De olho nas transformações em Cuba

Embaixador Cesário Melantonio NetoDivulgação

O escritor cubano Leonardo Padura, prêmio Cervantes, já pensou em deixar Cuba, país onde vive e nasceu faz setenta anos . Os motivos são as dificuldades socioeconômicas.

Cuba, diz ele, forma médicos mas depois de dois anos entre 25 por cento e 30 por cento vão embora porque não encontram a satisfação necessária para poder viver no país. Como ganham 50 euros por mês certamente aspiram a outra coisa. E não podemos dizer que são gananciosos porque precisam de dinheiro. Afinal temos apenas uma vida, conclui o mais famoso escritor cubano.

Padura esteve ano passado no Brasil onde atraiu, como sempre, muitos fãs. Em seu retorno à Cuba, vai finalizar o próximo romance e conviver com tristes problemas sociais.

Ele precisa estar em Havana para acompanhar suas transformações e alimentar a sua obra literária.

De acordo com Leonardo, meu velho amigo, o principal objetivo do jovem cubano hoje é sair do país. Nos últimos três anos, um milhão de pessoas deixaram Cuba, o que significa dez por cento da população, segundo dados oficiais do governo cubano.

Ele espera que a situação melhore para que as pessoas possam viver melhor e não tenham de partir, porque o exílio e sempre uma mágoa.

Mas é justamente essa realidade a sua fonte de inspiração. E também o que o convence a continuar resistindo.

De acordo com as suas palavras, os escritores contemporâneos pertencem a uma cidade e sua escrita reflete isso. Ele diz que se escreve histórias policiais e porque a cidade e o cenário onde acontecem esses fatos. Assim Leonardo precisa estar em Havana e acompanhar as suas transformações.

Assim Padura precisa estar em Havana para produzir os seus livros.

O escritor crê que para muitos a realidade não mudou porque o sistema sócio-político e econômico é o mesmo faz 60 anos. Mas há profundas transformações. Há 15 anos, os cubanos não tinham acesso à internet e hoje há até influencers .

Mesmo assim e infelizmente as suas obras continuam ausentes nas livrarias cubanas. Seus últimos três romances não foram lançados pelas editoras institucionais. Dois foram por uma via alternativa com tiragens de mil exemplares.

Cuba é o único país de língua espanhola onde não se encontram seus romances nas livrarias. Ele sabe que o motivo é político, mas faz o que julga necessário. Não quer trair o seu pensamento para favorecer alguém e muito menos um poder político visto que a função da literatura é refletir e investigar uma realidade.

Em seu trabalho de escrita , que incluí também o jornalismo (tem uma coluna mensal no jornal espanhol El País), Padura mantém um outro tipo de resistência ao tentar se adaptar aos avanços tecnológicos sem perde a sua essência.

“A velocidade das redes sociais superou a dos meios de imprensa tradicionais. Estamos vivendo uma crise do jornalismo que se reflete de forma muito evidente em uma superficialidade de um lado e do outro no custoso trabalho para se fazer reflexões profundas e fundamentadas. Afinal um texto com mil ou mil e duzentas palavras não é suficiente para dizer o que pretendo”, diz ele decidido a não ceder à velocidade.

“E curioso porque cada vez se lê menos mas se publica mais. É um mercado para o consumo, não para o conhecimento, a informação, o aprendizado ou o desfrute estético”.

O conforto está na boa recepção do público brasileiro a sua obra.

Outro motivo que o trouxe mais uma vez, ano passado, ao Brasil foi a escolha de de seu mais conhecido romance, “O homem que amava os cachorros”, como o livro do mês pelo clube de leitores CCBB do Rio de Janeiro.

Publicado no Brasil em 2013 , a obra retrata os últimos anos da vida de Leon Trotsky, seu assassinato no México e a história pouco conhecida de seu algoz, o militante comunista catalão Ramon Mercader .

O livro fala de algo que todas as pessoas mais ou menos civilizadas e racionais queriam ou seja uma sociedade melhor. E esse texto conta a História de como esse desejo se frustrou ao longo do tempo. Talvez o assassinato de Trotsky tenha sido o ponto dramático mais visível dessa perversao.

Padura abre sempre um sorriso ao citar como mede o interesse do leitor brasileiro pela sua obra.

“Sempre acontece algo muito bonito quando estou andando na avenida paulista, em Ipanema ou mesmo em um aeroporto. Algumas pessoas me olham e perguntam: você é o Padura? Quando digo que sim me felicitam ou me cumprimentam e tiram fotografias”.

“Em Berlim ou Paris, difícil alguém faria isso. Os brasileiros são mais expansivos , me abraçam e me tocam. Se não tem contato físico é como se você não existisse”.

O seu olhar volta a ficar acabrunhado quando reflete sobre a situação da nossa América Latina. “A esquerda latino-americana perdeu a coerência que mais ou menos sempre teve. Havia diferenças mas uma certa unidade. O que acontece na Venezuela marca uma ruptura devido à posição que o Brasil, a Colômbia e o México vêm tomando. O mesmo acontece na Nicarágua, onde o governo supera a ficção ao dizer que é de Esquerda. Isso permite que a Direita avance”, comenta.

“E segue ao dizer que a Esquerda tem sido tão desajeitada que não consegue resolver os problemas de maneira apropriada”.

Sobre Trump, disse que “nós cubanos o conhecemos bem, assim como as suas intenções e ideias mas é imprevisível”.

Para os que não leram Leonardo Padura recomendo, além de “O homem que amava os cachorros, o romance “Os hereges”. Editora Boitempo. Bom proveito!

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