Com recursos esgotados, mulher que deu golpe no Exército por mais de 30 anos é condenada e terá que devolver R$ 3,7 milhões


Ana Lucia Umbelina Galache de Souza se passou por filha de ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (FEB) utilizando documentos fraudados. Ela foi condenada pela Justiça Militar e terá de devolver o montante, além de cumprir pena de reclusão. Ana Lucia Umbelina Galache é sobrinha-neta do ex-militar falecido em 1988.
Reprodução/Redes sociais
O Superior Tribunal Militar (STM) condenou Ana Lucia Umbelina Galache de Souza por crime contra o patrimônio e estelionato após a mulher se passar por filha de um tio-avô, ex-combatente da Segunda Guerra Mundial. Ela terá que devolver R$3,7 milhões por ter recebido indevidamente pensão do Exército. A condenação também prevê 3 anos e 3 meses de prisão em regime inicial aberto.
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A decisão consta na movimentação do processo na Justiça Militar. Segundo a ação penal, Ana Lucia fraudou documentos, se passou por filha de Vicente Zarate e recebeu a pensão entre 1988 e 2022.
O g1 entrou em contato com a Defensoria Pública da União (DPU) que informou ter encerrado o processo de defesa da mulher no dia 14 de dezembro de 2024, em virtude da ‘impossibilidade de interposição de novos recursos’. A reportagem tentou contato com Ana Lucia mas as ligações não foram atendidas.
A fraude
Documentos aos quais o g1 teve acesso revelam que o esquema fraudulento começou quando Ana Lucia ainda era menor de idade, em 25 de setembro de 1986. Ela foi registrada em um cartório de Campo Grande como sendo filha de Vicente Zarate e Natila Ruiz. Com a nova documentação, ela obteve, também, outra Carteira de Identidade, e outro Cadastro de Pessoa Física (CPF), nestes constando o sobrenome Zarate.
Com os novos documentos, Ana Lucia requereu habilitação como pensionista de Vicente Zarate na Seção do Serviço de Inativos e Pensionistas (SSIP 9) do Exército brasileiro. O pedido foi deferido, e a mulher passou a receber, ainda em 1988, pensão integral como filha de Segundo Sargento e seguiu até 2022 quando foi denunciada. O prejuízo causado totalizou R$3,7 milhões.
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A Defensoria Pública da União (DPU) chegou a pedir absolvição de Ana Lucia, alegando “ausência de intenção”, já que o registro como filha do ex-combatatente foi feito quando ela ainda era menor de idade.
Contudo, em dezembro do ano passado o STM entendeu que o crime ficou comprovado desde o momento em que a mulher compareceu ao Exército para requerer a pensão. O recurso da DPU foi negado e a condenação mantida.
Além do comparecimento de Ana Lucia ao Exército, o ministro relator, Artur Vidigal de Oliveira, elencou outros cinco motivos que levaram ao entendimento de que houve crime de estelionato. Confira abaixo:
Ana Lucia mantinha em uso duas identidades e dois CPFs (com o nome antigo e com o nome fraudado). Ela somente utilizava o nome Ana Lucia Zarate para receber a pensão;
Mesmo orientada pelo marido para que interrompesse a pensão, ela deu continuidade ao esquema;
Ela confessou o esquema criminoso no interrogatório;
Não seria possível considerar que ela foi adotada por Vicente Zarate, já que não houve trâmite legal de adoção;
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Avó revelou o esquema
Conforme a ação penal, Ana Lucia confirmou durante interrogatório que era, na verdade, sobrinha-neta de Vicente Zarate, e que dividia a pensão oriunda da fraude com sua avó paterna, Conceição Galache, que teria ajudado na obtenção dos documentos fraudulentos. Ana Lucia contou também que não vivia com seu tio-avô, Vicente Zarate, e não o tratava como pai.
Ela admitiu à Justiça Militar que o caso só veio à tona após a avó paterna exigir que lhe fossem repassados R$ 8 mil, sob pena de denunciá-la. Descontente com o valor que a neta vinha lhe repassando, Conceição Galache procurou, em 2021, a Polícia Civil e a Administração Militar para informar que Ana Lucia Zarate não era filha de Vicente Zarate.
Após abertura de sindicância e com a comprovação dos fatos, o pagamento da pensão foi suspenso. A avó de Ana Lúcia, Conceição Galache, morreu em maio de 2022. Ela não chegou a ser ouvida nas investigações.
Direito à pensão militar
Mensalmente os militares pagam alíquota de 10,5% para pensão militar dos dependentes. Segundo o advogado e mestre em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Igor Santos, a pensão por morte é um direito dos dependentes do militar falecido, mas há ordens de prioridade que definem quem pode receber.
“Cônjuges e filhos, por exemplo, fazem parte da primeira ordem de prioridade. Já os pais têm direito caso o militar não seja casado ou não tenha filhos”, explica.
O advogado defende que mais fiscalizações sejam feitas em relação às pensões pagas aos dependentes de militares das forças armadas, visando a proteção da própria instituição e do Estado brasileiro, para que fraudes sejam evitadas.
“A falta de compliance, de uma preocupação fiscal, é algo tão profundo que pode se tornar um problema ainda maior com a possibilidade de fraudes que temos hoje em virtude da tecnologia”, ressalta o advogado.
Confira abaixo a lista de dependentes por ordem de prioridade:
Primeira ordem de prioridade
Cônjuge;
Companheiro (a) em união estável;
Pessoa desquitada, separada judicialmente ou divorciada do militar, desde que receba pensão alimentícia;
Filhos ou outros menores de idade, que receberão até 21 anos de idade ou 24, caso comprovem que são estudantes universitários.
Segunda ordem de prioridade
A mãe ou o pai que comprovem ser dependentes econômicos do militar.
Terceira ordem de prioridade
Irmão órfão que comprove a dependência econômica do militar, e receberá até os 21 anos de idade ou 24, caso seja universitário ou apresente invalidez;
Qualquer pessoa escolhida pelo militar, desde que se comprove dependência econômica e tenha até 21 anos de idade; pessoa inválida até quando durar a invalidez; ou qualquer pessoa maior de 60 anos de idade que comprove dependência econômica.
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