Como calor e pragas ameaçam império das laranjas brasileiras


No país líder da exportação do suco, crise nos laranjais encarece o produto, provoca mudança no mapa de produção e ameaça futuro do setor. Calor excessivo e chuvas escassas estão entre os fatores para as safras ruins. Laranja: suco da fruta pode trazer benefícios para a saúde.
Sheraz Shaikh / Unsplash
Problemática desde seu início, a colheita da laranja no Brasil se aproxima do fim. A atual safra, marcada pelo ano mais quente dos últimos 200 anos, acumula perdas e deve render 9,1 milhões de toneladas, uma queda de 27% em relação à anterior.
O impacto da crise não se restringe às fronteiras nacionais. O Brasil é líder em produção da fruta e da exportação do suco. A cada dez copos consumidos pelo mundo, sete são de laranjas brasileiras.
Menos disponíveis nas prateleiras estrangeiras, os preços dispararam. Com base na bolsa de valores de Nova York, a tonelada do suco concentrado custa quatro vezes mais do que há três anos, saltando de US$ 1.700 para US$ 6.600.
“A demanda está acima da oferta, mesmo com preços altos. Não existe disponibilidade para atender toda a demanda de suco no mundo”, avalia Ibiapaba Netto, diretor-executivo da CitrusBr, iniciativa que reúne as maiores produtoras e exportadoras de sucos cítricos.
De toda a produção industrial em ampla escala de laranja, estima-se que 80% vira suco para exportação.
De onde vem o que eu como: laranja
A semente da crise
O começo da instabilidade está nos pés de laranja do cinturão citrícola brasileiro. A maioria das 260 milhões de árvores está no estado de São Paulo, que concentra 70% da produção nacional, seguido por Minas Gerais e Paraná.
“É uma safra pequena, afetada principalmente pelo clima”, explica Guilherme Rodriguez, engenheiro agrônomo e supervisor de projetos do Fundo de Defesa da Citricultura, Fundecitrus.
Em Aguaí, no interior paulista, e Minduri, em Minas Gerais, o trabalho nos pomares mantidos há 40 anos pela família de Antônio Carlos Simoneti continua. Eles cultivam 1 milhão de pés de laranja, muitos afetados pelas altas temperaturas e chuvas irregulares.
“É uma colheita bastante debilitada. As frutas estão com pouco rendimento quanto ao tamanho e peso. O preço [de venda] até que remunerou, mas não o suficiente para cobrir a baixa produtividade”, explica o produtor, que calcula perda em suas propriedades na casa dos 30%.
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Clima interfere no florescimento
Em 2024, as altas temperaturas abalaram os laranjais. A planta começou a soltar flores quando a região produtora registrava calor intenso, de dia e de noite, resultando em o fruto recém-formado ser abortado, explica Rodriguez, do Fundecitrus.
“Nós tivemos quatro picos de calor coincidindo com a florada de frutinhos novos. Essa frutinha que se formava caía. Passava um tempo, a planta emitia mais uma florada, mas aí vinha calor, e caía de novo”, detalha o agrônomo do Fundecitrus.
A chuva também tem seu papel. A área onde fica o cinturão registrou chuvas abaixo da média até meados de 2024, e só chegou em maior volume em novembro.
“Quem manda no florescimento é a chuva, quando ela deixa o florescimento mais tardio, ele acontece nesses meses de outubro, novembro, dezembro, que é sempre muito quente e a gente tem esse problema”, complementa Rodriguez.
Nas feiras e mercados brasileiros, a reclamação é sobre o sabor da fruta, menos doce e mais “aguada”. A safra baixa segurou o funcionamento de fábricas do parque industrial em operação no estado de São Paulo, levando muitas a programarem manutenção preventiva enquanto estavam paradas, segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, Cepea, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP).
Greening e cancro cítrico: duas sérias ameaças
Além do clima, a doença conhecida como greening reduz a potência dos laranjais. No Brasil, o mal é provocado principalmente pela bactéria Candidatus liberibacter asiaticus, transmitida pelo Diaphorina citri, um inseto branco e cinza que ataca as plantas justamente na hora da brotação. Ao sugar a seiva, ele passa a bactéria, que se espalha rapidamente por raízes, ramos, folhas e frutos.
“É a pior doença que a gente tem na citricultura, e ela não tem cura”, afirma Rodriguez.
Desde o primeiro registro da doença, em 2004, a contaminação se alastrou. Atualmente, estima-se que 44% das árvores da principal região produtora têm greening. Em algumas cidades, como a paulista Limeira, a taxa chega a 78%.
“O greening habita os vasos de condução de seiva e o fruto fica deformado e mais azedo. O inseto vetor evoluiu biologicamente junto com a planta e o manejo integrado é fundamental”, explica Henrique Ferreira, pesquisador da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Seus estudos esmiúçam bem uma outra praga, o cancro cítrico, que chegou ao país na década de 1950 e também não tem cura. Transmitido pela bactéria Xanthomonas citri, ele derruba a laranja antes da hora, e a fruta fica “feia” para comercialização.
“Qualquer parte da planta contaminada com cancro passa para outra pelo mero contato. Por isso, nosso foco de estudo é entender a biologia da bactéria e desenvolver moléculas capazes de interferir no desenvolvimento delas”, esclarece Ferreira.
Cultivando laranjas num planeta mais quente
Os prognósticos para a região tradicional do cultivo não são favoráveis. Um estudo recente do Instituto Geológico, extinto pelo governo paulista em 2020, e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb), prevê que a temperatura pode subir até 6°C nos próximos 25 anos.
A análise, encomendada pelo próprio governo, mostra ainda que as ondas de calor podem chegar a 150 dias por ano na região produtora, e as chuvas ficarão mais escassas. A projeção, com base em dados coletados entre 1961 e 1990, levou quatro anos para ser concluída.
“Questões climáticas afetam muito a produção e proliferação de doenças e insetos vetores. O cancro, por exemplo, é mais disseminado por chuva e vento”, comenta o pesquisador da Unesp.
Ele cita a Flórida, que teve suas lavouras de laranja praticamente dizimadas por pragas. Nesse estado americano, “o espalhamento do cancro foi associado a tufões”.
Entidades do setor, governo e universidades acabam de criar o Centro de Pesquisa Aplicada em Inovação e Sustentabilidade da Citricultura (CPA) para enfrentar a crise. Com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), o foco será a pesquisa para lidar com doenças, especialmente o greening.
“Juntos, greening e cancro afetam mais da metade das árvores do cinturão cítrico”, relata Ferreira que, na Unesp, estuda alternativas de controle biológico das doenças, para fugir da aplicação de agrotóxicos tradicionais e de cobre.
‘Vamos depender da natureza’
Uma das respostas do setor tem sido mudar o mapa da produção. Segundo o Fundecitrus, famílias tradicionais no negócio têm expandido a fronteira para Mato Grosso do Sul, Bahia e Sergipe.
“Eles têm buscado áreas onde existe um regime favorável de chuva e de temperatura que são adequados para a cultura, ou onde tem água para irrigação”, afirma Rodriguez, mencionando ainda empecilhos como falta de mão de obra especializada e distância do parque industrial, concentrado em São Paulo.
De olho no mercado externo, Ibiapaba Netto diz que a expectativa cresce em torno da próxima safra, se terá capacidade de trazer “refresco” ou não para os consumidores: “Ter uma próxima safra um pouco mais robusta seria importante, principalmente para regularizar a oferta de suco, e para que seja possível abastecer todos os mercados. Vamos depender da natureza.”
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