
O julgamento do autor do ataque a creche em Blumenau, realizado em 29 de agosto de 2024, durou cerca de 11 horas. Familiares das vítimas estiveram presentes no salão do júri, que foi tomado pelo choro com as lembranças da triste manhã de 5 de abril de 2023.

‘Houve justiça’: Como MPSC atuou para conseguir pena limite para autor de ataque a creche em SC – Foto: Cristiano Andujar/MPSC/ND
Após mais de um ano e quatro meses do crime que chocou o país, o homem que pulou o muro da creche Cantinho Bom Pastor para atacar crianças foi condenado a 220 anos de prisão em regime fechado, sem direito a recorrer da pena em liberdade.
O autor responde por quatro homicídios qualificados e cinco tentativas de homicídio qualificado, todos com circunstâncias qualificadoras que é o motivo torpe, meio cruel, recurso que dificultou a defesa das vítimas e uma qualificadora específica, já que todas as vítimas eram menores de 14 anos.
Os promotores de Justiça do MPSC (Ministério Público de Santa Catarina), Rodrigo Andrade Viviani e Guilherme Schmitt, falaram sobre o resultado do julgamento e explicaram como a dosimetria da pena garante que ele cumpra o limite de tempo previsto na legislação.
Promotores conseguiram pena limite ao autor de ataque a creche
Após o julgamento que marcou Blumenau, o promotor Rodrigo se disse satisfeito com a pena aplicada ao autor do ataque a creche. “Foi um massacre que gerou repercussão no nosso país, e eu acredito que com a sentença, que condenou o réu integralmente naquilo que o Ministério Público havia requerido, de 220 anos de prisão, houve justiça no dia de hoje”.
Já Guilherme explicou que o objetivo não foi apenas aplicar a pena a quem praticou o crime, mas também de inibir quem seja propenso a praticar algo semelhante, para que entenda que as consequências serão na mesma proporção.
O promotor também enfatizou que na fase de execução penal, é levado em consideração a porcentagem da pena que foi aplicada, ou seja, se fosse levar em consideração apenas os 40 anos que a legislação permite de cumprimento da pena, o benefício seria com base nesse período.
“Assim, com a pena de 220 anos, qualquer benefício de progressão de regime, saída temporária, livramento condicional, é levado em consideração a pena aplicada. Por isso nós sustentamos que a pena deveria ser extremamente elevada para garantir que ele ficasse efetivamente os 40 anos que a legislação permite, preso”, disse Guilherme.
A defesa do autor do ataque a creche em Blumenau usou como argumento o histórico de alucinações do homem, em que explanou que ele não é completamente estável mentalmente. Contudo, o promotor Guilherme reforçou que o laudo comprovou que ele tinha plena capacidade de entendimento quando atacou as crianças.
“Isso foi o que nós sustentamos, por isso que ele merecia uma responsabilização total. Ainda que tenha se diagnosticado um transtorno de personalidade antissocial, o perito deixou claro, isso não causa nenhuma imputabilidade, ele simplesmente ignora e é indiferente aos sentimentos dos outros, de piedade, por isso que isso não o torna imputável e a pena é devidamente aplicada”, pontuou.
O papel do MPSC no julgamento do autor de ataque a creche em Blumenau
Ao portal ND Mais, o promotor Guilherme explicou que a condução do caso iniciou a partir do momento em que o fato aconteceu. O MPSC passou a atuar no local do crime, seguindo para a Central de Plantão Policial.
“O Ministério Público fez a denúncia, acompanhou todo o processo, disse quais eram as provas que ele gostaria de produzir, acompanhou a inquirição de todas as testemunhas, o interrogatório do acusado. E, finalmente, na hora da sessão de julgamento, o Ministério Público se fez presente porque ele é o titular da ação, então sustentou a condenação com base nas provas que tinham sido produzidas”, disse.
Conforme o promotor que atuou no caso, durante o acompanhamento do fato e o processo em si, a única dificuldade encontrada foi a situação prática, de estar presente na creche logo após o ataque.
“Nem a população, nem os órgãos públicos, nenhum órgão de segurança está, por mais que se tenha qualificação, preparado para um momento dessa magnitude que toca a todos. Então a dificuldade foi chegar no local, acompanhar, presenciar as dores daqueles pais que perderam seus filhos, a angústia daqueles que não sabiam se o seu filho tinha sido ou não atingido”, comentou Guilherme.
O promotor também pontuou a insistência do MPSC em realizar o Tribunal do Júri em Blumenau, já que a Defensoria Pública gostaria de realizá-lo em outra comarca, isso porque acreditava que os jurados da cidade já estariam influenciados, o que não seria uma decisão justa.
“Mas o Ministério Público se manifestou ao contrário disso e o Tribunal de Justiça entendeu que não era o caso”.
O promotor Rodrigo enfatizou o trabalho do MPSC logo no início do ocorrido, sedo acompanhado toda a investigação policial, além de sugestões que pudessem auxiliar no esclarecimento dos fatos.
A defesa requereu a instauração de exame de insanidade mental, motivo pelo qual a ação penal permaneceu suspensa por determinado período. “Contudo, a perícia médica concluiu que o acusado, por ocasião dos fatos, detinha a plena capacidade de compreender o caráter ilícito de sua conduta, razão pela qual o processo retomou o seu curso”, disse Rodrigo.
Grupo do MPSC aprovou plano de trabalho sobre segurança nas escolas
O ataque a creche em Blumenau resultou em diversas mudanças em relação à segurança nas escolas. O MPSC teve participação nisso, sendo criado um grupo de trabalho que desenvolveu estratégias fim de prevenir e combater violências nas escolas.
Ainda em 2023, foram criados três subgrupos: um para propostas de atuação resolutiva nas políticas públicas locais; um para a criação de um protocolo interno de orientação e atuação; e um para acompanhar e sugerir propostas legislativas relativas ao tema.
O grupo de trabalho foi instalado em setembro de 2023 para desenvolver uma série de estratégias para prevenir problemas que pudessem ocasionar violências na escola e contra a escola, além de analisar medidas locais que possam ser adotadas em cada comarca.
Relembre o dia do ataque em Blumenau
A manhã de 5 de abril de 2023 ficou marcada como um dos dias mais tristes já registrados em Blumenau. Um homem de 25 anos invadiu a creche Cantinho Bom Pastor, no bairro Velha, matou quatro crianças e feriu outras cinco durante o ataque. As vítimas tinham entre 4 e 7 anos de idade.

