Controladores de tráfego aéreo usam Flightradar para orientar pilotos em voos


Uso é proibido porque falta homologação, e controladores admitem que site particular de monitoramento de voos não é ideal. Eles reivindicam instalação de radares. Equipamento, entretanto, não é obrigatório em áreas com menos de 45 mil pousos e decolagens por ano. Site do Flightradar aberto em dois computadores dentro de uma terminal de controle de aproximação
Reprodução/Arte g1
Sem radares em terminais com menos de 45 mil voos por ano, controladores de tráfego aéreo têm usado ferramentas não oficiais de rastreamento de aviões, como o site particular Flightradar, para orientar pilotos de aeronaves que estão fora do seu alcance de visão.
O g1 teve acesso a uma foto que mostra o site aberto em dois computadores usados pelos profissionais e a um documento oficial que identifica e proíbe o uso do sistema. A Aeronáutica diz que desconhece o uso e que os profissionais são treinados para trabalhar com ou sem auxílio de radar.
🔍 O Flightradar monitora voos pelo mundo, utilizando uma rede de estações terrestres e satélites para coletar dados de aeronaves. Embora dê informações de origem e destino, número do voo, tipo de aeronave, altitude e velocidade, especialistas alertam que os dados não permitem aos controladores preverem o que vai acontecer para darem os comandos corretos no tempo adequado.
A ferramenta só é utilizada, segundo os controladores ouvidos pelo g1, como alternativa na ausência de radares que tornariam a operação mais segura e o trabalho, menos estressante. Atualmente, 14 de 40 terminais de controle de aproximação operam sem radar porque, segundo o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea), não atendem aos critérios para sua instalação.
Sem radar, controladores de tráfego aéreo usam Flightradar para orientar pilotos em voos
🔍 Terminais de controle de aproximação geralmente estão nas imediações de um ou mais aeroportos. Os controladores que trabalham nesses locais são responsáveis pelo tráfego aéreo de vários aeródromos da região, não apenas de um aeroporto.
Um dos requisitos para que terminais tenham radar é o tráfego aéreo na sua área ter ao menos 45 mil pousos e decolagens por ano, sendo 10 mil deles de linha aérea regular, ou 60 mil pousos e decolagens, sendo 5 mil de linha aérea regular. Segundo os controladores ouvidos pelo g1, essa é uma “métrica falha e insegura”.
Eles dizem que terminais de Uberaba (MG) e Uberlândia (MG) concentram o maior problema da ausência de radar. As duas áreas têm grande circulação de voos, mas em número menor do que o exigido para a instalação do equipamento. O radar, segundo os controladores, tornaria o trabalho menos estressante e a operação menos arriscada.
O especialista em segurança de aviação e diretor técnico da Associação Brasileira de Segurança de Aviação (Abravoo), Romildo Moreira, concorda. “Alguns aeródromos menores, embora abaixo do mínimo de tráfego previsto para ter vigilância radar, podem ter justificada a instalação desse tipo de serviço pelo considerável movimento aéreo, como é o caso de Uberaba e Uberlândia”.
Uso do Flightradar é proibido pela Aeronáutica
Memorando divulgado internamente pela estatal NavBrasil, proibindo uso de Fligthradar e ferramentas afins.
Reprodução/Arte g1
O g1 teve acesso a um memorando divulgado internamente pela NAV Brasil, empresa pública subordinada à Aeronáutica e responsável pela contratação de parte dos controladores. O documento de fevereiro de 2023 identifica a “utilização de sistemas web pelo efetivo operacional, tais como flightradar24.com, skyvector.com, extraer.com.br e plataformas afins, como ferramenta de consulta e auxílio à prestação dos Serviços de Navegação Aérea”.
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Segundo o comunicado da estatal, que cita uma norma de 2020 do Comando da Aeronáutica, “os sistemas utilizados para fins operacionais devem ser previamente submetidos à validação e homologação” do Decea para garantir a confiabilidade dos dados fornecidos, o que não é o caso do Flightradar.
Três áreas do espaço aéreo, onde os controladores orientam o tráfego das aeronaves
Arte g1
Flightradar como alternativa
Controladores de tráfego aéreo são responsáveis por aviões que estão em procedimento de subida ou descida, a uma altura entre cerca de 1,6 mil metros e 6 mil metros. Como não enxergam a aeronave, eles orientam o tráfego aéreo utilizando informações de radares ou, na falta deles, se baseiam nos reportes de posição feitos pelos pilotos, nem sempre precisos.
Dois controladores ouvidos pelo g1 disseram que, nem sempre, é possível confiar na precisão da localização informada pelos pilotos. Por isso, usam o Flightradar para confirmar se estão mesmo no local que indicam. “Nem todas as aeronaves são pilotadas por profissionais experientes de voos comerciais”, disse um dos controladores.
Todos reconhecem que sites como Flightradar não são o ideal, mas dizem recorrer a eles por necessidade. “Infelizmente, não dispomos de nenhuma tecnologia para visualização de aeronaves. Por isso, tomamos algumas decisões mediante as informações dessa ferramenta. Eu prefiro responder uma advertência por usá-la do que responder por homicídio, caso haja colisão entre aeronaves”, disse um dos profissionais.
Os funcionários também afirmaram que somente o radar oficial é totalmente confiável. “Não são todas as aeronaves que aparecem no Flightradar. Além disso, o radar nos passa de forma fidedigna o nível, o rumo, a velocidade e o tipo da aeronave, entre outras informações”.
Controladores orientam o tráfego aéreo sem ter a localização exata dos aviões
Reprodução/Arte g1
Em outra foto obtida pelo g1, é possível ver que o controlador orienta a rota de três aeronaves ao mesmo tempo. Como não dispõe do radar, ele usa um mapa com um acrílico por cima, onde marca as posições dos aviões, informadas pelos pilotos, e os pontos em que eles poderiam se encontrar.
“Tenho que desenhar a trajetória de voo às cegas, construindo um cenário 3D na minha cabeça, sem saber efetivamente onde as aeronaves estão”.
Três profissionais que relataram o uso do Flightradar trabalham em terminais diferentes e não quiseram se identificar por medo de represálias. Os controladores de tráfego aéreo podem ser militares ou civis. Estes, são funcionários da NAV Brasil. Todos os profissionais ouvidos pelo g1 são da estatal e, diferente dos militares, podem ser demitidos.

