
A previsão do tempo é uma antiga aliada do cotidiano das pessoas. Mas, em meio às mudanças climáticas cada vez mais presentes, que resultam em fenômenos como ondas de calor extremas e chuvas intensas, ela se tornou mais que um hábito: virou uma ferramenta essencial para se planejar e se organizar.
E isso vai além da esfera individual: a previsão do tempo também impacta diretamente setores como a agricultura, o transporte, a energia, a saúde e a segurança pública.
Mas afinal, como ela é feita? Como os meteorologistas colhem e interpretam os dados repassados para a população? O Portal iG conversou com Vitor Takao, meteorologista da Climatempo, para responder a essas dúvidas.
Tudo começa com a matemática
De acordo com Takao, o ponto de partida para as previsões são os números. “A previsão do tempo hoje é uma conta matemática gigantesca”, brinca. Ele explica que, hoje, a tecnologia permite processar esse cálculo por meio de programas complexos, que geram os chamados modelos meteorológicos.
“A gente programa modelos — que são códigos — capazes de realizar esses cálculos a cada hora. Eles entregam resultados como temperatura, velocidade do vento, chance de chuva”, explica.

No entanto, esses modelos não podem ser considerados à risca: é necessário interpretar. E é aí que entra o trabalho do meteorologista. “A atmosfera é muito volátil, e os modelos nem sempre conseguem fazer a melhor leitura de determinadas regiões, principalmente onde há influência de relevo ou proximidade com o mar. Por isso o papel do meteorologista ainda é essencial. A gente interpreta os dados dos modelos e monta a previsão com base nessa leitura”, completa.
Apesar de parecer definitivo, o dado gerado por um modelo meteorológico está longe de ser a previsão final. “Na verdade, o dado nem é concreto, de fato. É o que a gente chama de saída de modelo puro — um dado cru”, explica Takao. Segundo o especialista, cabe ao meteorologista fazer a análise desse material, identificar padrões, descartar possíveis distorções e, a partir disso, elaborar a previsão do tempo.
“Então é assim: o modelo dá um resultado, a gente interpreta esse resultado e a gente coloca ali na previsão do tempo”, resume.
Interpretar é importante, principalmente no Brasil
Takao salienta que a interpretação do meteorologista é ainda mais relevante em países com dimensões continentais, como o Brasil, pois a contextualização é a chave para ajustar a previsão à realidade local.
“É completamente impossível fazer previsão do tempo para todas as cidades do país. São milhares de municípios. A maioria das previsões que a gente vê no celular, por exemplo, vem direto de modelos puros, sem nenhuma curadoria humana”, afirma.
Ele cita o exemplo do Weather Channel, serviço que fornece a previsão para dispositivos como os iPhones. “É uma empresa americana, que tem um modelo próprio para fazer previsão para o mundo inteiro. Quando chega em cidades pequenas, como Piraporinha do Bom Jesus, é óbvio que a leitura não vai ser tão precisa”.

Modelos meteorológicos
Segundo o meteorologista, existem diversos modelos meteorológicos pelo mundo, e o Brasil também possui o seu. A questão é que manter um modelo próprio é algo caro e complexo do ponto de vista tecnológico.
“Você precisa de um computador com uma aparelhagem muito bem desenvolvida para conseguir rodar aquilo. Não é qualquer país que consegue bancar isso”, explica. Segundo Takao, entre os principais modelos utilizados estão o americano, o europeu, o alemão e até mesmo um segundo modelo europeu, com diferentes parâmetros e abordagens.
A confiança na previsão aumenta à medida que esses modelos diferentes “conversam” entre si, ou seja, quando há uma convergência entre as indicações de diferentes fontes.
“A gente já sabia da chuva forte que ia atingir o Rio de Janeiro no último fim de semana desde a semana retrasada, por exemplo. Mas a gente não pode sair soltando alerta com tanta antecedência, é preciso acompanhar a evolução dos dados dia após dia”, diz o meteorologista.

Por que a previsão muda ou erra?
De acordo com o meteorologista, não é incomum ver a previsão mudar ou até “errar”. E isso acontece por ela ser uma soma de dados e interpretações que se alteram a cada momento.
“A atmosfera é muito dinâmica, principalmente nas estações mais quentes. Você pode prever tempo firme, mas aí entra uma umidade local, faz calor e pronto: chove numa parte isolada da cidade”, diz. É como se a meteorologia fosse sempre algo aproximado, mas nunca cravado. “Mesmo quando a gente tem 99% de certeza que algo não vai acontecer, o 1% que sobra pode acontecer sim. Por isso, a gente nunca descarta totalmente”, conclui Takao.
“Além disso, a previsão não é feita de uma hora pra outra. A gente acompanha essas tendências ao longo das semanas. Quando há uma convergência dos modelos e os dados fazem sentido, aí sim a gente emite um alerta ou publica a previsão”, completa.
Ele também explica que, quanto maior o prazo da previsão, maior é a margem de incerteza. “Temos modelo que roda previsão para meses, dá para ter uma noção de como vai ser o clima nos próximos seis meses. Mas, claro, quanto mais distante for a data, mais imprecisa tende a ser a previsão”, pontua.
De acordo com o meteorologista, a atmosfera é um “caos completo”, que pode mudar muito rápido. Para tentar diminuir as chances de erro, os meteorologistas priorizam as análises de modelos como o americano, o europeu e o alemão, que trabalham com prazos mais curtos, geralmente entre sete e dez dias.
“E mesmo nesses casos, principalmente no verão, na primavera e no começo do outono, tudo pode mudar de uma hora para a outra. A gente já viu modelo prever uma frente fria para o fim de semana, depois adiantar, depois empurrar de novo… Por isso que a gente fala em tendência. A previsão vai sendo ajustada conforme os dias passam”, completa Takao.
Responsabilidade
Como explicado pelo meteorologista, os modelos usados nas previsões não são exatos. Por isso, não conseguem prever, com semanas de antecedência, eventos extremos em lugares ou momentos específicos.
“Esses detalhes, quem mostra são os modelos de curto prazo. Já os de longo prazo apontam só a tendência geral do clima”, explica Takao, que reforça a importância da cautela na hora de interpretar e de repassar essas tendências.
Para o especialista, esse cuidado com a informação não é um exagero, mas sim responsabilidade. Afinal, tanto empresas privadas quanto os órgãos públicos – como o Instituto Nacional de Meteorologia, por exemplo – precisam lidar com o impacto que a previsão pode causar na vida das pessoas.
“Se a gente solta um alerta de chuva forte e ela não vem, as pessoas perdem a confiança. Mas se a gente não solta, e acontece uma tragédia, o estrago pode ser ainda maior. Foi o que aconteceu, de certa forma, em São Sebastião em 2023”, lembra.
Qual previsão é mais confiável?
Segundo o meteorologista, as previsões mais confiáveis são aquelas para daqui três ou cinco dias. Ele orienta que, quanto mais perto da data, mais certo é o cenário traçado.
“Mas é bom lembrar que a gente sempre orienta que as pessoas acompanhem as atualizações. Isso é essencial, ainda mais no verão e na primavera, quando tudo muda muito rápido”, diz Takao.
Ele explica que a Climatempo, por exemplo, atualiza os modelos todos os dias. Logo, as previsões também mudam diariamente. “Você pode prever chuva para amanhã, mas isso não quer dizer que vai chover na cidade inteira. Às vezes, é uma chuva localizada, e a gente tenta deixar isso claro na hora de comunicar. Só que também cabe a quem recebe a informação saber interpretar”, finaliza.