Ataque a creche em Blumenau gerou mudanças nos padrões de segurança – Foto: Eduardo Valente/Secom/Divulgação/ND
Com uma machadinha, o homem pulou o muro da instituição de ensino e desferiu golpes contra as crianças. Quatro vítimas tiveram a morte confirmada ainda dentro da creche. O caso chocante repercutiu ao redor do mundo e impactou mudanças nos padrões de segurança escolar de Santa Catarina.
A Polícia Civil investigou e identificou o roteiro feito pelo agressor no dia do ataque a creche em Blumenau. O delegado Rodrigo Raitz relatou que, após sair de casa, por volta das 8h, ele seguiu em sentido à duas escolas da cidade.
De acordo com o delegado, o homem confessou que, inicialmente, tinha intenção de cometer o ataque nas duas unidades. Contudo, ao chegar nos locais, percebeu que não conseguiria pular o muro, por ser muito alto, e então desistiu da ideia.
Depois disso, conforme a investigação, ele foi para uma academia de musculação, onde treinou, pagou a mensalidade e saiu por volta das 8h39. Em seguida, foi em direção à creche Cantinho Bom Pastor.
Foi identificado ainda que o homem parou em frente a instituição em uma moto. Ele olhou por cima do muro e, por meio de imagens de câmeras de segurança, foi possível ver que ele se alongou antes de abrir um baú e pegar a machadinha. Em seguida, pulou o muro e, 20 segundos depois, retornou pelo mesmo local.
As crianças estavam brincando no pátio da creche quando foram atacadas. Os alunos participavam de uma roda de conversa sobre a Páscoa quando tudo aconteceu.

Ataque a creche em Blumenau marcou moradores da cidade – Foto: Divulgação/Vinicius Bretzke/Eduardo Fronza/ND
De acordo com a Polícia Civil, já do lado de fora, dado o nervosismo, o pedal de partida da moto foi quebrado. Momentos depois, o agressor fugiu e foi até um posto de combustíveis, onde comprou uma água e um cigarro.
Após passar três minutos no estabelecimento, o homem saiu em direção ao 10º Batalhão de Polícia Militar de Blumenau, à 150 metros do local. Às 9h08, ele se apresentou aos policiais como autor do ataque a creche.
“Os policiais, naquele momento, não tinham a dimensão e nem exatamente de qual crime que ele estava se apresentando. Os policiais até questionaram o motivo que ele estava se apresentando. ‘Vocês logo vão saber, cometi um crime de grande repercussão, eu matei uma criança e logo vocês vão saber o motivo de eu estar me entregando”, disse o delegado na época.
Em maio, quase um mês após ser preso pelo crime, o homem foi transferido do sistema prisional de Blumenau para a Unidade de Segurança Máxima de São Cristóvão do Sul, no Meio-Oeste de Santa Catarina.
Nos dias 5 e 6 de outubro de 2023, as testemunhas do ataque a creche em Blumenau foram ouvidas pela Justiça. Ao todo, 16 pessoas prestaram depoimento. O MPSC solicitou na época que o acusado fosse submetido ao Tribunal do Júri, o que foi acatado posteriormente.
O ND Mais não irá publicar os nomes do autor e das vítimas do ataque, assim como imagens explícitas do crime. A decisão editorial foi feita em respeito às famílias e ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), também para não compactuar com o protagonismo de criminosos.