14 terminais sem radar
Segundo o Decea, 14 terminais operam sem radar porque não atendem aos critérios para a instalação do equipamento e estão em: Bauru (SP), Ilhéus (BA), Macapá (AP), Marabá (PA), Palmas (TO), Presidente Prudente (SP), Santarém (PA), Teresina (PI), Uberaba (MG), Uberlândia (MG), sob administração da NAV Brasil, e em Aracaju (SE), Boa Vista (RR), Rio Branco (RO) e São Luís (MA), sob controle da Aeronáutica.
Além do critério de número mínimo de pousos e decolagens anual, outra exigência para instalação de radares pode ser também interesse estratégico definido pelo Decea. Um exemplo disso está em Vitória (ES), onde foi instalado o radar, mesmo sem ter o mínimo de operações anuais.
Uma das fontes ouvidas pelo g1 explicou que o aeroporto da capital capixaba costuma receber voos desviados do Rio de Janeiro e, por ter apenas uma pista, os aviões precisam esperar mais tempo para pousar, ficando dispostos em “prateleiras”, separados por altitude.
“Era tão tenso que o estresse adoecia muita gente lá, dava muita saída médica e até afastamento. Então, resolveram colocar radar para os controladores terem uma visão mais ampla do espaço, para saber onde estavam as aeronaves e planejar melhor seus pousos”, disse a fonte.
Militares trabalhando em uma terminal de controle de tráfego aéreo que tem radar oficial
Decea/FAB
De acordo com Kerley Oliveira, especialista em segurança de aviação pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), é importante considerar a demanda dos controladores no momento de decidir sobre a instalação de radares.
“A segurança é inegociável. Se os profissionais estão pleiteando uma ferramenta que vai melhorar o trabalho deles, por que não ouvir? O investimento para instalar um radar é alto, mas se isso garante segurança, deve ser incluído no orçamento”, disse.
A demanda por radares é ampliada pela sobrecarga de trabalho dos controladores e os baixos salários. Segundo o relatório do Decea, em 2023, havia 592 funcionários trabalhando na NAV Brasil, com remuneração bruta a partir de R$ 5.200,00.
Em fevereiro de 2025, a estatal abriu processo seletivo com mais de 600 vagas para profissionais de tráfego aéreo, considerando o cadastro de reserva. Para contratação imediata, serão 58 vagas – quase 10% do efetivo atual. Os salários previstos variam de R$ 5,6 mil a 7,6 mil.
O que dizem a NAV Brasil e a Aeronáutica
Em nota, a Aeronáutica disse que desconhece o uso dos sites e que os profissionais devem utilizar exclusivamente os sistemas e equipamentos homologados para a prestação do serviço de controle de tráfego aéreo .
Ainda de acordo com a nota, a Aeronáutica diz que a ferramenta fundamental para o controlador desempenhar a sua atividade, garantindo a segurança da navegação aérea, é a comunicação. “Para tanto, nas áreas terminais, há frequências instaladas em número suficiente para garantir a disponibilidade dessa ferramenta imprescindível”.
A Aeronáutica afirmou também que os controladores “são capacitados em ambientes simulados de última geração, através de situações de tráfego aéreo em um cenário sem radar e em outras com radar, o que os leva a desenvolverem as habilidades necessárias para exercerem suas funções técnico-operacionais em órgãos de controle de tráfego aéreo com ou sem o Sistema de Vigilância de serviços de tráfego aéreo”.
Por meio da assessoria de imprensa, a NAV Brasil afirmou que todas as terminais de controles de aproximação sob gestão da empresa atendem aos critérios definidos na Instrução do Comando da Aeronáutica nº 63-18/2020 e não possuem movimentação aérea que justifique a instalação do radar.
Informou também que a estatal prevê a instalação de repetidores de vigilância em algumas terminais e que em Teresina, Ilhéus e Palmas a ferramenta já existe.
O repetidor de vigilância é um sistema baseado em microcomputador que permite a repetição das imagens apresentadas na tela do sistema de gerenciamento do tráfego aéreo pelo radar, mas, sem todos os recursos daquele sistema.
“O objetivo é apenas possibilitar ao controlador de tráfego aéreo ou ao operador de estação aeronáutica uma visualização antecipada das aeronaves que lhe serão transferidas”, disse a empresa em nota.
Procurado, o Flightradar não respondeu.

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