Avião que caiu em SP teve danos significativos em pouso de emergência na Venezuela, diz relatório


King Air F-90 aterrissou no Aeroporto de Valencia em julho de 2013 após falha em trem de pouso; fuselagem e estrutura da asa foram afetadas no impacto. Relatório mostra incidente com avião na Venezuela
Reprodução
O avião King Air F-90 que se acidentou e explodiu em uma avenida da Zona Oeste da cidade de São Paulo no dia 7 de fevereiro teve “danos estruturais significativos” em um incidente no Aeroporto de Valencia, na Venezuela, segundo relatório oficial do Ministério para Transporte Aéreo do país.
O documento relata que a aeronave particular, à época com prefixo YV503T, partiu às 9h no horário de Brasília (DF) no dia 29 de julho de 2013 apenas com o piloto a bordo, com destino ao Aeroporto Los Roques, que fica a 130 km da capital Caracas.
Após a decolagem, o comandante comunicou a torre que o painel de controle do avião havia apontado uma falha no recolhimento do trem de pouso e decidiu retornar ao Aeroporto de Valencia. Sem os pneus devidamente posicionados, a fuselagem e estrutura da asa foram atingidas no impacto, de acordo com a conclusão da investigação. O piloto não se feriu.
A apuração da Direção Geral de Prevenção e Investigação de Acidentes Aéreos da Venezuela durou 1 ano e dois meses e considerou que a causa do incidente foi a instalação incorreta do rolamento do suporte do atuador (cilindro de acionamento) da haste direita do trem de pouso principal, agravada pela supervisão insuficiente dos procedimentos e instruções pelo fabricante.
Onze anos depois do relatório das autoridades venezuelanas, o mesmo avião se acidentou na cidade de São Paulo, deixando duas pessoas mortas e 10 feridos após decolar do Aeroporto Campo de Marte. As causas ainda são apuradas pela Polícia Civil (leia mais abaixo).
Avião cai na Avenida Marquês de São Vicente, na Barra Funda, Zona Oeste de São Paulo, no dia 7 de fevereiro de 2025
Nelson Almeida/AFP
Registro nos EUA e importação para o Brasil
A GloboNews apurou que o King Air foi levado para os Estados Unidos e registrado pela Federal Aviation Administration (FAA) – agência de transporte do governo norte-americano em setembro do ano passado. Nessa transferência, o avião recebeu uma nova matrícula e ficou em nome da TAG Flight Solutions, especializada na importação e exportação de aeronaves.
A empresa tem sede em Fort Lauderdale, na Florida, e também no Aeroporto Campo de Marte, que fica na Zona Norte de São Paulo. No Brasil, o King Air foi adquirido pela Máxima Inteligência Operações Estruturadas e Empreendimentos, que tinha como sócio o advogado Márcio Louzada Carpena. Ele morreu no acidente com o avião no dia 7 de fevereiro. O piloto também não resistiu após a explosão.
Segundo dados de registro na Agência Nacional de Aviação (ANAC), o avião foi comprado em 11 de dezembro pela Máxima Inteligência Operações Estruturadas e Empreendimentos e passou a ter o prefixo PS-FEM.
A reportagem procurou representantes da TAG Flight Solutions para comentar o assunto, mas até o momento ninguém foi localizado. A Carpena Advogados, escritório do proprietário do avião, afirmou que está colaborando com as autoridades e investigações.
Investigação
Após o acidente na Avenida Marques de São Vicente, na Barra Funda, a Polícia Civil instaurou investigação para apurar as causas e eventuais responsabilidades. O inquérito foi aberto para os crimes de lesão corporal e homicídio. Além das duas mortes, 10 pessoas ficaram feridas.
Nesta quarta-feira (12), a Polícia Civil marcou depoimentos com algumas vítimas. Além dos relatos, os investigadores devem ouvir os mecânicos responsáveis pela manutenção do avião, verificar o histórico do King Air e analisar os laudos do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) e da Polícia Técnico-Científica.
