Michele Spatari
“Estamos à beira da morte”, afirma Wolde Meressa na pequena sala de aula onde se refugia com outras 30 pessoas deslocadas em Mekele, capital da região do Tigré, no norte da Etiópia, rezando para que Deus os leve “de volta para casa”.
Como este homem de 78 anos, mais de um milhão de pessoas foram deslocadas de suas residências durante a guerra do Tigré, na qual as autoridades federais enfrentaram os rebeldes do Tigré entre novembro de 2020 e novembro de 2022. E, embora hoje os tiros não sejam mais ouvidos, todos continuam vivendo na incerteza.
“Ficamos aqui, simplesmente esperamos a morte”, declarou Wolde, que mora com a esposa e vários filhos.
Os deslocados dentro do Tigré vivem de maneira precária em acampamentos improvisados ou em escolas que foram transformadas em abrigos em toda a região, cenário de uma das guerras mais violentas desde o início do século.
Quase 600 mil pessoas, segundo uma estimativa da União Africana, morreram durante o conflito e três milhões perderam suas casas.
Mais de um milhão ainda não conseguiram retornar para suas casas, segundo o Gabinete de Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA, na sigla em inglês) da ONU. A situação deste grupo é cada vez mais desesperadora à medida que as organizações humanitárias reduzem as suas operações e aumentam a dificuldades para obter ajuda essencial, segundo os trabalhadores humanitários.
Em um acampamento de deslocados administrado pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) em Shire, cidade que fica 300 km ao noroeste de Mekele, Tibe Addise tece com calma um grande cesto vermelho e branco.
A mulher de 42 anos afirma que está iniciando seu “quarto ano no acampamento”. “Desde que cheguei, tem sido difícil cuidar dos meus filhos, sofro diariamente com o frio e a fome”, relata.
“Muitos enfrentam o mesmo, mas não temos alternativa, apenas ficar aqui”, acrescenta.
Do lado de fora, varais de roupa foram instalados na estrada de terra, pessoas carregam sacolas de comida e as crianças brincam.
– “À beira do desespero” –
A maioria das pessoas entrevistadas pela AFP vem de Tigré Ocidental, uma área em disputa reivindicada por Tigré e pela região vizinha de Amhara, que lutou ao lado das forças governamentais durante o conflito. O Tigré Ocidental permanece praticamente inacessível para as agências humanitárias.
Os grupos de defesa dos direitos humanos acusaram as forças de Amhara de executar um campanha de limpeza étnica, crimes de guerra e crimes contra a humanidade no Tigré Ocidental, durante o conflito e desde a assinatura do acordo de paz, ao qual não foram convidadas.
As tropas da vizinha Eritreia, as forças de Amhara e outras unidades ainda não saíram completamente de diversos pontos do Tigré, desafiando o acordo assinado em Pretória, capital da África do Sul.
“Disseram que a paz foi restabelecida e que poderíamos voltar para casa”, conta Surafel Asmelash, 42 anos, deslocado e coordenador do acampamento de Seba Care, em Mekele, o maior da região.
“Mas não retornamos e as agências de ajuda não puderam ficar”, explica. “As pessoas estão dominadas pela incerteza” afirma.
Em outra escola transformada em acampamento de deslocados em Adwa, quase 90 quilômetros ao leste de Shire, Genet Mengesha conta que não recebe ajuda humanitária há pelo menos cinco meses.
“Registram nossos nomes, mas depois nos dizem que não estamos na lista. Poucos recebem ajuda”, explica a mulher de 44 anos, agachada no chão enquanto lava panelas e frigideiras.
“Estamos à beira do desespero”, conclui.