Mulher pula de prédio pra fugir do companheiro: ‘Vivi um terror’

Jhenipher pulou de prédio para fugir de Pablo HenriqueMontagem/iG

Perseguida pelo próprio marido dentro de casa, Jhenipher Sabriny Gonçalves de Oliveira, de 31 anos, viu apenas uma saída para escapar da morte: pular do segundo andar do prédio onde morava, em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

A Polícia Civil investiga o caso como tentativa de feminicídio e busca por Pablo Henrique de Oliveira Rodrigues, de 32 anos, que está foragido desde o dia 10 de março, quando teve a prisão decretada. 

Em entrevista exclusiva ao Portal iG, Jhenipher relatou cada processo que viveu desde os desentendimentos com o ex-marido, envolvendo a tentativa de feminicídio, até a luta pela vida nos dias atuais.

“Até um certo ponto da vida, no qual vivi com ele por nove anos, foi um período tranquilo. E de uns dois anos pra cá, a gente começou a vivenciar na vida profissional algumas coisas novas, e tudo foi mudando. Só que ele também foi mudando a natureza dele. Ele mudou a forma de agir com os clientes, ele mudou a forma de agir com o próximo, agir com a família, de maneira geral, ele se transformou. Mas de seis meses pra cá, ele ficou um cara pouco paciente, muito estourado com tudo.”, iniciou a vítima.

“Se puxarem o extrato histórico de ocorrência policial, vão ver que de um tempo para cá ele estava sendo contínuo, está envolvido em algum tipo de tumulto. Briga de trânsito, confusão…teve um episódio em que ele brigou com o porteiro do condomínio, quebrou a portaria do condomínio, onde ele residia […]. Até aquele momento do fato ocorrido, ele nunca havia puxado uma faca pra mim, ele já havia sido agressivo com palavras ofensivas, às vezes aquela pegada mais forte, aquela saculejada, aqueles primeiros sinais que a pessoa já não é aquela pessoa que a gente casou. Só que ele nunca me ameaçou de morte, ele nunca falou comigo assim: ‘hoje eu vou te matar'”, relatou Jhenipher sobre os primeiros sinais de violência do ex-marido.

A vítima acredita que todas as mudanças comportamentais de Pablo tenham começado em função de um possível vício em drogas. De acordo com ela, a briga no dia 12 de fevereiro deste ano, iniciou após Pablo pedir R$ 10 mil emprestado.

“Eu acredito que ele tenha se envolvido com drogas. Foi evoluindo esse quadro e chegou um ponto que ele já não conseguia esconder. Eu acredito até que esse dinheiro, esse motivo dessa briga, ou ele estava devendo na rua, ou ele ia comprar droga. Eu acredito que era algo dessa natureza. Ninguém se altera assim do nada”, afirmou.

“No dia em questão, a gente entrou dentro de casa, não havia motivo nenhum de discussão. Ele veio da cozinha, eu estava no quarto, e ele perguntou pra mim: ‘cadê os 10 mil reais em espécie?’. Eu falei ‘ele está guardado, amanhã é dia que vence o aluguel eu vou pagar.”, contou Jhenipher.

“Ele falou: ‘então você me dá o dinheiro’, e eu neguei. Ele foi na cozinha, voltou com a faca, e eu perguntei: ‘você tá ficando louco?’. Ele falou ‘vou acabar com isso hoje’. Eu falei para ele que iria dar os R$ 10 mil a ele, mas ele negou e falou que iria me matar e ‘resolver o problema de uma vez’. Naquele momento, eu vi que o problema dele não era o dinheiro, na hora que eu soltei a hipótese de liberar o dinheiro, ele já não queria o dinheiro e estava disposto a me matar”, relata a vítima.

“Quando ele veio pro meu lado com a faca, que ele estava disposto a me matar, eu dei um pulo pra trás e gritei assim ‘calma, calma, se você me esfaquear, o meu filho vai herdar os carros, você vai ficar sem os carros’. Porque na cabeça dele, o que é dele é dele. E aí aquilo ali tocou nele, porque querendo ou não, era um valor significativo. Ele pegou o telefone e ligou para o irmão dele de quatro a seis vezes. Nesse período em que ele ligou, ele falava para o irmão: ‘me manda seu CPF, abre a carteira digital que a gente vai te transferir os carros, porque o meu casamento acabou, e eu vou resolver isso agora’.”

Pablo está foragido e está sendo procurado pela políciaReprodução/Instagram

“Não sei te explicar a loucura que passou na minha mente. Eu pensei: ‘Deus, eu não posso ser mais um número, eu vou aparecer como mais um número, mais uma mulher que morreu’. Só que na hora que eu olhei pra esquerda, eu vi a janela e pensei assim: ‘Deus, se eu tenho uma chance de viver é lá fora, aqui eu tenho certeza que eu vou morrer esfaqueada”, disse Jhenipher ao relatar a experiência vivida momentos antes de pular de uma altura de sete metros.