O que se sabe e o que falta saber sobre o acidente em SP
O g1 reuniu as principais informações sobre o acidente. Confira abaixo o que se sabe e o que ainda precisa ser esclarecido:
O que aconteceu?
Quem estava no avião?
Houve feridos durante a queda?
Qual o modelo do avião?
Como é o local do acidente?
O que relataram as testemunhas?
Qual a causa da queda da aeronave?
Piloto do avião declarou emergência à torre de comando?
O que evitou que o acidente fosse maior?
Como será feita a investigação?
1. O que aconteceu?
Entenda como foi a queda do avião que matou duas pessoas na Zona Oeste da Capital
Uma aeronave de pequeno porte saiu da cabeceira 12 do Aeroporto Campo de Marte, na zona Norte de São Paulo, por volta das 7h15. O destino da viagem era Porto Alegre (RS).
Poucos minutos após a decolagem, por volta das 7h18, o avião tentou fazer um pouso de emergência na pista da Avenida Marquês de São Vicente, na altura do número 1.874, no bairro Barra Funda, mas não conseguiu. Foram sete quilômetros entre o aeroporto e a queda na avenida.
Ainda não se sabe o motivo de o piloto ter tentado um pouso de emergência.
Na queda, o avião atingiu um ônibus que passava pelo local e houve uma explosão. A câmera em um prédio da região registrou o momento em que aeronave avançou em alta velocidade sobre a via. O vídeo mostra vários veículos parados em um semáforo da avenida.
Ônibus atingido por aeronave pega fogo na Av. Marquês de São Vicente, em SP
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2. Quem estava no avião?
Segundo o Corpo de Bombeiros, foram encontrados dois corpos carbonizados dentro da aeronave. As vítimas são o advogado e dono da aeronave Márcio Louzada Carpena, de 49 anos, e o piloto Gustavo Carneiro Medeiros. Apenas os dois estavam no avião.
Márcio Louzada Carpena era professor licenciado de Direito da Pontifícia Universidade Católica (PUC) em Porto Alegre e palestrante motivacional. Ele era divorciado e tinha três filhos menores de idade.
O advogado viajava pelo Brasil para dar palestras sobre mudanças de comportamento e era também sócio majoritário do escritório Carpena Advogados. Nas redes sociais, o advogado se descreve como alguém que “ajuda e motiva pessoas a verem o mundo de uma forma diferente”.
O advogado Márcio Louzada Carpena, que postou pouco antes do acidente um vídeo no Instagram que mostra o avião que seguia para Porto Alegre.
Reprodução/Redes Sociais
A seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS) lamentou a morte e disse que ele “desenvolveu uma grande trajetória na advocacia”.
Já Gustavo Carneiro Medeiros era um piloto experiente. De acordo com seu perfil no LinkedIn, era formado em administração e ciências aeronáuticas pela PUC-RS, acumulava 3.819 horas de voo como copiloto do modelo Embraer 190, usado em voos domésticos, e 1.912 horas como comandante de ATR, aviões de transporte regional.
A aeronave foi comprada pela empresa de Carpena em 11 de dezembro de 2024, segundo informações apuradas pela TV Globo.
Empresário posta imagens da aeronave pouco antes da queda na Zona Oeste de SP
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3. Houve feridos durante a queda?
Sim. Unidades de Resgate foram acionadas para o local e constataram que havia feridos na avenida devido ao acidente áereo.
Segundo confirmado pela Polícia Civil, sete pessoas se feriram levemente no acidente, entre elas cinco passageiros do ônibus atingido pelo avião. São eles:
Cristina Garcia de Moraes, 60 anos ➡ levada para a Santa Casa de Misericórdia
Edinê Soares Gomes Chaves, 56 anos ➡ Pronto-Socorro Santana
Jacqueline Soares Rosa de Oliveira, 42 anos ➡ Hospital Geral de Vila Penteado
Maria de Fátima Monteiro Lopes, 61 anos ➡ Hospital Santana
Um homem ainda não identificado foi encaminhado para o Hospital Barra Funda
Um motociclista que passava pela avenida também ficou ferido, após ser atingido no braço por uma peça do avião. Ele foi encaminhado ao Pronto-Socorro da Barra Funda e teve alta ainda na sexta-feira.
