
“A vida é linda, mas se desgasta”.
Foi o que disse José Mujica ao anunciar, em 2024, que havia sido diagnosticado com um câncer de esfôfago em estágio avançado.
“A questão é recomeçar a cada vez que cair e, se houver raiva, transformá-la em esperança”, completou.
Ele começava ali a encarar a morte próxima, confirmada nesta terça-feira (13), com a mesma postura com que encarou a vida. Não era bem a assimilação da derrota. Mas a consciência de que dessa vida pouco se leva – a não ser o que realmente importa.
Ele tinha 89 anos.
Antes e após ser eleito presidente – e completar a jornada de heroi que já foi perseguido, alvejado a tiros e detido – ele manteve uma rotina sem luxos. Parte do salário como chefe do Executivo uruguaio foi doada a um plano de habitação social.
E seguiu circulando por aí com um Fusca azul que se tornou sua marca registrada.
Não era falso voto de pobreza. Era ele em estado bruto, como atestam todos os que o visitavam em sua residência e eram recebidos para um café – que ele mesmo passava.
Não à toa Mujica era conhecido como o “presidente mais pobre do mundo”.
O despojamento era uma marca do ex-presidente tanto quanto a coerência. O que não o impediu de se tornar popular, e uma referência, entre os mais jovens e até opositores, a quem ele defendia o respeito. “É preciso aprender que o fundamento da democracia é o respeito aos que pensam diferente”, costuma repetir.
Nas redes sociais, o que não faltam são lições deixadas por ele em vida – não sobre vencer na vida e nas eleições, mas como encarar as agruras inevitáveis de um mundo modulado para destroçar corpos transformados em força de trabalho.
A análise dele sobre as injustiças do mundo são tão claras (e simples) quanto precisas.
Mujica passou a vida dizendo que a humanidade precisa trabalhar menos, ter mais tempo livre e ser mais pé no chão.
E morreu dizendo com noção plena da finitude humana, uma luta da qual ninguém vence. A morte, dizia ele, “é uma senhora de quem não gostamos, e que não queremos, mas que inevitavelmente vai chegar em algum momento”.
Portanto, ensinou Mujica, é preciso nos resignar. “Todos os seres vivos são feitos para lutar pela vida: desde uma erva daninha, um sapo e até nós. Chega-se à conclusão de que isso serve para dar sabor à vida, pois, como dizia o velho Aristóteles: tudo o que a natureza faz é bem feito.”
Fica como último ensinamento a quem ainda tinha tanto a ensinar.