Beto Sem Braço: conheça o feirante que compunha nas ruas, foi parceiro de bambas, campeão do carnaval e hoje é enredo do Império


g1 conversou com a filha do compositor e com o seu parceiro, Aluisio Machado, com quem assina ‘Bum Bum Paticumbum Prugurundum’. Autor de ‘Camarão que dorme a onda leva’, com Zeca Pagodinho, Beto andava com um revólver na bolsa do pandeiro e, certa vez, atirou no presidente do Império ao ser eliminado da disputa de samba. O compositor Laudeni Casemiro, conhecido como Beto Sem Braço
Reprodução
O Império Serrano homenageia no carnaval deste ano um dos maiores compositores de sua história: o senhor Laudeni Casemiro, falecido em 15 de abril de 1993, aos 51 anos.
Na Serrinha, na Penha ou Vila Isabel, na Zona Norte da cidade, ou ainda em Curicica, na Zona Oeste, bairros por onde passou, os sambistas têm dificuldade de saber quem era Laudeni, mas logo rendem homenagens quando ouvem o nome que era chamado um dos maiores compositores de samba do Rio de Janeiro: Beto Sem Braço.
Um dos autores do samba campeão do carnaval de 1982 pelo Império Serrano: “Bum Bum Paticumbum Prugurundum”, com Aluisio Machado, Beto Sem Braço teve ainda suas músicas interpretadas nas vozes de Zeca Pagodinho (outro grande parceiro de composições), Neguinho da Beija-Flor, Alcione, Jovelina Pérola Negra, Beth Carvalho e do Fundo de Quintal – só para falar alguns dos intérpretes conhecidos das obras do artista.
Outra música muito conhecida sua é “Meu bom juiz”, feita com Serginho Meriti, que faz menção a José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, morto em 2004 (veja outras composições de sucesso de Beto Sem Braço no fim da reportagem).
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A origem do apelido
O sucesso na avenida e nas vozes de alguns dos intérpretes mais geniais do samba, entretanto, representam apenas a fase áurea da vida do compositor.
A vida do menino Laudeni começou em Vila Isabel, na Zona Norte, em 1940. Na terra de Noel Rosa, Laudeni, como toda criança, adorava brincar e andar a cavalo. Em um dos passeios, em Jacarepaguá, na Zona Oeste da cidade, caiu, sofreu uma fratura e na cirurgia decidiram amputar o braço direito até a altura do antebraço.
Isso não desanimou o jovem, que foi trabalhar de feirante. Na caixa que recebia com as frutas que deveria vender vinha sempre a inscrição “Beto” ao invés de “Laudeni”. Logo, os outros colegas de feira passaram a chamá-lo de Beto Sem Braço. O apelido logo se espalhou e chegou ao samba.
O jovem que cantarolava enquanto vendia frutas e foi capaz de aprender francês por conta própria despontou como compositor com a turma do Cacique de Ramos e se juntou ao grupo de compositores da Vila Isabel.Não ganhou qualquer samba por lá, mas no Morro do Pau da Bandeira conheceu a primeira companheira e teve três filhos.
A mudança de vida veio no fim dos anos de 1970. O então presidente do Império Serrano Jamil Salomão Maruff chamou Beto para ir para a escola da Serrinha. Queria formar um grande grupo de compositores. É nessa época que o namorador Beto também conhece a segunda esposa com quem tem mais dois filhos.
‘Bumbum, Paticumbum, Prugurundum’
Beto Sem Braço festejado na quadra do Império Serrano
Álbum de família
Toda tarde, Beto Sem Braço deixava o apartamento na Penha, Zona Norte da cidade, e seguia para a Praça 15, no Centro. Lá, encontrava o parceiro de escola, Aluisio Machado, que saía do trabalho no Tribunal Marítimo.
Os dois iam juntos no ônibus até Curicica cantando e discutindo versos.
Logo vem o primeiro sucesso: em 1982 conquista o carnaval com a inesquecível “Bumbum, Paticumbum, Prugurundum”. A música é lembrada até hoje nos carnavais que se seguiram.
“Com certeza achavam que a gente era doido. Numa dessas viagens eu lembro que saiu um dos versos de Bumbum: ‘Super Escolas de Samba S.A. Super alegorias. Escondendo gente bamba. Que covardia’. Foi nossa crítica, já naquela época, aos grandes carnavais. As escolas vinham para a avenida com carros enormes, enquanto o Império trazia carros que pareciam de pipoca”, lembra Aluísio, em entrevista ao g1.
Parceria ou ‘formação de quadrilha’
A rotina de festas na quadra do Império Serrano se repetiu ao longo dos anos de 1980. Sempre com Aluisio Machado, também vindo da Vila Isabel. Se encontraram por acaso no Império Serrano. Ganharam a disputa de 8 sambas-enredo na Império, 1 carnaval, o de 1982, e 4 estandartes de ouro.
