Naturismo na Galheta: como ‘mapa do sexo’ em praia de Florianópolis foi parar na prefeitura

O naturismo na Galheta, tradicional praia do leste da Ilha de Santa Catarina, em Florianópolis, voltou à tona neste ano com batidas policiais na faixa de areia e o debate em casas legislativas. A prática, que existe desde os anos 1980, tem enfrentado resistência após o recente surgimento do chamado “mapa do sexo”, documento que mostraria pontos para relações sexuais ao ar livre na praia.

Naturismo na Galheta é cercada por vegetação, em Florianópolis

Naturismo na Galheta é cercada por vegetação, em Florianópolis – Foto: Arquivo/ND

Uma das autoridades combatentes da prática de naturismo na Galheta é a vice-prefeita de Florianópolis, Maryanne Mattos. À frente da SMSOP (Secretaria Municipal de Segurança e Ordem Pública de Florianópolis), ela afirma que um dos objetivos da sua gestão é “devolver a Praia da Galheta para a sociedade”, combatendo possíveis práticas de assédios e atos sexuais ao longo da trilha e da faixa de areia da praia.

As ações recentes de fiscalização da gestão da SMSOP são alvos de críticas por parte de associações de naturistas e de políticos de oposição na Câmara de Florianópolis.

‘Mapa do sexo’ reacendeu debate sobre naturismo na Galheta

Segundo Maryanne, pontos registrados em um “mapa do sexo” está em posse da prefeitura. Nele, há pontos marcados com um alfinete amarelo, que são onde teriam sido registrados flagrantes ou rastros de sexo ao longo da trilha da praia da Galheta (veja abaixo).

Já as linhas laranjas são “rotas clandestinas”, abertas por praticantes de sexo ao ar livre, que culminam principalmente em moitas e áreas de vegetação mais densa.

Pontos onde há flagrantes ou rastros de sexo ao longo da trilha da Praia da Galheta foram mapeados pela comunidade - Reprodução/ND

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Pontos onde há flagrantes ou rastros de sexo ao longo da trilha da Praia da Galheta foram mapeados pela comunidade – Reprodução/ND

Em laranja, estão marcadas as 'rotas clandestinas' ao longo da trilha para buscar pontos de realização de atos sexuais; em amarelo, estão os pontos - Reprodução/ND

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Em laranja, estão marcadas as ‘rotas clandestinas’ ao longo da trilha para buscar pontos de realização de atos sexuais; em amarelo, estão os pontos – Reprodução/ND

Conforme a secretária, o mapa foi elaborado pela própria comunidade da Galheta, que registrou esses atos no local, seja em flagrante ou através de lixos, como preservativos e lenços umedecidos deixados em alguns pontos.

“Foram mapeados pela própria comunidade, pelas associações, moradores, comerciantes e surfistas que frequentam e que querem proteger a Praia da Galheta”, explica Maryanne.

De posse do documento, no dia 22 de fevereiro, a SMSOP promoveu uma batida na praia, com apoio da Guarda Municipal, da Polícia Militar e da comunidade, para fiscalizar e inibir atos ilegais ao longo da Galheta.

Ao longo da Praia da Galheta, é possível encontrar camisinhas usadas - Foto: Reprodução/ND

Ao longo da Praia da Galheta, é possível encontrar camisinhas usadas – Foto: Reprodução/ND

Sexo ao ar livre, masturbação explícita e drogas: as reclamações na Praia da Galheta

O “mapa do sexo”, que faz parte de um relatório elaborado por moradores e frequentadores da Galheta e recebido pela SMSOP, também consta uma proposta de gestão compartilhada da UC (Unidade de Conservação).

Entre os problemas apontados, como justificativa, estão os flagrantes e registros de sexo explícito e uso de drogas, tanto na trilha quanto na própria faixa de areia da praia.

Maryanne revela que as denúncias recebidas pela pasta não são apenas de prática de sexo e consumo de drogas, mas também de violências. “A gente recebe muitas denúncias de assédio e violência sexual”, garantiu.

Masturbadores já foram flagrados na faixa de areia da Praia da Galheta - Reprodução/ND

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Masturbadores já foram flagrados na faixa de areia da Praia da Galheta – Reprodução/ND

Flagrante de sexo na trilha da Praia da Galheta - Reprodução/ND

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Flagrante de sexo na trilha da Praia da Galheta – Reprodução/ND

A Praia da Galheta já foi palco de filmes pornográficos compartilhados em sites adultos - Reprodução/ND

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A Praia da Galheta já foi palco de filmes pornográficos compartilhados em sites adultos – Reprodução/ND

O relatório é assinado pelas seguintes instituições

  • IMMA (Instituto Multidisciplinar de Meio Ambiente e Arqueoastronomia);
  • APRL (Associação de Pescadores do Retiro da Lagoa);
  • Associação de Proteção Socioambiental EYWA;
  • Associação Oscip Aragua;
  • APG (Associação de Pescadores da Galheta);
  • Amorela (Associação dos Moradores do Retiro da Lagoa);
  • Associação Esportiva e Cultural Verde Futuro da Praia Mole;
  • Amolagoa (Associação de Moradores da Lagoa da Conceição);
  • Conselho Comunitário da Barra da Lagoa;
  • Instituto Çarakura; e
  • Guarda-vidas da Praia Mole e Galheta.

Defensores do naturismo na Galheta dizem que mira está em alvo errado

A Galheta é tradicionalmente uma praia frequentada por adeptos do naturismo.

  • Naturismo: é um estilo de vida baseado na vida ao ar livre, com forte contato com a natureza, consumo de alimentos naturais e até mesmo a prática de nudismo. A tradição tornou a praia uma referência internacional no turismo, atraindo diversas pessoas que têm curiosidade na prática de nudismo.