“‘Eu não aceito ser mais um número, Deus, manda um anjo pra me pegar pelas mãos e me levar […]. Se for pra eu morrer, eu não vou morrer esfaqueada, mas se eu se o Senhor tiver propósito na minha vida me deixa viver foi nesse momento’, foi o que eu disse para Deus naquela hora.”. Jhenipher relatou que sentiu muita sede e medo, e chegou a pedir água para o marido, que negou deixar o quarto e continuava a dizer que estava disposto a assassiná-la.

Uma luz no fim do túnel surgiu na vida de Jhenipher quando, inesperadamente, uma vizinha gritou, chamando a atenção de Pablo, que temeu que alguém o flagrasse com uma faca na mão e fosse testemunha de um possível crime.

“Aí a vizinha gritou, por algum motivo que eu não sei te falar.. Ela gritou alto e ele abriu a porta do quarto, olhou para a porta principal do apartamento […]. Ele achou que a vizinha poderia estar olhando. Então ele jogou uma bermuda em cima da faca e olhou pela janela. Sem sair do quarto, ele deu um passo pra fora do quarto e deu as costas. A minha mão direita abriu a janela, o pé direito pisou na beirada da cama e eu coloquei metade do meu corpo pra fora e me joguei sem medo”, contou.

A faca segurada por Pablo, de acordom com a vítima, era do tipo ‘a laser’, que não precisa ser amolada e contém um poder de corte altíssimo.

“Você imagina o cara esfaqueando uma mulher magra, um homem de 1,90m, duas facadas já era o suficiente, a faca me atravessava com a maior facilidade, eu sou bem magra. Eu tinha certeza que eu ia morrer esfaqueada, então entre morrer esfaqueada e pular, eu não tive medo de pular”, acrescentou.

A mulher afirmou que, após a sua queda, muitas pessoas correram para o lugar onde ela estava caída para socorrê-la, mas Pablo tentou impedir a ligação para a Samu.

“Quando eu caí no chão, eu levantei a cabeça e percebi que eu não tinha braço e nem pernas para me levantar, eu não tinha força. O nível de dor era extremo, é tudo muito rápido. E quando eu abri os olhos, vi um lamaçal de sangue muito denso, escuro, grosso”, afirmou Jhenipher, que acreditou que teria cortado a cabeça ao ver o sangue no chão.

“Eu comecei a gritar socorro. Os vizinhos abriram a janela e começaram a gritar. Aí veio um homem que estava dentro do carro e começou a correria. Ele (Pablo) veio descendo pela escada, só que voltou pra trás, eu acredito que ele poderia estar com a faca”. Ela afirma que Pablo a pegou no colo sem delicadeza, e em seguida negou um pedido de chamada da Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) sugerido por outro morador.

Jhenipher sofreu lesões nos braços e nas pernasReprodução/Arquivo pessoal

Na queda, Jhenipher afirmou que o pé direito encolheu 15 centímetros, quebrou a bacia e, além disso, o fêmur teria invadido por 15 centímetros as nádegas.

A mulher, propositalmente, disse ao marido que não contaria para ninguém sobre a ameaça de morte, mas pediu para que ele a levasse para o hospital. No caminho para o atendimento médico, Jhenipher tentou sinalizar para um carro da polícia que estava na beira da estrada.

“E aí ele já viu que dali para frente, ele já não podia sumir com o meu corpo, porque já tinha a polícia envolvida. Foi isso que fez eu levar o braço para fora, mesmo eu sentindo aquela dor extrema.”

Chegando ao hospital, Jhenipher alega ter sofrido novas ameaças, com Pablo afirmando que, caso o episódio fosse relatado para alguém, ele mataria a mãe e o filho da vítima.

“Me fiz de desentendida e falei: ‘você tá ficando doido? Você é o amor da minha vida, eu não vou contar, isso foi um acidente’”, disse Jhenipher.

“Se ele pusesse um travesseiro na minha cara, eu não teria condição de me segurar, meus dedos não abriam, minhas mãos não abriam. O meu pulso estava extremamente inchado, totalmente deformado. O meu corpo estava todo arrebentado. Eu pensei: ‘se eu contar pra alguém aqui no hospital, minha mãe e meu filho vão morrer. Ele me deu a entender que isso iria acontecer com apenas uma ligação, então eu fiquei caladinha”, completou.

Jhenipher ficou por três dias em um hospital de Contagem, e depois disso foi transferida para um hospital especializado em Belo Horizonte, que atenderia às suas necessidades. No hospital, a vítima relatou que nos primeiros dias não recebia visita de ninguém, apenas de Pablo, que impedia que a família sequer imaginasse o que havia ocorrido. Além disso, o homem proibiu que ela utilizasse o próprio celular.

Pablo henrique de oliveira rodrigues tem aproximadamente 1,90mReprodução

Após alguns dias hospitalizada, Jhenipher conseguiu convencer o ex-marido de que precisava falar sobre seu estado de saúde para a sua mãe, prometendo a ele que não contaria nada sobre a tentativa de assassinato.

