Europa discute usar força nuclear francesa para se proteger


Há 60 anos, a França apresentava ao mundo seus mísseis nucleares. Agora, Macron sugere usá-los para defender não só seu país, mas também o continente. Macron defende colocar arsenal nuclear francês à disposição de aliados
Há quase 60 anos, a França apresentava pelo mundo pela primeira vez sua arma de dissuasão nuclear, a Force de Frappe – ou Força de Ataque. Agora, a Europa tem discutido se as armas nucleares francesas devem proteger todo o continente.
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A doutrina nuclear da Force de Frappe praticamente não mudou desde a década de 1960. Ela serve para proteger os “interesses vitais” da França – uma expressão deliberadamente vaga que pode, ou não, incluir parceiros europeus numa emergência.
De acordo com a doutrina, o uso de armas nucleares só é previsto em casos extremos de autodefesa. A decisão cabe exclusivamente ao presidente da República.
Os chefes de Estado franceses, desde Charles de Gaulle a Nicolas Sarkozy, enfatizaram repetidamente que esses interesses vitais também têm uma dimensão europeia. Mas essas declarações permaneceram simbólicas. Não havia uma vontade real de compartilhar a bomba, pelo menos não publicamente.
Agora, há indícios de que isso possa mudar no governo de Emmanuel Macron. Desde que assumiu o cargo em 2017, o presidente não mudou a estratégia nuclear da França – mas deu a ela um toque europeu.
Em um discurso de abertura na École de Guerre em fevereiro de 2020, ele declarou que a dissuasão francesa também serve à segurança da Europa e ofereceu um diálogo estratégico com os parceiros europeus. Isso foi amplamente ignorado em Berlim, por medo de minar a promessa dos EUA de proteger a Europa.
Mas agora o tom está mudando: “A França fez a oferta de pelo menos conversar sobre o assunto – eu aceito essa oferta”, declarou Friedrich Merz logo após tomar posse como chanceler federal alemão. Merz disse poder imaginar ter os mísseis franceses e britânicos como um complemento ao guarda-chuva dos EUA.
“Não podemos substituir a proteção nuclear dos Estados Unidos no âmbito da aliança da Otan na Europa com nossas próprias forças”, disse o chanceler.
Até agora, Merz deixou em aberto, entretanto, a questão sobre se a Force de Frappe também poderia ser considerada como substituta do guarda-chuva dos EUA em uma emergência.
O que a França oferece
O submarino nuclear francês Le Triomphant, que integra a “Force de Frappe”
Barbier/AFP/epa/dpa/picture-alliance
A França não está propondo uma bomba nuclear europeia comum, mas uma corresponsabilidade nuclear gradual. No âmago está a oferta de Macron de um diálogo estratégico: os parceiros europeus devem ser convidados a entender melhor a doutrina nuclear francesa, para ajudar a pensar em cenários possíveis e participarem de manobras como observadores.
Esse longo debate teórico está se tornando cada vez mais concreto. Em uma entrevista na terça-feira (13), Macron afirmou que a Polônia expressou o desejo de estacionar armas nucleares francesas em seu território.
O presidente disse estar preparado para discutir uma extensão do guarda-chuva nuclear francês “com todos os parceiros que assim desejarem” e, pela primeira vez, não descartou publicamente estacionar armas nucleares francesas em outros países da UE.
Segundo o principal especialista em segurança da França, Bruno Tertrais, na franqueza de Macron está embutido um sinal: “Enquanto as armas nucleares dos EUA estiverem estacionadas na Europa, não há razão, do ponto de vista francês, para discutir se as bombas francesas devem ser armazenadas na Alemanha ou em outro lugar”, afirmou.
Mas a França já está trabalhando para direcionar mais fortemente sua infraestrutura nuclear para a Europa. Nos próximos anos, uma base militar em Luxeuil-Saint Sauveur, a apenas 100 quilômetros da fronteira com a Alemanha, será modernizada para abrigar uma base de armas nucleares para os caças Rafale.
Esse é um sinal de que a França não apenas quer manter sua capacidade nuclear, mas também expandi-la e aproximar a Force de Frappe da Europa Central.
O que trava o projeto
O presidente da França, Emmanuel Macron, fala durante uma coletiva de imprensa após uma cúpula especial de líderes da União Europeia para discutir a guerra na Ucrânia e a defesa europeia, em Bruxelas, na Bélgica.
REUTERS/Christian Hartmann
A França tem atualmente cerca de 300 ogivas nucleares. Elas são suficientes para a dissuasão nacional, mas não para um sistema de defesa pan-europeu. Os sistemas de lançamento, submarinos com mísseis balísticos e sistemas aéreos são adaptados aos perfis operacionais da França.
“Quero promover um debate, mas a França não pagará pela segurança dos outros”, deixou claro o presidente francês. “Não será às custas do que precisamos para nós mesmos. E a decisão final cabe ao presidente da República, o comandante-em-chefe das Forças Armadas.”
A mensagem implícita: uma expansão confiável do escudo de dissuasão francês exige maiores capacidades – mais lançadores, infraestrutura adicional, exercícios mais intensos. A França pode fazer isso, mas não está preparada para financiar a empreitada sozinha. Quem quiser ser protegido, tem que participar.
No entanto, Macron exclui categoricamente compartilhar com os parceiros o controle ou o poder de decisão sobre o uso das armas nucleares. Mas isso não é muito diferente do atual programa de compartilhamento nuclear.
Paralelos históricos
Caça francês decola do porta-aviões Charles de Gaulle no Golfo
Patrick Baz/AFP
O atual debate nuclear tem um precedente histórico: na década de 1960, havia planos em Washington para uma força nuclear multilateral (MLF, na sigla em inglês) – uma frota da Otan com armas nucleares conjuntas.
Charles de Gaulle rejeitou o projeto e sinalizou um outro plano para a Alemanha: “Certamente vocês não acreditam que os americanos lhes concederão alguma influência real na MLF. Por que não se juntam a nós?”, o presidente francês teria dito ao secretário de Estado do Ministério do Exterior da Alemanha em 1964.
No entanto, nem o MLF nem um componente nuclear franco-alemão foram concretizados.
Então, em 14 de julho de 1965, a França apresentou ao mundo sua força nuclear puramente nacional. Se a Force de Frappe se tornará mais europeia 60 anos depois, não depende apenas de Paris, mas também de Berlim, Varsóvia – e Washington.
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