Trump e Musk miram ciência nos EUA: entenda como cortes ameaçam clima e segurança


Musk e seu departamento de eficiência anunciaram medida de redução de custos que obriga agências a demitirem. Decisão está movendo uma queda de braço na Justiça, que vem bloqueando os cortes. Elon Musk, com apoio de Trump, tem adotado medidas de pressão contra agências e afetado a ciência no país
Reuters
A ciência nos Estados Unidos está em crise. A razão são os recentes cortes anunciados pelo governo federal sob o comando de Trump, com o apoio de Elon Musk. Juntos, eles dizem querer alcançar uma economia de US$ 1 trilhão, mas seu primeiro alvo tem sido agências que monitoram fenômenos climáticos e até mesmo a Nasa.
Tudo começou em fevereiro, quando ao lado de Elon Musk, o presidente Donald Trump anunciou um esforço para reduzir a força de trabalho federal, identificando funcionários do governo que poderiam ser demitidos e funções que poderiam ser eliminadas completamente.
Com isso, foi enviado um comunicado às agências para que apresentassem um plano. A resposta foi um anúncio de demissões em setores estratégicos para a ciência do clima e até mesmo na agência espacial, a Nasa.
➡️ Na NOAA, por exemplo, quase 10% da força de trabalho foi demitida, o que dá cerca de mil funcionários. A agência reúne alguns dos melhores cientistas do clima do mundo e é responsável pela previsão do tempo, monitoramento de furacões, tornados e tsunamis no país, além de fornecer dados que ajudam a monitorar a mudança climática e seus impactos no mundo.
Para se ter uma noção do impacto, funcionários disseram em entrevistas à imprensa internacional que a redução afeta diretamente a capacidade do país de se preparar para eventos extremos, especialmente após uma temporada recorde de furacões no ano passado.
🔴 Apesar de Trump ter falado publicamente sobre os planos de “colocar a bandeira dos Estados Unidos em Marte”, a Nasa não ficou de fora dos cortes. Na agência, foram anunciadas cerca de 20 demissões e o fechamento do Escritório de Ciência, Política, Estratégia e Diversidade.
Neste momento, os cortes estão suspensos por uma decisão da Justiça, mas os funcionários alegam que ainda não foram liberados para ocupar seus postos de trabalho e avisados que estão restituídos, mas em um tipo de licença.
Especialistas alertam que a perda desses profissionais compromete a capacidade dos Estados Unidos de prever desastres e agir rapidamente, colocando em risco a segurança da população.
Abaixo, neste texto, você vai ler:
Como isso começou
O apagão de dados e o risco climático
As demissões na Nasa e a influência de Elon Musk
Os cortes na pesquisa sobre meio ambiente em meio à negação do aquecimento
E a queda de braço com o judiciário
Elon Musk levou o filho X para uma coletiva de imprensa junto de Trump na Casa Branca
Kevin Lamarque/Reuters
Como tudo começou?
Logo que assumiu, Trump anunciou como parte de seu governo o bilionário Elon Musk. O empresário ficou com o Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês), com o objetivo de dar conselhos para o novo presidente americano sobre onde cortar gastos públicos. O objetivo de Musk é um corte de US$1 trilhão no orçamento americano.
Em 12 de fevereiro, Trump assinou no Salão Oval, ao lado de Musk, uma ordem executiva determinando que as agências americanas—órgãos responsáveis por diversos serviços governamentais—trabalhassem em colaboração com o bilionário e seu departamento para reduzir a força de trabalho federal, identificando funcionários que poderiam ser demitidos e funções que poderiam ser completamente eliminadas.
➡️ Ou seja, era o departamento de Musk que decidiria sobre os cortes. Depois disso, pesquisadores começaram a receber memorandos e e-mails anunciando suas demissões.
Na imprensa internacional, especialistas criticaram a falta de transparência nas decisões de Musk, que não deixou claro quem são os membros de seu gabinete nem como definiu essas prioridades.
Olho do Furacão Beryl é visto do espaço
Apagão de dados e o risco climático
Até agora, uma das agências mais afetadas é a NOAA. A agência é uma referência em observação e pesquisa sobre o clima no mundo.
Entre suas atribuições estão:
Previsão do tempo, com alerta sobre furacões, tornados, inundações e tsunamis;
Gerenciamento da pesca no país;
Administração de santuários marinhos;
Informações para a navegação;
Resposta a desastres;
Monitoramento dos oceanos.
A agência tem cerca de 10 mil funcionários nestas funções, em várias frentes. Segundo o New York Times, a NOAA não confirmou o número de demissões, mas fontes ligadas à agência alertam sobre quase mil desligamentos no início de março.
Entre os demitidos, estão: especialistas em clima, oceanos, biodiversidade e outras pesquisas e campos de monitoramento planetário.
Bombeiro carrega mangueiras diante de incêndio em Palisades, em Los Angeles, nos EUA, em 11 de janeiro de 2025.
Jae C. Hong/ AP
Isso acontece em um momento sensível para os Estados Unidos:
O país enfrentou a pior temporada de furacões da história em 2024, com dezenas de mortes;
Viu as chamas se alastrarem no pior incêndio da história em Los Angeles no início deste ano;
Passou por uma onda de calor extrema em 2023, que trouxe seca por meses em estados pelo país.