O local em Florianópolis também seria palco de violência, assédios sexuais e homofobia, relatam moradores contrários à prática. Por esse motivo, Maryanne ressalta que, entre as bandeiras da sua gestão na SMSOP, está a proibição do nudismo no local.

“Tem muito essa questão de violência, de pessoas usando isso [o nudismo] como uma desculpa para assediar, o que é uma pena”.

Por outro lado, a AGAL (Associação Amigos da Galheta) é uma entidade composta por membros da comunidade que apoiam o naturismo na Galheta, mais especificamente na faixa de areia da praia. Representante da associação, Mara Freire entende que, ao coibir a prática, a prefeitura está criminalizando as pessoas erradas.

“Os naturistas são pessoas iguais a mim, pessoas em carne e osso. Eu sou avó, outras pessoas [da AGAL] também. Somos pessoas comuns, vamos com as nossas famílias para a praia. Eu vou com meu marido, minha filha, meu genro, meu neto”, pontuou.

“Como nos proibir significa ‘devolver a praia para as famílias’, se nós também vamos como família?”, questiona Mara.

“Naturismo não está associado a quem transa na mata”

Segundo Mara, a poluição e a destruição do ecossistema são práticas rechaçadas pelos naturistas.

“[O naturismo] é um movimento, acima de tudo, pacifista e ecológico. Os assediadores não são do nosso movimento. Não está associado ao pessoal que transa na mata e quem acha isso tem zero compreensão do que é o naturismo”, analisa.

O naturismo prega por um estilo de vida mais livre e de maior contato do corpo com a natureza, não permitindo, em sua concepção, práticas de poluição, assédio e/ou sexo ao ar livre - Foto: Getty Images/ND

O naturismo prega por um estilo de vida mais livre e de maior contato do corpo com a natureza, não permitindo, em sua concepção, práticas de poluição, assédio e/ou sexo ao ar livre – Foto: Getty Images/ND

É permitido ou não o naturismo na Galheta?

O naturismo na Galheta é praticado desde a década de 1980, passando a ser permitido por lei em 1997. Mas, em 2016, a lei municipal nº 10.100/2016, sancionada pelo então prefeito César Souza Júnior (PSD), revogou a permissão da lei anterior e tornou o espaço uma UC (Unidade de Conservação).

Na prática, o naturismo não passou a ser diretamente proibido, mas também não foi feita uma previsão para sua permissão. Dessa forma, não há hoje um dispositivo jurídico que sirva para regulamentar a prática na Praia da Galheta, tornando o assunto um alvo de discussões e controvérsias.

“A nossa preocupação não é com o naturismo em si, mas com todas essas práticas que vêm acontecendo. A questão [de fiscalizar] o naturismo é porque na lei não é permitido. Não podemos deixar que façam algo que não está previsto em lei”, diz a secretária.

Mara reforça que a AGAL não é contra a presença policial na praia, mas que defende que a fiscalização seja contra assediadores e praticantes de sexo ao ar livre, e não contra as pessoas que estão apenas sem roupas em momentos de contato de reflexão com a natureza.

“Somos totalmente a favor de que haja uma fiscalização por parte da prefeitura, sim, mas em relação aos criminosos. Os naturistas não são criminosos. Somos amigos da Galheta muito interessados na preservação dela”.

“A Galheta é naturista por costume e por tradição. A nova lei não proibiu, apenas tirou a proteção para que possamos praticar o nudismo”, conclui Mara.

Na Praia da Galheta, há placas alertando sobre a proibição do nudismo - Foto: SMSOP/Reprodução/ND

Na Praia da Galheta, há placas alertando sobre a proibição do nudismo – Foto: SMSOP/Reprodução/ND

Naturismo na Galheta gera debate entre vereadores e deputados

De autoria dos vereadores Dinho (União) e Carla Ayres (PT), o projeto de lei 19.423/2024 tem por objetivo a regulamentação da prática de naturismo na Galheta, sem caráter obrigatório, no espaço que compreende a orla da praia (faixa de areia e mar), não permitindo nudismo nas áreas de trilhas, pedras e arbustos. Caso aprovado, o projeto prevê que pessoas praticando naturismo nas áreas permitidas não poderão ser enquadradas em ilícito penal.

Na justificativa do projeto, Ayres e Dinho argumentam que o naturismo na Galheta possui “aspectos históricos, econômicos, com base no incremento de ativos turísticos vinculados às boas práticas que se observam pela sustentabilidade ambiental”.

Em relação às medidas de segurança, Ayres e Dinho propõem que o poder público, tanto municipal quanto estadual, são responsáveis por assegurar a ordem, coibir excessos e inibir abusos de qualquer natureza, sendo dever do Estado estar presente no espaço para garantir o bem-estar dos frequentadores.

O impasse também será debatido na Alesc (Assembleia Legislativa de Santa Catarina). A Comissão de Direitos Humanos e Família da Assembleia Legislativa aprovou, na terça-feira (11), a realização de audiência pública para tratar da praia da Galheta. A data e o local do encontro ainda serão definidos. O debate foi proposto pelo deputado Alex Brasil (PL).

“A Assembleia precisa se envolver nessa questão. Há dez anos, a Câmara Municipal fez uma audiência sobre o assunto, mas pouco se avançou, pelo contrário, os problemas se agravaram”, afirmou o deputado.

Retorno da legalização do naturismo na Praia da Galheta é objeto de discussão na Câmara dos Vereadores de Florianópolis - Foto: Divulgação/ND

Retorno da legalização do naturismo na Galheta é objeto de discussão na Câmara dos Vereadores de Florianópolis – Foto: Divulgação/ND

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