O motorista do coletivo atingido ficou em estado de choque e chorou ao tentar falar sobre o assunto: “Não sei o que aconteceu, só sei que salvei todo mundo”. Ele foi levado para um hospital particular, mas estava bem fisicamente.
Outras três pessoas alegaram ferimentos e foram encaminhadas para atendimento por conta própria, de acordo com apuração do SP2.
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4. Qual o modelo do avião?
Avião com prefixo PS-FEM foi fabricado em 1981
Reprodução/TV Globo
O avião com prefixo PS-FEM foi fabricado em 1981 e tinha capacidade para 8 pessoas. É um modelo King Air F90 que tem 4,6 metros de altura e 12,1 metros comprimento e usa 2 motores turbo hélice para se deslocar.
O peso máximo de decolagem é de 4.967 kg e a velocidade máxima é de 468 km/h. A F9 pode voar a até 9.448 metros de altitude. O modelo foi produzido entre 1979 e 1985 pela fabricante norte-americana Beechcraft.
Um dos proprietários de uma aeronave desse tipo foi o piloto Ayrton Senna, que também teve um Hawker 800, segundo a Força Aérea Brasileira (FAB).
Veja informações sobre a aeronave:
Proprietário: Maxima Inteligencia Operações Estruturadas e Empreendimentos LTDA
Data da Compra/Transferência: 11/12/24
Fabricante: BEECH AIRCRAFT
Ano de Fabricação: 1981
Modelo: F90
Número de Série: LA-105
Classe da Aeronave: Pouso Convencional – 2 motores turboélice
Número de Assentos: 8
Número de Passageiros: 7
Tripulação Mínima prevista na certificação: 1
O modelo King Air F90 foi fabricado entre 1979 e 1985.
Arte g1
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5. Como é o local do acidente?
O acidente aconteceu na Avenida Marquês de São Vicente, na altura do número 1.874. A região engloba vários locais conhecidos na capital paulista e com grande fluxo de pessoas.
O mapa abaixo mostra alguns dos principais pontos da região.
Local de queda do avião em São Paulo fica em região movimentada da Zona Oeste
Bruna Azevedo/ Arte g1
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6. O que relataram as testemunhas?
Segundo testemunhas, o avião tentou fazer um pouso de emergência na pista da avenida. O engenheiro João Lucas da Silva Amaral disse que, antes da queda, viu o avião bater no que encontrou pela frente.
“Ele pegou na árvore, pegou na placa e começou a despejar querosene”, afirmou.
O personal trainer Adriano Rolim disse que chegou a ver a aeronave perdendo altitude. “O piloto tentou pousar na Marques de São Vicente, foram muitos carros desviando, felizmente. Mas o avião bateu na traseira do ônibus e acabou explodindo. O impacto foi muito grande, muito assustador”, afirmou.
“Na hora da batida, formou-se uma bola de fogo”, afirmou Genival Dantas Arraes, que também passava na região.
7. Qual a causa da queda da aeronave?
Ainda não se sabe o que causou a queda e explosão da aeronave. Em entrevista ao SP2, o especialista Roberto Peterka disse que acredita que o avião não ganhou altura depois de decolar.
Ele também afirmou que as cenas sugerem que o piloto pode ter tentado um pouso forçado ao perceber algum problema nos controles.
“Ele fez um pouso forçado provavelmente por ter algum problema que não conseguiu resolver. Pela altitude dele provavelmente pode ser no profundor, no comando de voo, que ele precisou forçar e veio ao chão do jeito que deu”, disse.
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8. Piloto do avião declarou emergência à torre de comando?
