
Não perca tempo imaginando que Jair Bolsonaro (PL-RJ) se livrará das acusações e disputará as eleições de 2026 — como o próprio ex-presidente insiste em dizer que acontecerá.
Considere que, desde junho de 2023, quando a Justiça Eleitoral o tornou inelegível por ter reunido embaixadores estrangeiros no Palácio da Alvorada e posto em dúvida a lisura das eleições no Brasil, ele já é peça fora do tabuleiro eleitoral de 2026.
Do ponto de vista jurídico, a situação, que já era ruim para Bolsonaro, ficou ainda pior na semana passada, depois que a primeira turma do Supremo Tribunal Federal (STF) acatou as denúncias contra ele pelos atos do dia 8 de janeiro de 2023. Bolsonaro agora é réu, mas vem sendo tratado por muita gente, inclusive por uma parte importante da imprensa, como se já estivesse condenado.
Talvez esteja mesmo. Tudo parece conspirar contra ele. O paradoxal, porém, é que Bolsonaro até pode — e certamente será — ser impedido pela Justiça de disputar eleições. Mas isso, ao invés de enfraquecê-lo e de condená-lo ao esquecimento, parece aumentar sua força política.
Perseguição
É preciso, de qualquer forma, esperar pelo desenrolar dos fatos para saber como Bolsonaro investirá o capital político que parece aumentar na medida em que sua situação se complica.
Sim! Da mesma forma que aconteceu com Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2018, o processo contra Bolsonaro, ao invés de desanimar, parece aumentar a disposição de seus apoiadores. E, quanto mais os adversários insistem em tirá-lo do jogo, mais os aliados o puxam de volta para a cena.
A primeira pergunta é: como alguém que perdeu o direito de disputar eleições, que tem sido alvo de um processo atrás do outro e que, pelo andar da carruagem, corre o risco de ir parar na prisão pode estar mais forte do que antes?
Para começo de conversa, os aliados de Bolsonaro consideram o tratamento que a Justiça vem dando a ele não como uma punição por falhas que ele porventura tenha cometido. Para eles, tudo não passa de perseguição. Tudo se resume a um conjunto de injustiças praticadas pelos que desejam eliminar qualquer possibilidade de que ele volte ao Palácio do Planalto.
A reação dos bolsonaristas neste episódio, convém repetir, é idêntica à dos seguidores de Lula no calor da Operação Lava-Jato. Não interessa o que os outros dizem. O que vale é aquilo em que eles acreditam.
Nesse ambiente, cada declaração de voto dos ministros no julgamento da quarta-feira passada foi recebida pelos apoiadores mais fiéis de Bolsonaro não como argumentos que demonstrassem a responsabilidade do ex-presidente pelos atos de que está sendo acusado. Para eles, cada decisão da Justiça contra ele nada mais é do que a confirmação de que o ex-presidente está sendo vítima de adversários que não medirão esforços para alijá-lo do jogo.
Veneno Bolsonarista
Antes de prosseguir, um aviso: o que se pretende, aqui, não é discutir a decisão da semana passada pelo aspecto Jurídico.
Não existe, neste espaço, a intenção de avaliar se o STF fez bem ou se fez mal ao transformar Bolsonaro em réu sem acatar um único argumento da defesa.
Também não é o caso de saber se a sentença final, que certamente condenará o ex-presidente, significará a afirmação do Estado de Direito sobre golpistas, como querem os adversários de Bolsonaro.
Ou se, ao contrário disso, marcará a ruína da democracia no Brasil, como afirmam os apoiadores do réu. Essa é uma outra discussão.
Muita água ainda correrá nos 553 dias que, a contar de hoje, nos separam do dia 4 de outubro, data do primeiro turno em 2026. O que interessa, aqui, é saber que, para efeitos práticos, Bolsonaro está fora do jogo eleitoral.
Mesmo assim, ele ainda é um líder capaz de influenciar milhões de seguidores. Isso, claro, terá reflexos decisivos na campanha e no resultado da próxima disputa presidencial.
