Mãe ainda procura corpo do filho um ano após pior chuva da história de Mimoso do Sul, no ES, e cidade teme nova tragédia


g1 foi até Mimoso do Sul, no Sul do Espírito Santo, para mostrar o que foi feito e o que ainda não saiu do papel parar evitar problemas como enchentes do rio que corta a cidade. Mimoso Sul: 1 ano da maior tragédia que destruiu a cidade
O dominó na praça, o carro de som do comércio, o cheiro de leite fervente na cooperativa são cenas comuns da cidade que mostram que a rotina em Mimoso do Sul, no Sul do Espírito Santo, insiste em voltar à normalidade um ano após o maior desastre ambiental que atingiu o município. Em março de 2024, a chuva que atingiu a região deixou 18 mortos e um rastro de destruição.
Apesar dos meses que se passaram, para Maria Helena Firmino, de 72 anos, foi difícil recomeçar. Para a aposentada, a vida parou na madrugada do dia 23 março do ano passado, quando o filho Laílson Firmino, de 52 anos, saiu para ver o alagamento provocado pela forte chuva e nunca mais retornou.
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“Ele foi e não voltou. […] A minha vida tá parada, é muito difícil. Queria muito ter uma resposta e não tenho. Todo dia eu pergunto onde foi o meu filho. Penso nele. Eu só queria saber. É muita saudade”, contou a mãe, exibindo uma foto do filho pela janela da casa onde mora.
Maria Helena guarda apenas uma única foto pequena do filho, de tamanho 3×4. Laílson morava com a mãe, dividia a casa e era a companhia da matriarca, que hoje segue sozinha vivendo no mesmo lugar, olhando pela mesma janela a rua por onde o viu sair pela última vez.
Maria Helena Firmino, 72 anos, mãe do Lailson Firmino, que desapareceu na madrugada do dia 23 de março de 2024, durante a chuva em Mimoso do Sul. Espírito Santo.
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“Aqui na foto ele tava bonito, arrumado para um compromisso de trabalho [falou admirando a imagem]. Ele era bonzinho, nós ‘se dava’ bem, vivia bem aqui”, disse ela sobre o mais velho dos quatro filhos.
A mãe ainda tem esperança de que o corpo de Laílson possa ser encontrado. As buscas ocorreram por 20 dias ininterruptos de trabalho do Corpo de Bombeiros na cidade, até serem encerradas no dia 11 de abril de 2024.
Entre a noite do dia 22 e a madrugada do dia 23 de março, a chuva em Mimoso do Sul ultrapassou os 600 milímetros, de acordo com medições em pluviômetros manuais, em algumas regiões da cidade, o que fez o Rio Muqui do Sul subir mais de nove metros.
Além de Laílson, que é considerado desaparecido, 18 pessoas morreram após a enxurrada. Dez mil pessoas tiveram que deixar suas casas e mais de 800 comerciantes foram atingidos.
A cidade do Sul capixaba possui pouco mais de 26 mil habitantes, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020, o que reforça a proporção do impacto.
A tragédia em números:
🌧 Mais de 600 milímetros (mm) de chuva em 24h;
🏞 Nível do Rio Muqui do Sul ultrapassou os 9 metros;
✝️ 18 mortos;
❓ 1 desaparecido;
🏘 10 mil pessoas tiveram que deixar a suas casas;
🏚 2.996 casas atingidas na sede do município;
🏫 12 escolas atingidas;
🏥 29 estabelecimentos de saúde atingidos;
🏪 806 comércios destruídos;
⛪️ 29 igrejas afetadas.
*Fonte: Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN) com apoio do Núcleo de Operações e Transporte Aéreo da Secretaria da Casa Militar (Notaer).
Moeda solidária auxiliou famílias e impulsionou o comércio
Moeda Solidária foi criada em Mimoso do Sul para destinar doações feitas em dinheiro e movimentar o comércio local. Espírito Santo.
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Depois da chuva, quando a água abaixou, ficaram as famílias em luto com as perdas de parentes e amigos, os rastros de lama e destruição e uma cidade inteira desolada. Entrou em cena a solidariedade para ajudar os atingidos.
No primeiro momento, chegou o que era mais emergencial: comida e água. Depois, começaram a vir roupas, produtos de limpezas, colchões e cobertores. Mas houve aqueles que optaram por fazer doações em dinheiro. Foi por isso que surgiu a Moeda Solidária, iniciativa da Paróquia São José.
“Lançamos um PIX e concentramos as doações que chegaram dessa forma. No total, foram feitos R$ 900 mil em transações, enviadas não apenas do Espírito Santo, mas de todo o Brasil”, contou o padre Gracione Augusto Alves, idealizador do projeto.
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Após um acordo da paróquia com a prefeitura, foi feito um acordo sobre como esse recurso doado poderia ajudar as famílias necessitadas e fazer o dinheiro circular em Mimoso do Sul.
“O benefício alcançou 1.500 famílias, cadastradas por coordenadores eclesiais de base das paróquias, que fizeram visitas e um mapeamento das pessoas mais atingidas. A prefeitura, por meio da Secretaria de Ação Social, também auxiliou”, pontuou o padre.