“Ele ligou pra minha mãe de vídeo, eu olhei pra minha mãe e falei ‘Mãe, eu estou bem, eu tive uma queda, mas eu estou muito bem mãe. Olha aqui para a senhora ver, o Pablo tá comigo, ele tá me acompanhando, tá vendo por qual motivo a gente tem que casar bem, mãe? A pessoa não te abandona na hora que você mais precisa, tá vendo, mãe?’. Ela fez uma leitura facial e entendeu tudo o que eu estava falando […]. ‘Fala com a família que eu tô muito bem, fica tranquila’. Assim eu respondi pra ela. Ela entendeu o que eu quis dizer na hora”, contou Jhenipher.

No penúltimo dia presente no hospital, Jhenipher afirmou que Pablo a agrediu novamente, e que ela sentiu uma dor que jamais havia sentido na vida antes.

“No penúltimo dia, no dia 23, ele chegou (no hospital) para dormir, por volta de 19h30. Não me perguntou nada, foi para bater cartão, não sabia nem se eu tinha tomado café direito. Nesse dia eu estava muito dolorida, minha bacia estava muito machucada, muito dolorida. Falei com ele: ‘nossa, tô sentindo muita dor’, e aí ele começou a xingar um monte de palavrão.Por um minuto, ele esqueceu que tinha uma menina no quarto comigo, inclusive ela tampou a cara quando viu.”, iniciou o relato.

“Ele pegou a mão dele e apertou muito forte o meu pé direito, que é o mais arregaçado. Eu não havia feito cirurgia ainda. Levantou o meu pé lá em cima, no máximo que ele conseguiu, e soltou. O meu calcanhar bateu na beirada (da cama) e eu gritei de dor. Foi algo tão forte que a minha pressão alterou, o médico veio, o enfermeiro veio, perguntaram o que aconteceu, e eu não podia contar. Ele ficou lá fingindo que não era nada”, acrescentou a vítima, que alegou que mesmo após a morfina ser aplicada pelos enfermeiros, não sentiu a sua dor diminuir.

“No dia seguinte, ele levantou às 5 horas da manhã e falou comigo assim: ‘hoje eu vou ter que sair mais cedo porque eu tenho que visitar um cliente no interior. Eu falei: ‘Pablo, então você deixa o telefone?’, e ele perguntou o porquê. Eu expliquei que precisava do telefone pois poderia acontecer alguma emergência ou iniciar a cirurgia. E então o telefone ficou lá, longe de mim, mas comigo”.

A partir deste momento, após a viagem de Pablo para o interior, Jhenipher pediu para que outra paciente na sala a ajudasse a pegar o seu celular. Com o telefone em mãos, ela ligou para uma advogada, que até então não conhecia, e relatou a linha do tempo de tudo o que havia vivido com o ex-marido.

A advogada fez uma visita ao hospital, ouviu tudo o que Jhenipher tinha a dizer e, logo, conseguiu uma medida protetiva, impedindo que Pablo visitasse novamente o local. Para aumentar a proteção, Jhenipher teve a sua identidade trocada e ganhou escolta policial no leito.

Traumas e pesadelos

“Na forma física, eu estou fazendo tratamento médico. As dores são constantes. Inclusive, o fato de eu ter me quebrado muito, o corpo está trabalhando muito para recuperar a quantidade de fratura. No pé direito, a minha fratura foi extrema. Eu tenho muitos parafusos, então eu não durmo, talvez umas duas horas durante a madrugada. O restante da madrugada é acordada. Não adianta tomar remédio, isso é do corpo”, iniciou Jhenipher.

Além das dores físicas, a vítima relatou que também segue sofrendo no contexto psicológico.

“Eu não estou fazendo tratamento psicológico no momento pelo fato de eu ter que ficar escondida, e de eu estar no estado em que estou, sem poder pisar no chão, dependendo dos outros para me colocar em cadeira, para tomar um banho, dependendo de ajuda para fazer um xixi. Eu não consigo me locomover e estou totalmente travada numa cama”, acrescentou.

“O terror que eu vivi, o que eu vivenciei, a pressão que eu senti foi tão grande, que essa semana eu estou me sentindo mais aliviada durante a madrugada, mas eu não podia fechar os olhos que eu sonhava que eu estava sofrendo um acidente, que alguém estava me esfaqueando, que eu estava correndo de faca, porque o terror que eu vivi foi algo que eu não desejo para ninguém.Eu sofri acidente de carro em sonho, vi os outros me perseguindo, é tudo coisa da mente, né? O descontrole psicológico da gente, o psicológico ficou destruído com o que aconteceu.”, finalizou a vítima, que recebeu alta hospitalar no dia 3 de março.

Na mira da polícia

A Justiça de Minas Gerais determinou a prisão de Pablo Henrique de Oliveira Rodrigues, de 32 anos, por feminicídio. O homem está foragido.

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