O áudio de um piloto que aguardava para conseguir decolar no aeroporto Campo de Marte aponta que Gustavo Medeiros, comandante do avião que caiu, pediu retorno imediato ao aeroporto momentos antes do acidente.
“Estou no ponto de espera ainda, o cara decolou na minha frente. Estou no ponto de espera. Estou aguardando aqui. Já faz uns 15 minutos ou 20 que estou parado aqui, que a torre pediu para aguardar”, diz o piloto no áudio.
“Ele [piloto] não declarou emergência. Ele falou: ‘torre, solicito retorno imediato, fox-echo-mike [FEM], e não falou mais nada. E a torre tentou chamar ele, tentou chamar ele, e mais nada. Logo vi a fumaça, decolou helicópteros. Complicado. Que triste”, completa.
O g1 entrou em contato com o aeroporto Campo de Marte para saber sobre a comunicação entre o piloto Gustavo Carneiro Medeiros e a torre de comando. Porém, o aeroporto informou que mais detalhes seriam com o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa).
Em nota, o Cenipa não detalhou sobre a última comunicação entre o piloto e a torre, mas disse que foi finalizada a “Ação Inicial” envolvendo a aeronave de matrícula PS-FEM pelos investigadores do Quarto Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SERIPA IV).
“A investigação dessa ocorrência aeronáutica continua, com o levantamento de outras informações necessárias, a fim de identificar os possíveis fatores contribuintes. O CENIPA informa ainda que, com a conclusão da Ação Inicial, os elementos essenciais para análise da investigação foram removidos pelos investigadores e a área encontra-se liberada pelo Centro”.
E ressaltou: “Quanto à remoção dos demais destroços e bens transportados, o artigo 88-Q do Código Brasileiro de Aeronáutica estabelece que a responsabilidade pela retirada cabe ao explorador da aeronave”.
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9. O que evitou que o acidente fosse maior?
O acidente aéreo teria sido maior se não fossem três fatores, segundo especialistas:
o avião caiu antes das 8h que, segundo agentes de trânsito, é o horário em que o movimento de veículos chega a dobrar;
o avião caiu na avenida São Vicente, no sentido bairro. Esse sentido é contrafluxo, já que, no horário que ele caiu, o tráfego é bem mais intenso na direção ao centro;
o semáforo da avenida Nicolas Bouer estava fechado, contendo o trânsito.
“Ele tangenciou um acidente com um número de vítimas enorme. Houve um alinhamento de fatores, e no momento final de pouso de emergência, o sinal estava fechado e houve ali uma lacuna onde ele encaixou a aeronave e reduziu o número de vítimas. Se isso não tivesse acontecido, o número de vítimas seria talvez de centenas de pessoas”, disse Gerardo Portela, especialista em gerenciamento de risco.
Fatores que mostram que tragédia poderia ter sido ainda maior
Arte/g1
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10. Como será feita a investigação?
A investigação sobre as prováveis causas da queda da aeronave ficará com o Quarto Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Seripa IV), com sede na capital paulista. Ele é um órgão ligado ao Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), que fica em Brasília. Ambos são da Força Aérea Brasileira.
Segundo o órgão, “a conclusão dessa investigação terá o menor prazo possível, dependendo sempre da complexidade da ocorrência e, ainda, da necessidade de descobrir os possíveis fatores contribuintes.”
O objetivo da investigação será o de ” prevenir que novos acidentes com características semelhantes ocorram”, segundo a Aeronáutica.
A eventual responsabilização de pessoas pelo acidente que deixou mortos e feridos caberá à Polícia Civil de São Paulo.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública, a delegacia vai investigar se ocorreu negligência, imprudência ou imperícia para ter causado o acidente que deixou mortos e feridos. Por esse motivo, explica a pasta da Segurança, o caso foi registrado como homicídio e lesão corporal.
Mapa mostra local da queda de avião em São Paulo
GloboNews/Reprodução
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