
Leo Ribeiro integra o corpo docente do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC). Após muita dedicação em 3 iniciações científicas, ela entrou direto no doutorado. Leo Ribeiro é a primeira professora trans do ICMC em São Carlos
Arquivo pessoal
Representatividade, desafio e orgulho definem o início da carreira acadêmica de Leo Ribeiro como professora da Universidade de São Paulo (USP). Ela é a primeira docente trans do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos.
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Leo foi recém-aprovada em concurso público, e entra na sala de aula neste semestre, potencializando a luta por inclusão e diversidade na universidade em uma área da ciência predominantemente masculina.
“É desafiador, mas necessário. A representatividade importa, e cada conquista abre portas para outras pessoas. Não podemos esperar mudanças sem agir, então me coloco nessa posição com muita responsabilidade. Sei que minha presença aqui representa um marco para a inclusão e a diversidade na universidade”, disse.
Neste primeiro semestre, a professora assumiu três turmas com aulas de processamento de imagens, laboratório de algoritmos avançados e laboratório de introdução à ciência da computação.
Quebrando barreiras
Leo Ribeiro é a primeira professora trans do ICMC em São Carlos
Reprodução/EPTV
Em um país onde a população trans enfrenta os maiores índices de violência, exclusão educacional e dificuldades de acesso ao mercado de trabalho, a presença de Leo é um marco histórico.
Formada em Bacharelado de Ciências de Computação pelo ICMC-USP e doutora pela mesma instituição, foi durante o doutorado que ela reafirmou sua identidade de gênero como uma mulher trans.
“Estamos em um momento de crescente violência contra pessoas trans no âmbito social e político e o Brasil continua sendo o país com o maior número de assassinatos de pessoas trans e somos um dos “assuntos” favoritos da bipolarização política onde discutem desde proteção (e ausência dela) contra transfobia nas redes sociais até se temos direito de usar banheiros em espaços públicos”, disse.
“Minha presença é um ato político porque nossos corpos foram feitos políticos e os espaços que podemos ocupar continuam sendo questionados. Espero que ser uma professora trans na USP signifique abrir caminhos para que outras pessoas possam seguir sem tantas barreiras”, destacou.
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Trajetória de estudos
“O processo foi desafiador, mas também uma oportunidade de consolidar tudo o que aprendi ao longo da minha trajetória”, afirma Leo sobre sua preparação para o concurso que a levou à docência no ICMC de São Carlos
Arquivo pessoal
No decorrer de sua trajetória no ICMC, a docente se envolveu em várias atividades enquanto aluna da graduação de ciências da computação. Mas ao fazer iniciação científica e conseguir bolsa de estágio na Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), a sua perspectiva na educação se consolidou.
Na graduação, ela se dedicou quatro meses à pesquisa e foi estudar na Universidade de Surrey, na Inglaterra. Após muita dedicação e empenho em três iniciações científicas, ela entrou direto no doutorado.
“Ela tinha bagagem de pesquisa e experiência suficiente para ingressar diretamente no doutorado, sem a necessidade de passar pelo mestrado”, explicou o professor Moacir Ponti, do ICMC, que era seu orientador.
Pesquisadora brasileira
Leo contou que a experiência no exterior com aprendizado multimodal a fez querer continuar na área acadêmica e permanecer no Brasil. Propostas para trabalhar na Europa e até no Chile não faltaram.
“Acredito no potencial da nossa pesquisa e do nosso ensino público e quero que tudo que eu faça seja primeiro para o povo brasileiro. Quero contribuir para fortalecer a ciência aqui e ajudar a formar novas gerações de profissionais, seja da indústria ou da academia. Eu sempre brinco que mais da ciência no mundo precisa ser feita por pessoas que cresceram assistindo novelas e lendo a Turma da Mônica e eu quero trabalhar com estas pessoas , nós precisamos ter mais orgulho de tudo que somos e acreditar no que podemos ser aqui no Brasil e pelo Brasil”, comentou.
Ambiente acadêmico
Para a docente, o ambiente acadêmico costuma oferecer mais espaço acolhedor do que o mercado de trabalho. Mas ela acredita que ser reconhecida academicamente antes do processo de transição de gênero possa ter facilitado a sua inclusão no ambiente.
“Pessoalmente passei por poucos episódios de transfobia dentro da USP, Unicamp e até mesmo na Universidade de Surrey (Reino Unido). Tive colegas que tiveram dificuldades em compreender e lidar com o início da minha transição, mas logo se adequaram. Eu sei que essa não é a realidade de muitas pessoas trans; acredito que parte do meu privilégio parte de ter sido reconhecida academicamente antes da transição, tornando mais difícil que questionem minha sanidade ou capacidade de saber o que quero e o que sou”, afirmou.
Ela também apontou que iniciativas como a Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento (PRIP) são fundamentais para fortalecer políticas de equidade neste sentido.
“As pessoas trans que estão entrando agora na universidade não contarão com este privilégio que tive e por isso ainda há muito a ser feito para que nossas instituições presumam competência de pessoas trans como presumem de homens brancos. Por isso é muito importante iniciativas como a PRIP”, contou.
Mulheres pela ciência
Léo Ribeiro e Lina Rodriguez são professoras da ICMC da USP de São Carlos
EPTV
A docente é vice-coordenadora do grupo de extensão Grupo de Alunas em Ciências Exatas (GRACE-ICMC) que cuida do “Escola de Verão para Meninas” e outros projetos.
O projeto “Escola de Verão para Meninas” leva conhecimento e paixão pela tecnologia para um grupo formado por garotas de 8 a 18 anos. O objetivo é que cada grupo tenha uma ideia sobre um aplicativo para solução de problemas sociais.
“O que mais me encanta na ciência é a oportunidade de resolver problemas complexos e impactar positivamente a sociedade, tudo isso sempre aprendendo e trabalhando com pessoas empolgadas e determinadas”, disse a docente.
Recentemente, Leo e as professoras Lina Rodríguez conseguiram financiamentos de R$ 1,2 milhões para os projetos que unem iniciativas de inclusão de mulheres e diversidade no campo das exatas do Brasil.
“A ciência ainda é um espaço majoritariamente masculino, e trabalhar para mudar isso motiva a todas nós. Reafirmo que o lugar das pessoas trans é em todo lugar e espero que estar nesta posição deixe isso ainda mais claro. Desde a graduação e doutorado, tive oportunidades e apoio de professores e colegas. Sei que minha experiência não é a de todas as pessoas trans, mas espero contribuir para que a academia se torne um ambiente ainda mais inclusivo”, finalizou.
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