
Capa do álbum ‘Liberdade’, de Oruam
Reprodução
♫ OPINIÃO SOBRE DISCO
Título: Liberdade
Artista: Oruam
Cotação: ★ ★ ★ ★
♬ “Meu senhor, sou MC, não sou bandido / … / Adora julgar minha luta / Mas não vem de onde eu venho”, argumenta Oruam na letra confessional de Madrugada é solidão, segunda das 15 músicas do primeiro álbum do rapper carioca, Liberdade. O disco foi lançado no primeiro minuto desta sexta-feira, 21 de fevereiro, horas após o rapper ter sido preso na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ) por ter feito manobra radical com o carro ao ser abordado em blitz policial. Oruam foi solto ontem mesmo mediante o pagamento, pelo rapper Orochi, da fiança estipulada em R$ 60 mil.
Nome artístico do cantor e compositor carioca Mauro Davi dos Santos Nepomuceno, Oruam é filho de Marcinho VP, chefe da facção criminosa Comando Vermelho que atualmente está preso pelo crimes de assassinato, formação de quadrilha e tráfico. Dono de personalidade controvertida no mundo do hip hop, Oruam tem tatuagens em homenagem ao pai e ao também traficante Elias Maluco, condenado pelo assassinato do jornalista Tim Lopes (1950 – 2002).
Os versos de Madrugada é solidão – faixa gravada por Oruam com Poze do Rodo – sintetizam o tom do álbum Liberdade. Prestes a completar 23 anos em 1º de março, o rapper marca posição e se defende nas letras deste primeiro álbum que parece ter sido arremessado nos players de áudio em ágil ação de marketing da gravadora Mainstreet Records.
A favor desse argumento, há o título Liberdade, há uma faixa chamada Lei Anti Oruam – batizada com o nome popular do projeto de lei proposto em 23 de janeiro pela vereadora Amanda Vettorazzo, do partido União Brasil de São Paulo, para tentar impedir a contratação com dinheiro público de shows de artistas que fazem apologia ao crime e apologia ao uso de drogas – e há uma foto promocional que mostra Oruam preso, em carro, supostamente algemado, com os braços para trás.
Contra a tese do marketing rápido e sagaz, há o fato de que Oruam já é o artista campeão no segmento do trap, com milhões de seguidores e ouvintes fiéis. Ou seja, Oruam não precisaria correr com o lançamento do álbum para ser ouvido pelo simples fato de que, nesse momento, tudo que Oruam fizer já será necessariamente ouvido em larga escala.
Marketing à parte, o álbum Liberdade é o manifesto de um artista criado na favela e que expõe a ótica de quem tem tal vivência. O que se ouve em músicas como 22 meu vulgo é o testemunho de um rapper que conhece as quebradas.
“Tu sabe que o trem é nós / Então me fala o que tu / Sente quando escuta a minha voz”, rima o rapper em Avançando muito, faixa autorreferente em que Oruam fala de igual para igual com quem compartilha a mesma vivência do artista nas comunidades Brasil afora.
Como Oruam entrou em 2025 no olho do furacão, levantando questões que reabrem profundas feridas sociais, o álbum Liberdade terá ouvintes fervorosos – que comungam do mesmo olhar do rapper sobre a parcela elitista da sociedade que ignora os anseios e minimiza as vitórias do povo pobre das comunidades – e também terá detratores igualmente ardorosos, ávidos por calar a voz do artista. Até porque Oruam dá forte munição aos detratores ao associar a imagem a criminosos condenados por tráficos e assassinatos.
A capa do disco já é exemplo dessa munição ao expor Oruam em foto de família, todos vestindo camiseta com a foto do pai traficante Marcinho VP e a palavra “Liberdade” (por estar preso, o próprio Marcinho VP aparece na foto em montagem gráfica).
No álbum Liberdade, Oruam ostenta visão sobre o crime (sem fazer apologia a ele, mas também sem moralismo), sobre o sexo – assunto de Audi blue – e sobre si próprio, tema de Mente de um astro, faixa mais melódica que tem versos como “Vocês nunca vão entender a mente de um astro / Meus erros me trouxeram grandes consequências / Expresso nessa letra tudo que eu vivi / Quem um dia eu possa enxergar / A esperança no sorriso de uma criança”.
Repleto de participações de nomes relevantes do universo do hip hop, como Borges (presente em Ela quer dar ao lado de Chefin e Leviano), MC Cabelinho (convidado de Não mente para mentiroso e de AK de Bipé) e Orochi (voz adicional em Vazio, tema sobre dor de amor), o álbum Liberdade prega uma visão de mundo sob a perspectiva de um rapper que vem de um universo difícil de ser entendido por quem está de fora – caso deste crítico – mas, por isso mesmo, o disco de Oruam deve ser ouvido sem pré-conceito e sem a intenção de condenar de antemão o MC no implacável e muitas vezes injusto tribunal das redes sociais.