“Aquilo era parceria. Hoje eu digo que é formação de quadrilha. Um samba-enredo não tem menos de 10 autores. Eu era o braço-direito do Beto”, recorda-se Aluisio, aos 85 anos.
Assim era Beto Sem Braço. Seja indo a Magé visitar o jovem cantor Zeca Pagodinho, nos anos 1980, seja levando as filhas para tomar banho de piscina.
Sempre estava sempre cantarolando. Dessa vez, não vendendo frutas, mas compondo sambas. Os versos vinham na cabeça e ele cantarolava. Ainda fazia movimentos com a mão esquerda enquanto caminhava na rua.
‘Era um poeta’, lembra filha
Beto Sem Braço, o primeiro à direita, recebendo amigos para mais uma festa com panelões de comida
Álbum de família
“A gente andava a uma certa distância porque achava ele doido (risos). Era adolescente e não entendia muito bem. Era um poeta”, conta Priscila Casemiro, filha caçula de Beto Sem Braço.
Priscila lembra que, no fim de tarde, quando o pai não ia encontrar Aluisio, ele levantava e ficava à janela do apartamento na Penha aguardando o pôr do sol.
“Se havia parado de compor, por algum momento, ali vinha uma nova ideia na cabeça. Era impressionante”, diz.
Revólver na capa do pandeiro
Quem conhecia Beto Sem Braço sabia também do costume dele em andar armado. O compositor levava um revólver escondido dentro da capa de um pandeiro, que, claro, ele não tocava.
Nunca matou ninguém. A maioria dos disparos eram a esmo.
Numa das ocasiões, porém, atirou contra o presidente Jamil, do Império Serrano. O mesmo que o levou para a escola.
“Era certo ele ganhar o samba-enredo da escola, fizeram um arranjo, e ele não levou. Aí, já viu: atirou no Jamil e acertou outra pessoa. Depois acertou o Jamil. No dia seguinte, meu pai estava no hospital visitando o presidente”, conta Priscila.
‘O que afasta miséria é festa’
O homem que não parava de fazer versos, adorava uma festa. Em casa ou na comunidade da Serrinha, Beto Sem Braço não perdia a oportunidade para fazer uma roda de samba e distribuir comida, em grandes panelas, aos convidados.
Foi assim que comemorou o seu aniversário de 50 anos, em 1990.
Beto Sem Braço e a filha Priscila na festa de 50 anos do compositor na Penha
Álbum de família
O compositor fechou, por uma semana, a Rua do Couto, na Penha. Em uma das extremidades, caixas de som da Furação 2000. Nas calçadas, barraquinhas com comida e bebida. Na outra ponta, um palanque onde o padre recebeu Beto Sem Braço para uma benção e uma missa que deu início aos festejos.
“Meu pai sempre dizia isso: ‘O que espanta miséria é festa’. O enredo do Império resume bem esse estado espírito do meu pai. Ele adorava reunir gente e cantar. Apesar de ser um pai muito duro ele era o mesmo em todos os lugares. Muito autêntico. Dizia o que tinha que dizer e nunca se abateu com as dificuldades da vida”, afirma Priscila, uma das responsáveis por produzir um documentário sobre Beto Sem Braço.
Morte de tuberculose, aos 51 anos
Laudeni Casemiro morreu em 15 de abril de 1993, vítima de tuberculose. Há dois anos, o Império Serrano homenageia o compositor com tardes de música no dia do seu nascimento, 24 de maio. Em 2023, a escola inaugurou um busto em homenagem ao compositor.
“É espetacular poder falar de uma pessoa tão conhecida no samba, mas que as pessoas em geral não conhecem por esse apagamento que há dos compositores. Um sambista com um olhar tão sutil que fez, em suas músicas, críticas tão pertinentes e que apontou os perrengues que o carioca vive de forma tão peculiar”, afirma o carnavalesco Renato Esteves, do Império Serrano.
Algumas composições de Beto Sem Braço:
“Ai, que vontade”, com Dão
“Brincadeira tem hora”, com Zeca Pagodinho
“Aonde quer que eu vá”, com Martinho da Vila
“Boêmio feliz”, com Zeca Pagodinho
“Camarão que dorme a onda leva”, com Zeca Pagodinho e Arlindo Cruz
“Colher de pau”, com Zeca Pagodinho
“Menina você bebeu”, com Arlindo Cruz e Acyr Marques
“Meu bom juiz”, com Serginho Meriti
“Na paz de Deus”, com Sombrinha e Arlindo Cruz
“Ô Irene”, com Geovana
“Pra mãe Tereza”, com Martinho da Vila
“Qual é a do boi”, com Herval Rios
“Quando eu contar (Iaiá)”, com Sergino Meriti
“São José de Madureira”, com Zeca Pagodinho
Bum Bum Paticumbum Prugurundum”, com Aluisio Machado
“Se liga, doutor”, com Aluisio Machado
“Vou lhe deixar no sereno”, com Jorginho Saberás
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