
Títulos americanos também sofreram em mais uma semana de polvorosa nos mercados financeiros globais. Trump durante reunião de gabinete nesta quinta (10)
Brendan SMIALOWSKI / AFP
O vaivém das tarifas de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, e sua recente guerra tarifária com a China assustou os mercados financeiros no mundo inteiro na última semana. Bolsas de valores em todos os continentes derreteram a taxas que não se via há alguns anos, e ações de todos os setores despencaram, assim como moedas de vários países.
Além dos efeitos mais conhecidos na renda variável — que são investimentos de grande oscilação — outro tipo de ativo também se destacou e gerou preocupação no governo dos EUA: as Treasuries, os títulos públicos emitidos pelo governo americano.
Esses investimentos são considerados os mais seguros do mundo e são um refúgio para investidores em momentos de crise.
No entanto, a percepção negativa de investidores, empresários e população em geral sobre as últimas decisões de Trump também levantam incertezas sobre a confiabilidade dos títulos públicos do país.
Entenda, nesta reportagem:
O que são as Treasuries?
Qual sua relação com o preço do dólar?
Por que são consideradas o “investimento mais seguro do mundo”?
Como a percepção negativa sobre Trump pode afetar a confiabilidade dos títulos?
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O que são as Treasuries?
Treasuries são os títulos públicos emitidos pelos EUA.
Como todo título público, ele representa a dívida do país que o emite. Assim, ao investir em uma Treasurie, o investidor está emprestando dinheiro para o governo pagar suas dívidas em troca de uma rentabilidade (que a devolução do dinheiro emprestado mais uma taxa de juros).
Essa rentabilidade é paga periodicamente até o vencimento do título, explica Isabela Bessa, especialista em investimentos internacionais da Warren.
“A rentabilidade é calculada com base na taxa de juros acordada no momento do investimento (essas taxas podem ser pré-fixadas, pós ou atreladas à inflação norte-americana)”, afirma.
Qual sua relação com o preço do dólar?
Por serem títulos do mercado americano, o investimento em Treasuries é geralmente feito em dólares — o investidor, mesmo de outro país, pode trocar sua moeda nacional pelo dólar para investir nos ativos.
Nesse sentido, quando muita gente quer acessar as Treasuries, a demanda por dólar cresce no mercado. Pela lei de oferta e demanda, quanto mais busca há por alguma coisa, maior fica seu preço. Ou seja, a moeda americana se valoriza em relação a outras divisas.
Além disso, Isabela, da Warren, explica que as taxas de juros dos títulos americanos, por serem considerados os ativos mais seguros do mundo, influenciam o fluxo de investimentos internacionais.
“Em momentos em que as taxas são consideradas altas, investidores de todo o mundo tendem a preferir investir em Treasuries, aumentando a demanda por dólares e, consequentemente, valorizando a moeda americana”, pontua a especialista.
Por que são consideradas o ‘investimento mais seguro do mundo’?
Esses títulos representam uma forma segura de investimento, pois têm o respaldo do governo dos EUA, que não tem histórico de calote — além de se tratar da maior economia do mundo e, consequentemente, a que tem mais recursos para arcar com suas dívidas.
“A estabilidade política e econômica dos EUA também contribui para a segurança desses investimentos, o que os torna um porto seguro em tempos de incerteza no mercado global”, afirma Isabela.
Por esse motivo, em momentos de tensões políticas e econômicas no mundo, como quando acontecem guerras ou crises, por exemplo, os investidores migram aos montes para as Treasuries, por considerarem que seu dinheiro está protegido contra a volatilidade causada pelas incertezas.
Como a percepção negativa sobre Trump pode afetar a confiabilidade dos títulos?
Esse status de confiança começou a ser questionado nas últimas semanas por conta da repercussão negativa das decisões do governo Trump em relação às tarifas.
Segundo a especialista da Warren, ao implementar tarifas altas sobre vários produtos e parceiros comerciais, Trump aumentou o grau de incerteza sobre o desempenho do comércio global, o que pode ser prejudicial para a economia americana.
“Se o mercado perceber que há risco maior de inadimplência ou instabilidade econômica [nos EUA], a demanda pelas Treasuries pode diminuir”, pontua Isabela.
O especialista em tributação Angelo Paschoini, sócio do Paschoini Advogados, explica que o principal motivo de cautela em relação aos EUA está nos efeitos do tarifaço.
Com taxas maiores sobre os insumos e produtos que chegam ao país, a tendência é que haja uma elevação no custos de produção de diversos setores, o que impacta os preços ao consumidor final — aumentando a inflação.
Os preços elevados e a consequente queda no poder de compra da população pode pode significar uma redução no consumo interno. O cenário levanta temores de que o país possa sofrer com uma desaceleração da atividade econômica, ou até um período de recessão.
“A percepção do investidor é que, se a economia vai sofrer, se vai ter menos geração de riqueza, o governo vai arrecadar menos e, arrecadando menos, ele tem menos chances de cumprir com as suas despesas, de pagar seus títulos e, logo, os títulos apresentam mais risco”, destaca Paschoini.
O advogado tributarista, porém, afirma que, por enquanto, as chances de que os EUA cheguem ao patamar de não conseguirem honrar com suas dívidas ainda são muito distantes.
Mesmo assim, o mercado ficou apreensivo e passou a exigir um maior retorno pelos títulos públicos americanos, para que a rentabilidade melhor compensasse os riscos de investir no país.
Desde o anúncio das tarifas recíprocas de Trump, no último dia 2, os juros para os títulos americanos subiram:
as Treasuries com vencimento em 2 anos acumulam alta de 2,6%;
as Treasuries com vencimento em 10 anos acumulam alta de 9,7%;
as Treasuries com vencimento em 30 anos acumulam alta de 7,5%.
Além da maior aversão aos riscos, que faz com que o governo precise oferecer mais rentabilidade para atrair os investidores, há o receio de que a inflação obrigue o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) a elevar os seus juros — mecanismo que os bancos centrais têm para controlar a inflação.
Juros maiores encarecem a tomada de crédito por pessoas e empresas, dificultando ainda mais o consumo em períodos de inflação elevada. Isso pode pesar ainda mais sobre a atividade americana, razão para os mercados estarem em polvorosa.
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