
“A cidade não é um problema, a cidade é a solução.” Jaime Lerner
As cidades não são estruturas estáticas, mas organismos vivos em constante transformação. No primeiro estágio evolutivo, denominado Cidade 1.0, as comunidades dependem diretamente dos recursos naturais locais, sem acesso significativo a cadeias estruturadas de suprimento ou processos industriais organizados. Predomina uma economia de subsistência, baseada em agricultura rudimentar, caça e pesca.
Neste cenário, as relações sociais são eminentemente comunitárias e informais; todos se conhecem pessoalmente, porém não existem instituições formais de governança, segurança pública ou defesa militar. Essa ausência de estruturas expõe essas comunidades a uma constante vulnerabilidade frente a ameaças externas. Além disso, a mobilidade é limitada a meios básicos, tais como deslocamentos a pé, animais ou veículos simples como bicicletas e motocicletas rudimentares. A precariedade ou inexistência de serviços básicos, especialmente em educação e saúde, mantém essas populações em permanente vulnerabilidade socioeconômica. Um exemplo seria as tribos amazônicas Yanomami.
O segundo estágio, denominado Cidade 2.0, emerge quando uma instituição organizada—seja ela religiosa, monárquica ou estatal—passa a exercer algum nível de controle sobre a comunidade. Nesse ponto, são introduzidos mecanismos elementares de governança, como sistemas tributários, participação militar organizada, processos de escolha ou indicação de representantes e o surgimento das primeiras cadeias estruturadas de suprimento.
Ao integrar-se a entidades maiores, a comunidade espera receber em troca benefícios como segurança interna e externa, sistemas básicos de leis e regras, além de mecanismos estruturados para resolução de conflitos. Um exemplo histórico desse estágio pode ser observado na evolução das vilas medievais europeias, que passaram a se organizar em torno de feudos ou entidades religiosas, garantindo proteção militar e estabilidade mínima em troca de tributos.
No estágio intermediário, denominado Cidade 3.0, ocorre uma forte especialização econômica e social. Exemplos emblemáticos incluem Hollywood, reconhecida pela indústria cinematográfica; Detroit, que historicamente dominou a indústria automobilística; Cambridge, conhecida pela excelência acadêmica; o Vale do Silício, referência global em inovação tecnológica; ou ainda Bonito, no Rio Grande do Sul, especializado em agronegócio e ecoturismo.
A singularidade dessas cidades reside na arquitetura de seu ecossistema, composto por universidades, investidores, centros especializados em pesquisa e desenvolvimento, tribunais e serviços jurídicos específicos, capital humano altamente qualificado, eventos nacionais e internacionais, e uma robusta cadeia integrada de suprimentos. É justamente essa complexidade que dificulta a replicação de tais ecossistemas em outras regiões.
Quando múltiplas especializações urbanas convergem em uma única metrópole, surge o fenômeno das Cidades 4.0, também conhecidas como “supercidades” ou “cidades que nunca dormem”. Exemplos clássicos são São Paulo, com seus mais de 12 milhões de habitantes, Nova York e Shenzhen.
Essas cidades concentram infraestrutura altamente desenvolvida, como grandes hospitais, universidades renomadas, shopping centers extensos, redes diversificadas de comércio e gastronomia, além de enfrentarem desafios complexos como imigração, trânsito intenso e problemas sociais diversos.
Para administrar esse alto grau de complexidade, faz-se necessária a incorporação intensiva de tecnologias avançadas, incluindo Big Data, Inteligência Artificial (IA), Internet das Coisas (IoT), sistemas inteligentes de tráfego e centros integrados de comando e controle. Um exemplo concreto disso é o sistema inteligente de gestão de tráfego e segurança pública em Shenzhen, na China, que reduz congestionamentos e melhora significativamente a resposta a emergências.
Antes de abordar o conceito avançado da Cidade 5.0, é essencial compreender o papel das Zonas Experimentais de Governança Autônoma (ZEGA). As ZEGAs são microcidades que funcionam como verdadeiros laboratórios sociais e políticos, criadas sob regimes especiais de concessão, com autonomia suficiente para testar estruturas alternativas de governança em pequena escala.
Nestes ambientes controlados, é possível experimentar novos métodos democráticos, como modelos avançados de votação popular e orçamento participativo, além do uso de tecnologias disruptivas como as Organizações Autônomas Descentralizadas (DAOs). Essas organizações operam por meio de contratos inteligentes, garantindo transparência total no registro de ativos e interações entre cidadãos e governos locais.
A vantagem crucial dessas zonas reside na possibilidade de testar inovações regulatórias e administrativas antes de implementá-las em larga escala, aproximando a gestão pública de um paradigma mais científico e menos ideológico, semelhante ao que tem demonstrado sucesso em experiências recentes na China, como a Zona Econômica Especial de Shenzhen.
O conceito mais avançado dessa trajetória urbana é representado pela Cidade 5.0, cujo propósito central é a erradicação sistêmica e escalável da pobreza – a industrialização deste processo. Diferentemente dos estágios anteriores, a Cidade 5.0 não cresce organicamente ou de forma aleatória, mas é propositalmente planejada, desenhada e construída com o objetivo explícito de resolver problemas sociais específicos de maneira integrada, eficiente e sustentável.
Inspirando-se na Lei de Moore—que prevê a duplicação periódica da capacidade tecnológica dos microprocessadores—propõe-se a criação da “Lei PRIME”, que define a redução média dos custos de retirar um cidadão da zona de pobreza, consequentemente transformando o investimento privado no programa social, menos arriscado ou seja, mais atrativo.
Nesse modelo, cada nova Cidade 5.0 é desenvolvida com base no conhecimento acumulado em projetos anteriores, o que torna cada iniciativa sucessiva mais inteligente, eficaz e economicamente atraente.
Para coordenar e impulsionar globalmente esse movimento, surge a PRIME Society, uma entidade privada reguladora, sem fins lucrativos, dedicada ao desenvolvimento de padrões internacionais, ferramentas e melhores práticas em governança urbana e social. A PRIME Society funciona como um núcleo global de conhecimento compartilhado, permitindo a diferentes países aprender uns com os outros, otimizando resultados coletivos e acelerando significativamente o progresso social e econômico.
A Cidade 5.0, portanto, converte a resolução de desafios sociais críticos, como a erradicação da pobreza, em oportunidades estratégicas de investimento sustentável. O resultado é benéfico não apenas aos cidadãos diretamente envolvidos, mas produz valor econômico e social tangível para toda a sociedade, fortalecendo seu tecido social e econômico.
Convide seus representantes políticos locais—prefeitos e vereadores—a conhecerem e implementarem com urgência o conceito das Cidades 5.0 em seus municípios, promovendo inovação social, crescimento econômico inclusivo e uma transformação real na qualidade de vida dos cidadãos.
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No dia 28 de maio teremos em São Paulo o evento “Cidade 5.0 – Quando Erradicação de Pobreza é um bom Negócio”. Sua participação é importante para colocarmos um ponto final em um problema que assombra o Brasil há séculos.
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