Esses eventos são monitorados pela NOAA, que emite alertas à população e apoia no enfrentamento dos desastres.
Na rede social, Andy Hazelton, pesquisador especialista em furacões e recém-demitido da NOAA, comentou que a decisão cria um apagão de dados para o país.
“Isso [as demissões] vai degradar a habilidade de previsão não apenas para modelos americanos, mas para quaisquer modelos que assimilem dados do ar superior. É apenas uma questão de tempo”, comentou Andy Hazelton.
🔴 Além disso, todos os eventos têm algo em comum: o aquecimento dos oceanos – que também é monitorado pela NOAA.
Os especialistas em oceano e clima alertam que a medida do governo Trump acontece em momento delicado para os Estados Unidos, mas também para o mundo. Isso porque não está totalmente claro para os cientistas o que está fazendo as águas aquecerem tanto e é imprescindível entender. Justamente por isso, o trabalho da agência é importante.
Para além do apagão, outra preocupação é como isso vai afetar os serviços de empresas americanas a quem a NOAA fornece informações para suas plantações, navegação, entre outros serviços.
“Esta ação é um golpe direto em nossa economia, porque a força de trabalho especializada da NOAA fornece produtos e serviços que sustentam mais de um terço do PIB do país”, comentou a senadora Maria Cantwell, democrata de Washington.
19 de novembro – A Space X fez seu sexto lançamento da Starship, a maior nave espacial do mundo. O evento teve Donald Trump como convidado de Elon Musk. O empresário foi apoiador assíduo do ex-presidente durante as eleições e deve fazer parte deste segundo mandato de Trump.
Brandon Bell/Pool via AP
Os cortes na Nasa e a influência de Musk
Depois da NOAA, o outro alvo foi a Nasa. A administradora interina da Nasa, Janet Petro, disse aos funcionários por email na última semana que o Escritório do Cientista-Chefe, o Escritório de Ciência, Política e Estratégia e o ramo de diversidade, equidade e inclusão dentro do Escritório de Diversidade e Oportunidades Iguais seriam fechados.
Os cortes anunciados até agora afetam cerca de 20 funcionários, incluindo Katherine Calvin, a cientista-chefe e especialista em ciência climática. Tudo foi feito por e-mail.
Ao jornal The Guardian, trabalhadores demitidos comentaram que os gabinetes tinham importância estratégica e que isso pode abrir espaço para que Elon Musk tenha mais influência sobre a agência, o que seria um conflito. Musk está no governo, mas continua sendo CEO da SpaceX, a gigante do setor de foguetes e satélites.
Segundo o Guardian, os funcionários disseram que permanecerão em seus cargos até o dia 10 de abril. O pouco tempo entre o anúncio de demissão e a saída é fora do padrão, já que as demissões são seguidas de 60 dias para a saída. Isso porque os cargos são estratégicos e de pesquisa, que precisam de uma transição. No entanto, eles informaram que o tempo foi reduzido devido à “necessidade urgente” de cumprir a ordem executiva assinada por Trump.
O chefe da EPA, Lee Zeldin, fala em Ohio, em 3 de fevereiro de 2025.
Rebecca Droke/Pool via REUTERS
Cortes na pesquisa sobre meio ambiente
A Agência de Proteção Ambiental (EPA) dos Estados Unidos, uma das principais organizações de pesquisa ambiental e de saúde humana do mundo, é o próximo alvo de cortes.
O órgão faz pesquisas sobre qualidade da água, solo, mudanças climáticas, gestão de resíduos e ajuda na regulamentação da legislação ambiental no país.
Nesta semana, a agência entregou seu plano de eficiência ao governo, seguindo a ordem executiva de Trump e Musk. A medida prevê redução de 65% do orçamento, segundo o New York Times.
Para essa redução, a agência prevê a dissolução do seu maior departamento, o Escritório de Pesquisa e Desenvolvimento, e com isso a demissão de mais de mil pesquisadores. O corte faria com que a capacidade de pesquisa e regulamentação ficasse às escuras.
A medida é questionada por representantes democratas, contrários a Trump, e pesquisadores, mas está alinhada aos planos do novo chefe da EPA, nomeado por Trump: Lee Zeldin.
Na última semana, Zeldin revogou 31 regulamentações ambientais, incluindo regras cruciais sobre mudanças climáticas, poluição de usinas a carvão e veículos elétricos.
Em sua ação, ele ainda questiona e diz que quer reescrever a descoberta científica da agência, feita em 2009, que aponta que os gases de efeito estufa que aquecem o planeta colocam em risco a saúde e o bem-estar públicos – o que é um consenso global.
Queda de braço judicial
As decisões têm movido uma reação de queda de braço com o judiciário americano, que tem emitido pareceres bloqueando os cortes.
Dois juízes federais exigiram que o governo do presidente Donald Trump recontrate milhares de trabalhadores em estágio probatório dispensados ​​em demissões em massa em diversas agências.
Em ações diferentes, os juízes encontraram problemas legais na forma como as demissões em massa foram realizadas e ordenaram que os funcionários fossem trazidos de volta ao trabalho, pelo menos temporariamente. O governo Trump já apelou da primeira decisão.
As decisões seguem o pedido de mais de vinte estados que entraram com uma ação judicial alegando que as demissões em massa são ilegais e já estão tendo impacto nos governos estaduais, que tentam ajudar os repentinamente desempregados.
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