado, na condição de advogado, ingressou com ações judiciais de revisão de contrato contra instituição bancária, juntando procuração supostamente firmada pelo autor em 23 de agosto de 2024, mais de dois meses após sua morte. A contradição foi detectada pelo juízo responsável e comunicada ao MP”, conta Nahan.
Em um processo judicial, a Justiça disse que, “intimado para esclarecer a situação, já que a procuração e o ajuizamento distanciam mais de sessenta dias desde a morte, o advogado se limitou a indicar que ‘à época da assinatura da procuração, desconhecia sobre a morte do autor. Portanto, não havia qualquer comunicação oficial ou informação acerca do óbito, o que impediu que tivesse ciência da procura não poderia ser validamente outorgada naquele momento'”.
No entanto, conforme a Polícia Civil, a procuração falsa foi utilizada para o ajuizamento da ação em nome de pessoa morta, sem nenhuma ressalva, assim como foi usada para o ajuizamento de outras oito ações distribuídas para as outras unidades cíveis da comarca na mesma data.
A polícia confirmou a existência de múltiplos processos com o mesmo padrão de atuação, todos ajuizados em Porto Alegre – todas com procurações emitidas em nome da pessoa morta.
Em agosto de 2024, em Porto Alegre, um processo possuía procuração assinada em 16 de agosto de 2024 em nome de uma pessoa que morreu em 3 de junho de 2024 – essa pessoa teria assinado um documento dois meses depois de morrer.
Houve caso parecido com uma pessoa que morreu em 19 de abril de 2020 e que teria assinado um documento em 26 de maio de 2020.
Em outro caso, havia duas procurações assinadas em 10 de abril de 2023 e em 1º de agosto de 2023, porém o autor se encontra em estado vegetativo desde 2022.
Como era o esquema
Como era esquema de fraude contra clientes de advogado no RS
RBS TV
Conforme a Polícia Civil, representantes da empresa Pro Consumer entram em contato com potenciais clientes utilizando informações particulares, como dados sobre empréstimos consignados vinculados a benefícios previdenciários.
Os clientes, geralmente em situação de vulnerabilidade, são abordados com a promessa de resolver supostas cobranças “abusivas” de instituições financeiras, mediante honorários advocatícios de 30% sobre os valores que viriam a ser “recuperados” judicialmente.
Após ser convencido, o cliente fornece seus documentos, que passam a ser utilizados pelo grupo para instruir ações judiciais contra instituições financeiras.
Depois, os clientes são novamente contatados e acreditam que irão receber valores das ações, mas os montantes depositados nas suas contas bancárias não têm relação com os processos judiciais, são supostamente de novos empréstimos contratados, sem o consentimento deles, viabilizados possivelmente pela atuação da Pro Consumer.
Os clientes, acreditando estar pagando os honorários advocatícios combinados, transferem 30% dos valores recebidos para contas indicadas pelos representantes da empresa Pro Consumer. Porém, ao perceberem descontos em seus benefícios previdenciários, se dão conta de que foram vítimas.
Assim, as tentativas de contato com as empresas para esclarecimentos passam a ser ignoradas, deixando os clientes sem respostas e sobrecarregados com dívidas inesperadas.
Polícia faz buscas por provas em escritório de advogados suspeitos de enganar clientes em Porto Alegre
Ronaldo Bernardi/Agência RBS
Justiça recomenda suspensão de ações promovidas por advogado
Na segunda-feira (12), o Tribunal de Justiça e a Corregedoria-Geral da Justiça do RS emitiram recomendações aos julgadores de 1º e 2ª graus de jurisdição para que suspendam o andamento dos processos e a expedição de alvarás e levantamento de valores em que atue como procurador o advogado Daniel Nardon.
No parecer, os magistrados observam que Nardon está impedido de atuar profissionalmente por determinação da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS), que o suspendeu cautelarmente.
As recomendações são assinadas pelo 1º vice-presidente do TJRS, desembargador Ícaro Carvalho de Bem Osório, e pela Corregedora-Geral da Justiça, desembargadora Fabianne Breton Baisch.
Em relação à suspensão dos processos, os desembargadores citam a necessidade de “adoção das providências necessárias, para que seus constituintes renovem os mandatos outorgados, mediante a apresentação de nova procuração com firma reconhecida ou assinada eletronicamente”.
As recomendações consideram também “a gravidade dos fatos noticiados e sua repercussão na comunidade gaúcha e a necessidade de resguardar a segurança jurídica e a regularidade na representação das partes nos feitos judiciais em trâmite”.
Local onde fica o escritório de onde o grupo atuaria em Porto Alegre
Ronaldo Bernardi/Agência RBS
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