
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou a fase de depoimentos das testemunhas de defesa no processo que apura a tentativa de golpe de Estado envolvendo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados. A primeira oitiva ocorreu na quarta-feira (21) e, nesta quinta-feira (22), novos nomes foram ouvidos. Até o dia 2 de junho, 82 pessoas, entre militares e civis que foram arroladas pela defesa e acusação, serão interrogadas.
Nesta quinta-feira, foram ouvidos sete militares indicados por Cid. Entre eles, João Batista Bezerra, Edson Diehl Ripoli, Fernando Linhares Dreus, Raphael Maciel Monteiro, Luís Marcos dos Reis, Adriano Alves Teperino e Júlio Cesar de Arruda, que também foi indicado pela defesa de Bolsonaro. A testemunha Flávio Alvarenga Filho foi dispensada.
O general Júlio Cesar de Arruda, ex-comandante do Exército, foi questionado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator do caso, sobre sua atuação em 8 de janeiro de 2023, quando apoiadores de Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Naquele dia, Moraes havia determinado a prisão em flagrante dos manifestantes que estavam acampados em frente ao Quartel General do Exército, pedindo intervenção militar. Arruda, no entanto, impediu a entrada da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) no local, sob o argumento de que a medida visava garantir uma ação “coordenada” para evitar confrontos.
O comandante da PMDF à época, coronel Fábio Augusto Vieira, já havia afirmado à Polícia Federal que foi barrado por Arruda com a frase “minha tropa é um pouco maior que a sua”, episódio que Moraes confrontou durante a audiência.
Questionado, o general respondeu que não se lembra do episódio e negou que tenha impedido a entrada dos policiais. “Eu não neguei. Lá pela noite, quando parte dos manifestantes voltava para a Praça dos Cristais, o general Dutra me ligou e disse que a polícia vinha atrás deles e queria prender todo mundo. Eu disse que aquilo precisava ser coordenado”, detalhou.
Segundo o militar, a decisão de adiar as prisões dos manifestantes foi acordada com ministros do governo federal e o então interventor da segurança pública no DF, Ricardo Capelli. A atuação de Arruda nesse episódio contribuiu para sua exoneração pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O general foi o primeiro comandante do Exército nomeado por Lula, mas foi demitido 23 dias depois de tomar posse.
Elogios
As outras testemunhas ouvidas nesta quinta-feira, indicadas pela defesa de Mauro Cid, negaram ter conhecimento de qualquer envolvimento do tenente-coronel com ações golpistas ou articulações políticas. Além disso, os militares elogiaram o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
O general Edson Dieh Ripoli afirmou que Cid “cumpria rigorosamente as missões” e era um profissional “leal e correto”. Já o coronel Fernando Linhares Dreus descreveu o tenente-coronel como “obediente” e “disciplinado”.
Os depoentes ainda relataram que não ouviram do ex-ajudante de ordens qualquer menção a tentativa de impedir a posse de Lula ou questionamentos sobre o resultado das eleições.
Os depoimentos completam a estratégia dos advogados de apresentar Cid como um militar técnico e sem inclinação ideológica. O objetivo é afastar a imagem do tenente-coronel da condução política do suposto plano golpista.
As oitivas integram o julgamento que marca a primeira ação penal relacionada ao núcleo central da suposta trama golpista, o chamado Núcleo 1. Segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), o grupo articulou ações envolvendo diversos âmbitos e órgãos do governo, além de envolver a sociedade civil, com o intuito de impedir a posse do presidente Lula após as eleições de 2022.
Entre os réus no processo estão Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid — delator do caso —, além de ex-ministros, comandantes das Forças Armadas e integrantes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), como o deputado delegado Alexandre Ramagem, que comandou o órgão durante o governo passado.
Trama golpista
A denúncia da PGR, apresentada em março, envolve Bolsonaro e outras 33 pessoas pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito e organização criminosa. A acusação afirma que o então presidente e seu candidato a vice, general Braga Netto, lideraram uma estrutura organizada para manter o poder à força após a derrota nas urnas em 2022.
A investigação foi dividida em núcleos de atuação. A ação em curso no STF foca nos principais articuladores do plano, entre eles, Bolsonaro, Braga Netto, Augusto Heleno, Anderson Torres, Paulo Sérgio Nogueira, Walter Braga Netto, Almir Garnier e Alexandre Ramagem.
Na próxima sessão, marcada para esta sexta-feira (23), serão ouvidas testemunhas arroladas por Anderson Torres, ex-ministro da Justiça, e Walter Braga Netto. As audiências ocorrem com presença da imprensa na sala da Primeira Turma, mas sem autorização para gravações, conforme determinação do relator Alexandre de Moraes.
Bolsonaro poderia ser preso
A etapa de oitivas iniciou na quarta-feira (21), com o depoimento do ex-comandante da Aeronáutica Carlos Almeida Baptista Júnior. Durante o testemunho, o militar confirmou que o então comandante do Exército, general Freire Gomes, advertiu o ex-presidente Jair Bolsonaro, em 2022, de que ele poderia ser preso caso tentasse decretar uma Garantia da Lei e da Ordem (GLO) para impedir a posse de Lula.
“Ele [Freire Gomes] não falou com agressividade com o presidente da República. Ele não faria isso. Mas falou com muita calma: ‘Se fizer isso, vou ter que te prender’”, relatou Baptista Júnior durante a audiência de instrução da Ação Penal 2668, que apura a tentativa de golpe de Estado e outros crimes atribuídos a Bolsonaro e aliados.
O tenente-brigadeiro foi convocado como testemunha pela PGR e por defesas de três dos oito réus na ação penal. Entre eles, o próprio Bolsonaro, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier dos Santos e o ex-ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira. O depoimento, realizado por videoconferência, foi conduzido pelo relator do caso, ministro Alexandre de Moraes, e acompanhado pelo ministro Luiz Fux.
Durante o depoimento, Baptista Júnior ainda confirmou o conteúdo já prestado à Polícia Federal nas fases anteriores da investigação. A única ressalva foi quanto à presença do ex-ministro da Justiça Anderson Torres em reuniões onde se discutiam medidas para interferir no processo democrático. Segundo o brigadeiro, ele não poderia afirmar com certeza se Torres participou desses encontros.
O militar também relatou que tem sido alvo de ataques nas redes sociais desde que se posicionou contra a tentativa de ruptura institucional. Disse ter tomado conhecimento, a partir das acusações da PGR, de que as ofensas virtuais direcionadas a ele foram coordenadas pelo ex-ministro Walter Braga Netto, outro dos réus. “Até hoje sou chamado de ‘melancia’”, afirmou, em referência ao termo usado por bolsonaristas para designar militares vistos como alinhados à esquerda — “vermelhos por dentro, verdes por fora”.