O que brasileiros podem esperar das regras de imigração de Trump?

Brasileiros deportados dos EUA chegaram em Minas Gerais no sábado (25)Antônio Lima/Secom

Desde que tomou posse como presidente dos Estados Unidos no último dia 20, Donald Trump tem cumprido com promessas de campanha de tornar mais rígidas as políticas imigratórias. Com a chegada de um avião de 88 brasileiros deportados do país nesta sexta-feira (24), no qual os repatriados relataram maus-tratos, ameaças e que foram algemados, a discussão sobre o trato dos EUA com os imigrantes ganhou novos contextos. 

Segundo Sueli Siqueira, doutora em sociologia e ciência política, pesquisadora e especialista em migração da Universidade Vale do Rio Doce, o grupo que chegou já estava previamente definido pela deportação, ainda na gestão do governo anterior.

“Todas as negociações que são feitas, todas as combinações, são realizadas entre a Polícia Federal brasileira e a Polícia de Imigração americana”, explica a pesquisadora, em entrevista ao Portal iG.

Deportados algemados

Ao comentar sobre o tema que ganhou destaque nacionalmente, a especialista contou que há um certo entendimento de que assim que se entra no território brasileiro, os migrantes não ficam algemados. Os repatriados terem contado que ficaram algemados o tempo todo foi visto com espanto por Sueli. 

“Aconteceram outros voos [de deportação] em que não teve isso, porque eu entrevistei pessoas que vieram em voos e que informaram, ‘não, a gente chegava algemado até o avião, lá no avião tiravam a algema e a gente vinha normalmente no voo’. Isso dentro desses últimos [voos] que mandaram agora, porque no período do primeiro governo Trump também tiveram situações bem complicadas e desumanas em relação ao migrante”, relata a pesquisadora.

Mudanças na política de imigrantes

Entre os decretos assinados por Trump, se destacam o que tenta acabar com o direito constitucional da cidadania aos bebês nascidos em território estadunidense. O republicano também designou cartéis de drogas como organizações terroristas estrangeiras e declarou emergência nacional na fronteira sul dos EUA.

Segundo a porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, na noite de quinta-feira (23) o governo Trump deteve “538 imigrantes ilegais criminosos” e “centenas” foram deportados em aviões do Exército. “A maior operação de deportação em massa da história está em curso”, escreveu em uma publicação, falando em “promessas cumpridas”.

Trump assinou diversos decretos voltados para o combate à imigração ilegalReprodução

Segundo Sueli Siqueira, apesar de estar em um discurso atual de criminalização, os migrantes são trabalhadores, pessoas em movimento, em busca de uma condição melhor de vida. “Eu posso dizer do brasileiro, porque o percentual de pessoas que cometeram algum crime no Brasil é um número muito pequeno”, pontua.

Impactos

A pesquisadora de migração aponta que, com o retorno de Trump à Casa Branca, volta também a forte política contra o imigrante ilegal. O republicano quer mostrar para seu eleitorado que está agindo contra o “vilão”.

“Ele tornou o migrante, desde o seu primeiro mandato e na sua campanha inteira, como vilão, o culpado de todas as questões econômicas e sociais dos Estados Unidos. Não foi só ele que fez isso, em outros países a gente percebe também esse discurso de xenofobia em relação ao migrante. Mas se nós formos pensar, o migrante é o que? É um trabalhador que produz, que é importante para a economia americana”, explica.

Para ela, é importante frisar que os migrantes são uma mão-de-obra que não teve investimento do Estado americano. Citando os imigrantes brasileiros, Sueli afirma que quem investiu foi o governo brasileiro, e os EUA recebem essa mão-de-obra pronta, sem nenhum custo.

“Não tem um custo elevado para eles porque são pessoas que não vão pesar o sistema americano de saúde, eles não têm nem acesso a isso, são poucos os estados em que teriam acesso. E muitos ainda, com a esperança de conseguir a documentação, pagam impostos”, conta.

“Então isso é inverdade, dizer que o migrante é culpado, da situação econômica, que ele tira emprego do nativo. Ele não tira porque ele vai trabalhar exatamente na área em que há uma demanda muito grande e não tem oferta de mão de obra nativa, que é exatamente o mercado de trabalho secundário, o trabalho desqualificado. E geralmente ganhando muito menos que o nativo ganharia”, afirma a doutora em sociologia. 

Resposta do governo brasileiro

Em relação aos maus-tratos sofridos pelos brasileiros durante o voo de deportação que foram relatados neste sábado (25), o Ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, afirmou que foram desrespeitados os “direitos fundamentais dos cidadãos brasileiros”.

O presidente Lula determinou o envio de uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) para Manaus (AM) para garantir o retorno ao destino final dos repatriados com “dignidade e segurança”.

Avião da FAB que buscou brasileiros deportadosFAB

Sueli comentou que essa reposta do governo federal, de impedir que o voo seguisse para Belo Horizonte (MG) e que fossem retiradas imediatamente as algemas dos brasileiros, é um indício de que em território nacional o Brasil não vai admitir a falta de tratamento humanitário ao migrante deportado.

O que ainda pode acontecer

Além das medidas já adotadas por Trump, existem outras que precisam passar pelo Congresso americano para começar a valer. O republicano quer retirar o jus solis (direito de solo, que garante ao indivíduo o direito à nacionalidade de onde nasceu) para acabar com o “turismo de nascimento”.

A pesquisadora conta que o presidente dos EUA ainda deve entrar com um decreto sobre a medida, mas que ela não passa a valer imediatamente. “Trump não tem o poder de acabar porque faz parte da Constituição e ele precisa de uma aprovação do Congresso de dois terços do Congresso e uma aceitação de três quartos dos Estados”, explica Sueli.

Medidas do governo brasileiro

Sueli Siqueira acredita que o Brasil vai precisar adotar políticas públicas de reintegração dos brasileiros deportados na sociedade. “É importante que as cidades se preparem com alguma política pública para receber os repatriados, porque eu acho que ficou bem claro que vai acontecer uma grande deportação”, comenta.

“É importante que as cidades tenham políticas, porque essas pessoas vêm em situação de muita vulnerabilidade, muitos venderam tudo o que tinham, perderam, não têm mais inclusive uma casa para ficar, vão ter dificuldades de se readaptar para inserir-se novamente no mercado de trabalho, fora todas as questões psicológicas, que é dessa vulnerabilidade em que ele viveu e de todo esse processo humilhante de deportação”, frisa.

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