Mexilhão-verde avança na Baía de Guanabara e acende alerta

Mexilhão-verde é uma espécie invasora na Baía do GuanabaraUFF/ Reprodução

A Baía de Guanabara é uma bacia oceânica localizada no estado do Rio de Janeiro que conta com 17 cidades em seu entorno. A região é o lar de milhares de pessoas e de seres vivos que veem no local uma região ideal para se viver.

Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal Fluminense (UFF) realiza estudos sobre o lixo jogado nas águas e sua influência no transporte das espécies. A pesquisa na Baía e áreas próximas revelou novas evidências sobre o papel do lixo marinho como vetor para organismos invasores, com destaque para a presença do mexilhão-verde, uma espécie que parece ter se adaptado a estruturas artificiais, como estruturas de barcos e píeres.

Muitos desses organismos aproveitam o lixo jogado no mar para pegar uma “carona” e desembarcar no destino mais próximo, formando, assim, um “veículo de aplicativo” para espécies diferentes invadirem o Rio de Janeiro.

A pesquisa, conduzida pelo doutorando Alain Póvoa, do programa de Dinâmica dos Oceanos e da Terra da UFF, em parceria com outros pesquisadores da instituição e sob a supervisão do professor Dr. Abilio Soares Gomes, analisou organismos incrustantes encontrados em resíduos sólidos.

“O projeto tem foco em todos os organismos que chamamos de incrustantes, porque qualquer superfície de qualquer objeto que cai no mar pode ser colonizada por organismos. Aliás, a colonização ocorre muito rapidamente”, destacou Abilio,, em entrevista ao Portal iG

O estudo examinou resíduos coletados em praias de Niterói, tanto dentro da Baía de Guanabara quanto na Região Oceânica, e identificou uma grande diversidade de organismos fixados nesses materiais, principalmente plásticos. Entre os organismos encontrados, um percentual significativo era composto por espécies invasoras, incluindo crustáceos, vermes poliquetas, moluscos e esponjas.

A maioria dessas espécies possui hábito filtrador (forma com que esses animais se alimentam) e, além de atuar como consumidoras, também pode servir de alimento para organismos locais, influenciando as cadeias alimentares.

“A gente viu outros organismos também, que cruzam esse lixo e que são altamente invasores, com um grande potencial de invasão. Ou seja, são organismos exóticos que se fixam no lixo. Inclusive, alguns desses, como o próprio mexilhão-verde, podem ter colonizado esse lixo aqui mesmo, na Baía de Guanabara”, destaca.

Mexilhão-verde também pegou carona

Baía de Guanabara – Rio de JaneiroCedae/ Reprodução

O mexilhão-verde, já identificado em diversas áreas da Baía de Guanabara, foi encontrado incrustado em garrafas plásticas, o que reforça a hipótese de que resíduos sólidos podem facilitar sua dispersão.

“O mexilhão-verde tem sido encontrado há algum tempo na Baía de Guanabara, e a gente não sabe exatamente qual foi o mecanismo de transporte que o trouxe para cá. Ele pode ter chegado com a água de lastro dos navios, fixado nos cascos ou em outro tipo de plataforma flutuante. O lixo também é um veículo de transporte”, destacou Abilio.

O mexilhão é um molusco bivalve (animais que possuem duas conchas que se completam). Ele pode viver próximo às costas marinhas e superfícies rochosas de oceanos e superfícies de água doce. Essa espécie se alimenta de algas microscópicas e materiais que flutuam pela água. Na natureza, seus principais predadores são a estrela-do-mar, caranguejos, caramujos e outras espécies parasitas. 

O professor explica que, por enquanto, o mexilhão-verde não é problema, mas deve ser monitorado. Por ser uma espécie invasora, ele pode deslocar outro animal, como o mexilhão-marrom, o que pode causar desequilíbrios no ecossistema local.

“Uma espécie invasora que se estabelece em um local pode deslocar espécies nativas. As cadeias alimentares de cada região estão organizadas de acordo com as espécies locais. Quando uma espécie invasora se instala, pode causar uma ruptura nessa cadeia, trazendo consequências, inclusive para os recursos pesqueiros utilizados pelo ser humano. Isso pode gerar diversos impactos. Algumas espécies invasoras se estabelecem sem causar grandes problemas, mas, quando causam, os impactos podem ser muito sérios”, alerta.

Plástico Zero Km

Lixo nas águas da Baía de GuanabaraDiário do Rio/Reprodução

Os resíduos plásticos foram apontados como um dos principais meios de transporte dessas espécies invasoras. Cerca de 99% dos materiais analisados eram compostos por plástico, enquanto madeira, metal, vidro e tecidos representavam uma pequena parcela. O estudo identificou que organismos incrustantes tendem a se fixar em elementos plásticos com superfícies rugosas, especialmente nas cores branca e vermelha.

Entre os materiais mais encontrados estão polipropileno (PP), que são utilizados na fabricação de cadeiras plásticas e copos, além de polietileno tereftalato, encontrado na garrafa PET, por exemplo. Essas substâncias possuem ampla dispersão nos oceanos.

O descarte inadequado de resíduos e o transporte marítimo são fatores determinantes para esse fenômeno. A poluição das praias continua sendo um problema crítico na Baía de Guanabara.

“A quantidade de lixo na Baía de Guanabara não diminuiu. O lixo continua sendo um dos principais problemas ambientais”, afirmou o professor.

Entretanto, o pesquisador comenta que o esgoto doméstico diminuiu após ações do poder público. Entre os diversos municípios que estão na bacia de drenagem da região, alguns deles enfrentam dificuldades na coleta e no descarte adequado de resíduos sólidos, resultando no acúmulo de lixo no ecossistema marinho.

“A coleta de lixo na bacia de drenagem da Baía de Guanabara, que é extensa e abrange vários municípios, é ineficiente. Isso fica evidente na quantidade de toneladas de lixo que são frequentemente retiradas das praias da região”, diz Abilio.

“Em Niterói, por exemplo, esse lixo não é produzido na cidade. Pode até haver resíduos deixados por turistas, mas a maior parte vem trazida pela maré. Esse lixo se desloca do fundo da Baía de Guanabara, e essa situação não mudou”, completa o professor.

Lixo na Baía de GuanabaraDiário do Rio/Reprodução

Diante desse cenário, o estudo pretende expandir sua abordagem para analisar o lixo flutuante e compreender melhor os padrões de transporte de espécies invasoras.

“Agora, nossa intenção é trabalhar com o lixo flutuante, pois, até então, estávamos estudando o lixo depositado nas praias pela maré. O objetivo é ampliar os locais de coleta para traçar uma rota desse provável transporte e entender melhor o deslocamento do lixo marinho”, explica Abilio.

Para minimizar os efeitos negativos da bioinvasão e da poluição marinha, o professor ressalta a importância do monitoramento contínuo dos resíduos e da implementação de políticas públicas eficazes.

“A questão do lixo está diretamente ligada ao saneamento público, pois envolve a coleta eficiente de resíduos. A quantidade de lixo gerada diariamente é enorme. Se a coleta fosse feita corretamente, não haveria tanto lixo acumulado”, diz.

“Até pouco tempo atrás, existia na Baía de Guanabara o lixão de Gramacho, onde os caminhões despejavam os resíduos. Esse lixão foi desativado. Hoje, no município do Rio de Janeiro, esse problema não existe mais. Porém, a falta de coleta adequada ainda persiste em outros municípios”, completa.

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