Para começo de conversa, o afastamento de Bolsonaro não exigirá mudança de postura apenas por parte da direita. Ele terá reflexos, também, na campanha de seu principal adversário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Quem acompanha a política brasileira sabe que, nos últimos anos, um não existe sem o outro. E que uma parte importante do sucesso de Lula nas últimas eleições se deve ao fato dele ter se apresentado como a alternativa capaz de evitar o risco de retrocesso institucional que seus aliados atribuíram à presença de Bolsonaro no poder.
A estratégia deu certo em 2022, embora a vitória tenha sido apertadíssima. Apenas 2,1 milhões de votos, uma gota no oceano de mais ou menos 120 milhões de votos válidos, separaram Lula de Bolsonaro.
Diante de números como esses e, mais ainda, dos resultados de um governo que não conseguiu levar os eleitores ao paraíso prometido, a tendência é considerar o afastamento do ex-presidente como um presente para a campanha petista. Por esse ponto de vista, a remoção de Bolsonaro da cena seria a chave que abriria para Lula as portas para mais quatro anos de governo.
A situação, no entanto, não é tão cartesiana assim. Por mais estranho que pareça, pode-se dizer que a ausência do ex-presidente obrigará à esquerda a adaptar seu discurso a essa nova realidade e isso, pelo visto, não será fácil.
O próprio presidente Lula já demonstrou mais de uma vez que é incapaz de fazer política sem se comparar o tempo todo com seu adversário.
Diante disso, ele deverá conduzir a campanha para 2026 como se Bolsonaro continuasse vivo na disputa.
Não será fácil se adaptar à realidade que obrigará a esquerda a combater o bolsonarismo sem a presença de Bolsonaro em cena. Desde as eleições de 2022, o PT e seus satélites na esquerda — PSOL, do PcdoB, do PSB e de outras legendas nanicas que disputam as migalhas do poder petista — traçaram uma estratégia de ação 100% concentrada na “desconstrução” da figura de Bolsonaro.
Sem jamais considerar que parte da força de Bolsonaro deriva justamente do cansaço da sociedade diante do discurso repetitivo e das práticas viciadas da esquerda, essa turma transformou o ex-capitão numa espécie de Judas Iscariotis a ser malhado no Sábado de Aleluia.
Ainda na presidência da República, ele já era apontadocomo o inimigo a ser batido, a encarnação do mal, a ameaça que só desaparecia com a união de todos os brasileiros.
E mais: em vez de tentar atrair os seguidores de Bolsonaro para seu lado, os apoiadores de Lula sempre fizeram questão de chamá-los de “gado” e outros termos que ofendessem aqueles que não aceitassem Lula como o único antídoto capaz de eliminar o efeito do veneno bolsonarista.
Os paradoxos da disputa
E agora? O que acontecerá sem a presença de Bolsonaro na raia? Será que a esquerda conseguirá repetir o discurso de que “a esperança derrotou o medo” quando a principal fonte de pavor, ou seja, o próprio Bolsonaro, foi removido da disputa?
É provável, pelo que tem sido visto, é que o pessoal fará questão de tratar o ex-presidente como se ele ainda estivesse presente na disputa.
Uma amostra disso foi dada pelo próprio presidente Lula na semana passada. Em viagem ao Japão, ao comentar a decisão do STF de transformar Bolsonaro em réu, o presidente abandonou a fleuma com que vinha tratando a situação jurídica do adversário e rasgou o verbo.
Depois de dizer que “é visível que o ex-presidente tentou dar um golpe” e que “tentou contribuir” para o assassinato do próprio Lula, do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB-SP) e do ministro do STF Alexandre de Moraes, o presidente ainda arrematou em tom de ironia: “ao invés de chorar, caia na realidade e saiba que você cometeu um atentado contra a soberania do país”.
Lula não fez isso por acaso. Experiente e habilidoso como é, ele sabe que, paradoxalmente, a ausência de Bolsonaro dificulta suas chances eleitorais. Sendo assim, fará tudo o que for possível para alimentar o clima de polarização que pavimentou sua vitória em 2022.
O presidente sabe que campanhas de marketing não são suficientes para reverter os efeitos negativos da taxa de inflação crescente e da incapacidade que sua equipe econômica enfrenta para produzir o milagre de continuar gastando e, ao mesmo tempo, pôr ordem na balbúrdia fiscal que tomou conta do país.