De um lado, foram priorizadas famílias com renda mais baixa e que eventualmente não conseguiram outro tipo de auxílio financeiro após a chuva. Cada uma recebeu R$ 600. Do outro, coube à Associação Comercial, Industrial e Agro de Mimoso do Sul (Ascomi), o cadastro dos empresários interessados em aceitar a Moeda Solidária.
Moradores de Mimoso do Sul, como a professora aposentada Rita de Cassia Setimi, receberam a Moeda Solidária. Espírito Santo
Ana Elisa Bassi
Ao todo, mais de 200 empresas, dos mais diversos segmentos, como roupas, supermercados, eletromóveis, material de construção, farmácias, provedores de internet, pet shops e óticas se apresentaram.
Depois que as notas sociais de R$ 100 e R$ 200 foram distribuídas passaram a ser utilizadas para compras ou quitação de débitos em estabelecimentos comerciais da cidade.
Quando a campanha terminou, a Ascomi recolheu as notas do comércio, que foram destruídas, para evitar qualquer situação irregular. Também foi feita uma prestação de contas, entregue para a Prefeitura de Mimoso do Sul, Ministério Público, Câmara de Vereadores e Diocese de Cachoeiro de Itapemirim.
História perdida nos livros de registros da Igreja
Livros de registros da Paróquia São José, em Mimoso do Sul, Espírito Santo.
Ana Elisa Bassi
Uma casa completamente destruída, paredes derrubadas, lama, móveis que viraram entulho e carros de cabeça para baixo é o primeiro impacto que se tem ao olhar a cidade que foi devastada pela chuva.
Com a limpeza, os moradores percebem as perdas presentes nos detalhes, como nas fotos de família que não existem mais; em documentos perdidos ou sujos; na falta de um objeto especial; do livro de cabeceira destruído ou a travessa mais bonita que servia o almoço que foi quebrada ou levada pela enxurrada.
A Paróquia São José também teve a secretaria coberta pela enchente. Hoje, os fiéis ainda sentem a falta das informações dos livros de registros, que ficaram molhados e sujos de lama.
“São registros de batismo, de crisma e casamentos que, na verdade, são registros das famílias, são as histórias das famílias da cidade. […] Foram seis meses só para conseguir secar as páginas, mas muita escrita desapareceu e a gente gostaria de recuperar”, lamentou Gracione.
São 72 livros ao todo. Os primeiros datam de 1935. Segundo o pároco, foi feito contato e um orçamento com uma equipe da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) , que estimou que o trabalho de restauração ficaria em R$ 555 mil.
“Além da história, tem também questões da vida prática. Por exemplo, as pessoas precisam do registro de batismo e de crisma para dar entrada em um pedido de casamento. O que faz? No ano que passou, a Diocese autorizou que a gente fizesse declarações alegrando a chuva, mas e depois? A gente quer recuperar essas informações, mas precisamos captar recursos”, avaliou.
Mais de R$ 7 milhões para remoção de entulhos
Parque de Exposições de Mimoso do Sul com os entulhos retirados da cidade após a chuva, em abril de 2024, e sem, em março de 2025.
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A lama e o entulho que foram recolhidos nas ruas de Mimoso do Sul após a enchente foram colocados em dois locais. Um grande lixão foi criado na entrada da cidade e, outro, ainda maior, foi improvisado no Parque de Exposições.
A prefeitura estima que R$ 7 milhões de reais foram gastos para levar as mais de 216 mil toneladas de material para um aterro sanitário em Cachoeiro de Itapemirim, na mesma região.
Tão impressionante quanto a montanha de entulho criada era a montanha que roupas que lotavam o Ginásio de Esportes de Mimoso do Sul. Há onze meses atrás, para entrar no local, era preciso, literalmente, escalar as doações, e fazer um trabalho de formiguinha abrindo clarões entre as peças.
Ginásio de esportes de Mimoso do Sul com roupas doadas, em abril de 2024, e sem, em março de 2025.
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O município chegou a fazer um apelo para que as doações desses itens parassem de ser enviadas.
A maior parte das peças foi doada a famílias que precisavam. Porém, as que não tinham condições de uso foram ensacada e ficaram meses em um galpão esperando autorização do Ministério Público para serem descartadas, o que aconteceu na última semana.
A reconstrução em números:
🍏 2973 cestas, 5021 kits dormitórios, 3619 kits de limpeza distribuídos;
💳 R$ 7.588.000,002 pagos a 168 famílias pelo Cartão Reconstrução;
💰 Mais de R$ 100 milhões em recursos próprios do governo do estadual e da prefeitura em ações já executadas e em execução;
💰 R$ 36,7 milhões liberados para empresas do município em 102 operações de crédito realizadas pelo Bandes;
🌉 7 pontes reconstruídas;
🏫 6 escolas restabelecidas (entre unidade de ensino básico, fundamental e pólo de universidade aberta);
👨🏻‍⚕️ 4 unidades de Estratégia Saúde da Família restabelecidas;
🛤️ Mais de 10 prédios públicos recuperados, entre eles, a Estação Ferroviária, Centro de Convivência de Idoso, Sede da Prefeitura, Cras, Creas, Casa da Mulher e Conselho Tutelar.
