Temperaturas de -25°C, ondas gigantes e nevascas: pesquisadores de MG concluem expedição sobre mudanças climáticas na Antártica


Professores da Universidade Federal de Viçosa coletaram dados do solo para entender a dinâmica e as consequências das mudanças climáticas no planeta. Com a pesquisa de campo concluída, eles vão seguir com as análises nos laboratórios da instituição mineira. A UFV participa de expedições na Antártica há mais de 20 anos
UFV/Divulgação
Sob temperaturas de até -25 °C, os professores do Departamento de Solos da Universidade Federal de Viçosa (UFV) José João Lelis de Souza e Márcio Rocha Francelino estão entre os poucos cientistas brasileiros que participam da 2ª expedição internacional de circum-navegação costeira na Antártica.
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A missão, iniciada no dia 22 do ano passado, será concluída nesta quinta-feira (30), com retorno dos pesquisadores para suas casas.
Durante quase três meses, eles percorreram 20 mil quilômetros da costa de todo o continente Antártico, a bordo do navio quebra-gelo científico Akademik Tryoshnikov, do Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica de São Petersburgo, na Rússia.
A expedição contou com 61 cientistas de sete países: Argentina, Brasil, Chile, China, Índia, Peru e Rússia.
O objetivo era coletar dados que podem ajudar o mundo a entender a dinâmica e as consequências das mudanças do clima no planeta. Por isso estão fazendo também um levantamento aéreo inédito das massas de gelo, monitorando o comportamento das geleiras.
Desde 2002, sob a liderança do professor Carlos Ernesto Schaefer (DPS), os pesquisadores da instituição de Viçosa participam de expedições à região da Antártica Marítima, que inclui o entorno da Estação Brasileira Comandante Ferraz. Esta é a área que vem registrando as temperaturas mais elevadas do continente.
A proposta dos pesquisadores, que estão se dedicando exclusivamente aos estudos sobre solos gelados, ou criossolos, foi fazer coletas em pontos inéditos para analisar o solo e entender mais sobre a evolução dos ambientes periglaciais e glaciais no planeta.
No caso de José João, esta é a quinta expedição que realiza na Antártica, enquanto Márcio já fez 17, conferindo experiência com o frio e as outras condições do local.
Natal e Ano Novo longe da família e vários ‘perrengues’
Nos últimos dias, os cientistas ficaram próximos à estação de pesquisa francesa e é de lá que enviaram notícias sobre como andam os trabalhos de coletar solos e instalar sensores que permitirão medir e compreender o degelo na Antártica. Confira no vídeo abaixo:
Professores da UFV contam detalhes da experiência com pesquisa no continente gelado
Considerando que a viagem está acontecendo no verão antártico, José brinca que está apenas de camisa, pois as temperaturas estão amenas, girando em torno de -1°C e -2°C, deixando o frio de Viçosa ficar tranquilo.
Como em dezembro e janeiro ainda há muito mar congelado, o acesso a alguns locais fica mais difícil: “Nosso navio é um quebra-gelo, mas, para quebrar gelo, o navio reduz a velocidade para 2 km/h (sua velocidade média é 20 km/h). Logo, evitamos quebrar gelo para poder andar mais rápido”, afirma José.
Navio quebra-gelo percorreo todo o continente, passando por estações de vários países
José João Lelis de Souza
O pesquisador também explicou que para ir ao continente é necessário uso de um helicóptero:
“No campo precisamos lidar com temperaturas abaixo de zero e uma sensação térmica de até -30°C, por causa dos fortes ventos. Nossa coleta também é bem difícil, pois precisamos andar por longas distâncias (em geral 5 km) carregando uma bagagem pesada e ainda mais pesada na volta. Coletamos em torno de 50 kg de amostra em cada ponto que paramos.”
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Para eles, o tempo de navegação foi o fator mais desafiante, além das constantes mudanças de fuso horário. “Estamos no 60º dia da viagem e, nesse período, já passamos por 20 fusos diferentes, o que nos obrigou a nos adaptarmos a horários variados para dormir, acordar e se alimentar”, contou professor Márcio.
A expedição exigiu que eles passassem o Natal e o Ano Novo longe de suas respectivas famílias. Durante um acampamento justamente entre o período de festas, um dos colegas dos professores mineiros ficam presos em geleiras por causa do mau tempo, sendo necessário resgate aéreo.
Dados analisados enviados ao Brasil
Apesar dos desafios, o professor Márcio relata que a expedição vale a pena pelo ganho científico que representa:
“Conseguimos instalar três novos sítios de monitoramento do permafrost (uma camada de solo que permanece congelada por pelo menos dois anos consecutivos), ampliando a nossa rede para 32 sítios, o que faz dela a maior do mundo pertencente a um único país na Antártica. Isso é um grande motivo de orgulho, não somente para a UFV, mas para o Brasil”.
Segundo o pesquisador, cada um das instalações, que têm sensores para aferir a temperatura e umidade do solo em diferentes profundidades, duraram cerca de 7 horas, em um delicado e demorado trabalho. A partir daí, pode-se monitorar o descongelamento do solo.
“O tempo restante de uma hora, já que temos oito horas para trabalhar em campo, era utilizado para realizar os testes de recepção dos dados pelos sensores e o envio via satélite. Um colega no Brasil nos informava sobre a recepção, ou não, dos dados, que recebia diretamente em sua conta de e-mail”, detalha Márcio.
Sítio de monitoramento do permafrost
Márcio Rocha Francelino
Também há sensores de emissão de gases, que ajuda a monitorar a contribuição do solo para o efeito estufa com o recuo das geleiras.
“Esses sítios ficaram instalados e enviam dados constantemente para nossa equipe. O plano é deixar eles instalados pelos próximos seis anos, pelo menos”, relata José.
Enquanto Márcio analisa dados para o futuro, o trabalho de José é olhar para o passado, no processo de coleta de amostras de solo em diferentes profundidades até encontrar a rocha.
“Essas amostras serão analisadas no Brasil e me permitirão contar quando as geleiras recuaram, quando o solo começou a ser colonizado por bactérias, plantas, pinguins e mamíferos.”
Professor José realiza trabalho de coleta de solos no continente gelado
José João Lelis de Souza
Para escolher o local de coleta, José utiliza imagens de satélite, optando por locais mais no alto de montanhas e/ou próximos a praias. Em seguida, analisa as camadas do solo e as coleta individualmente.
De volta à UFV, o próximo passo será analisar as amostras nos laboratórios da instituição, co: auxílio, inclusive, de estudantes:”Vamos identificar quais os minerais presentes, a composição química e física do solo e também datar as camadas que mostrarem resultados mais interessantes”, explicou.
Histórico de pesquisas na UFV
A UFV possui o maior banco de solos da Antártica do mundo, composto por mais de 3 mil amostras.
“Já acumulamos 23 anos de estudos na Antártica. Atualmente, somos os maiores publicadores de artigos sobre essa temática, com o Brasil sendo responsável por mais de 25% de todas as publicações globais relacionadas ao permafrost antártico”, diz Márcio.
A expedição é 97% financiada pela fundação suíça Albédo pour la Cryosphère, dedicada ao estudo e à preservação da massa de neve e do gelo planetário e conta com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs).
*Estagiária sob supervisão da editora Juliana Netto
Direto da Antártica, professor da UFV mostra detalhes do continente gelado
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