O melhor a fazer, diante disso, é continuar agindo como se Bolsonaro ainda representasse uma ameaça e ele é o único capaz de enfrentá-la.
Pelo lado de Bolsonaro, a situação também tem seus paradoxos. O fato de estar fora da disputa não significa que o ex-presidente não terá influência no processo eleitoral de 2026.
Muito pelo contrário. Pode ser até que, afastado da corrida devido a um processo que, desde o início, vem sendo considerado parcial por seus aliados, existe a possibilidade (ou, se preferir, o risco) do ex-presidente passar a ter, a partir de agora, ainda mais influência do que teria caso disputasse a eleição como cabeça de uma chapa de direita.
E mais: se, além de afastado da disputa, Bolsonaro for parar na cadeia, aí é que sua voz se tornará mais influente.
Será tratado por seus eleitores como o mártir imolado em um Tribunal que — aceitem ou não aceitem os ministros e a ministra que o integram — não conta com a simpatia nem com a confiança da sociedade e é visto por muita gente como um mero guardião dos interesses do PT e da esquerda.
Num cenário como esse, qualquer candidato que receba o apoio de Bolsonaro será um nome de peso da disputa de 2026. Basta o ex-presidente apontar o dedo em direção aseu escolhido e dizer “ecce homo” — ou “eis o homem”, na tradução do latim — para que essa pessoa se inclua mediatamente entre os favoritos da disputa.
Cabo eleitoral
A questão, portanto, se volta para o nome que Bolsonaro acabará escolhendo para apoiar —e ninguém deve esperar que ele faça isso neste momento. O que se pode discutir, por enquanto, são as premissas sobre as quais se dará essa escolha.
A primeira delas — o que não deixa de ser outro paradoxo — é que, para ter mais chances de vitória, Bolsonaro precisa escolher alguém que não seja sua imagem e semelhança.
É bem verdade que Bolsonaro, por maior que seja o poder que exerce sobre uma parte mais do que expressiva do eleitorado brasileiro, também conta com índices de rejeição elevadíssimos. Para contornar esse problema e aumentar a possibilidade de vitória de seu candidato, o melhor que ele tem a fazer é abandonar as opções mais à direita ou mais diretamente identificadas com ele — como são os casos de sua mulher, Michelle, de seus filhos Flávio e Eduardo ou de qualquer outro que carregue o sobrenome Bolsonaro.
Chegou, portanto, a hora de Bolsonaro demonstrar o que nunca foi seu forte: habilidade e jogo de cintura.
Queiram ou não queiram seus admiradores, desde que ele começou a despontar como favorito para as eleições de 2018, ele nunca foi o tipo de político capaz de recuar um passo agora para, no momento seguinte, avançar três ou quatro.
Sua vitória naquele ano, bem como seu ótimo desempenho em 2022, se explicam mais pelo fato de se manter sempre na ofensiva do que por capacidade de articulação e habilidade para costurar alianças — disciplinas em que Fernando Henrique Cardoso e o próprio Lula sempre foram catedráticos.
Talvez tenha chegado a hora de se convencer de que sua sobrevivência política, a carreira de seus filhos e até mesmo a manutenção de sua capacidade de liderança dependem dos movimentos que ele esteja disposto a fazer em direção ao centro.
Isso mesmo. A saída para Bolsonaro está na capacidade de se mover em direção ao centro — em vez de insistir no avanço para a direita, como parece propor sempre que abre a boca para falar de política.
Na sexta-feira, enquanto o país ainda digeria a notícia da transformação de Bolsonaro em réu por tentativa de golpe de Estado, Bolsonaro defendeu a reaproximação com o Republicanos, partido de seu aliado Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo.
Se essa iniciativa for adiante e, mais do que isso, se Bolsonaro souber manter essa convivência até o ano que vem, poderá estar movendo uma peça decisiva no tabuleiro de 2026.
Não se trata, aqui, de gostar ou não gostar de Bolsonaro. Muito menos de defender que um governo apoiado por ele seja capaz de fazer melhor do que o de Lula vem fazendo. Nada disso!
O que está em debate é a possibilidade que ele tem de aglutinar pessoas e atrair eleitores — e se alguém negar que ele tem a capacidade de atrair votos do Oiapoque ao Chuí é porque não entende de política ou não quer enxergar a realidade.