*O levantamento foi feito com a Prefeitura de Mimoso do Sul e o Governo do Espírito Santo.
Além dos pontos citados, foi feita a manutenção e fornecimento de grades de ferro para caixas coletoras, reposição de paralelepídeos nas ruas, reconstrução de muros de contenção, restabelecimento de pavimentação asfáltica e blocos de concreto intertravados, entre outros.
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E se chover?
Mimoso do Sul. Espírito Santo.
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Um sentimento quase unânime de moradores de Mimoso do Sul é o medo de que uma tragédia como a de 2024 se repita.
De acordo com o mapeamento realizado pelo governo federal, por meio da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), no município, atualmente, 887 famílias vivem em áreas de risco geológico, enquanto 1.120 famílias estão em áreas de risco hidrológico.
Tanto governo do estado como a prefeitura dizem, entretanto, que este número ainda está sendo atualizado.
Um dos que afirmou não dormir tranquilo quando começa a chover na cidade é o prefeito Peter Costa (Republicanos).
“Com certeza, eu tenho medo. Quando começa a chover eu só peço a Deus para que seja uma chuva passageira, para que não seja como aquela chuva do ano passado. […] Se chover o que choveu da vez passada, 700, 800 milímetros, a cidade vai passar pelo que passou outra vez, com certeza”, afirmou.
Chuva arrasta caminhão do Corpo de Bombeiros em Mimoso do Sul, no ES
Peter Costa destacou três obras que precisam ser feitas para garantir uma mudança de cenário para a população.
De acordo com o prefeito, uma primeira dragagem nos rios da cidade já foi executada, alargando os leitos, mas que uma nova intervenção precisa ser feita para aprofundar os mesmos. A previsão é que a obra comece ainda em março.
O investimento vai ser de R$ 3,3 milhões destinados pelo governo do estado, com previsão de conclusão no primeiro trimestre de 2026.
Além disso, existe a previsão de construção de duas barragens secas, a 6 km e a 1 km do Centro de Mimoso do Sul.
Segundo Peter, o projeto já está sendo elaborado por uma empresa do Paraná e o prazo que o município recebeu do governo do estado é de assinatura da ordem de serviço da obra ainda no primeiro semestre de 2025.
“Vão ser as maiores barragens secas do estado, um modelo para outras localidades, uma com 18 metros de altura, outra com 16. […] Com elas, essas enchentes menores a gente não vai nem sentir. Enchentes maiores como aquela, a gente vai ter algum transtorno na cidade, claro, mas mortes e transtornos maiores, isso aí não vai acontecer mais”.
Prefeitura de Mimoso do Sul quer construir um vertedouro, para evitar ‘curva’ do Rio Muqui do Sul. Espírito Santo
g1 ES
Por fim, a prefeitura aposta na construção de um vertedouro, uma espécie de calha seca, para mudar o curso do Rio Muqui do Sul em momentos de cheia, o que vai fazer com que a água fique menos represada na cidade.
Para isso é necessário auxílio do governo para desapropriação e compra de um terreno na entrada da cidade. Para este projeto, não há prazo estipulado até o momento.
O governo do estado foi procurado para comentar a viabilidade e prazos dos três projetos, mas não respondeu aos questionamentos até a publicação desta reportagem.
Enquanto isso, o monitoramento dessas áreas conta com o apoio dos governos estadual e federal, que fornecem serviços de acompanhamento pluviométrico, hidrológico e geológico. Há meteorologistas de plantão 24 horas na Coordenadoria Estadual de Proteção e Defesa Civil (Cepdec) para análise e previsão de eventos climáticos adversos.
A Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil (COMPDEC) está providenciando a instalação do sistema de alerta sonoro. A emissão de mensagens em caso de alerta e risco já acontece, com o apoio da CEPDEC.
Casa populares na promessa
Mimoso do Sul. Espírito Santo.
TV Gazeta
Outro projeto que também não começou a ser executado é a construção de 150 casas populares, anunciada pelo governo do Espírito Santo, em junho de 2024. Os imóveis deverão ser entregues às famílias que perderam completamente a residência própria com a enchente.
Um edital foi aberto e três terrenos se inscreveram como possíveis locais para a construção das unidades, que devem passar por vistoria técnica nos próximos dias, para avaliar, entre outros, se estão em uma área segura em relação à chuva.
A previsão é que sejam construídos prédios de quatro andares, com 16 apartamentos em cada. O valor do investimento para as construções habitacionais será determinado após a aquisição do terreno, prevista para ocorrer em aproximadamente quatro meses. O início das obras deve ocorrer até o final de 2025.
O cadastro das famílias começou e existem critérios para quem vai ter direito a uma unidade, como renda de até três salários mínimos, inscrição no Cadúnico e ser proprietário de apenas uma residência (a que foi destruída).
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