Dois anos de emergência na Terra Yanomami: o que foi feito e o que ainda falta para garantir saúde e segurança a indígenas


Casos de malária entre indígenas ainda preocupa lideranças. Ministério da Saúde não informa quais são os números reais da doença, mas afirma ter reduzido mortes. Emergência de saúde pública no maior território indígena do Brasil foi decretada em 20 de janeiro de 2023, há exatos dois anos. Decreto de emergência em saúde no território foi publicado no dia 20 de janeiro de 2023
Alejandro Zambrana/Sesai
Novos postos de saúde; mais profissionais para combater a desassistência; ações de combate ao desmatamento e ao garimpo ilegal, como a expulsão dos invasores; envio de cestas básicas e materiais para auxiliar os indígenas. Essas são algumas ações do governo federal que mudaram o cenário de devastação na Terra Indígena Yanomami. Mas, hoje, dois anos após o governo decretar emergência de saúde na região, ainda há preocupações.
Atualmente, lideranças indígenas já não recebem denuncias recorrentes sobre a invasão de garimpeiros e mortes causadas pela desnutrição, como ocorria há dois anos, mas os indígenas ainda enfrentam problemas relacionados à saúde, como a malária.
A malária ainda nos assusta. Assusta os profissionais, assusta as comunidades.
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👉 A Terra Yanomami é o maior território indígena do Brasil com quase 10 milhões de hectares entre os estados do Amazonas e Roraima, onde está a maior parte. Cerca de 32 mil indígenas vivem na região, em 392 comunidades.
Há décadas, o território é alvo do garimpo ilegal, que destrói a floresta, contamina os rios e afeta diretamente o modo de vida dos Yanomami. Com crianças e idosos desnutridos, em um cenário de abandono, no dia 20 de janeiro de 2023 o governo decretou emergência e iniciou ações para agilizar a assistência ao povo.
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Indígenas Yanomami em tratamento no polo de Surucucu, considerado referência no território
Arquivo pessoal
Segundo Júnior Hekurari, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kuana (Condisi-YY), comunidades na região da Auaris, como Katanã e Momoipu, têm enfrentado um surto da doença. A malária é transmitida a partir da picada de mosquitos, que são muitos comuns em regiões tropicais e úmidas.
“Katanã é uma comunidade que perdeu muito a desnutrição, mas é onde está tendo tuberculose. Katanã e Momoipu, onde está tendo um surto de malária, onde os Yanomami ainda morrem de malária”, afirmou a liderança indígena.
“A malária é o ponto focal da preocupação tanto nossa quanto do governo. Acho que esse trabalho é um desafio”, ressaltou.
Buracos deixados pelo garimpo ilegal na Terra Yanomami
Samantha Rufino/g1 RR
Na Terra Yanomami, os buracos deixados pelo garimpo viram criadouros para os insetos. Dados do Ministério da Saúde indicam que só em 2023, quando a emergência foi decretada, foram registrados 30.972 casos de malária. De janeiro a junho de 2024, foram 18.310 registros da doença no território.
Embora a malária ainda seja um preocupação no território, o Ministério da Saúde ainda não divulgou dados atuais sobre a doença.
O número mais recente é do primeiro semestre de 2024. O g1 solicitou os números mais recentes, mas não obteve retorno do Ministério da Saúde até a última atualização da reportagem.
A pasta se limitou em dizer que houve uma redução de 35% nos óbitos por malária “entre 2023 e 2024”, mas sem fornecer dados concretos.
➡️ Em todo o estado de Roraima, foram 28.574 casos de malária durante todo o ano passado. Uma queda de 10% quando comparado ao ano anterior, quando foram 31.880 notificações da doença.
Local onde indígenas recebem atendimento médico, em Surucucu
Arquivo pessoal
🏥 Ao longo dos dois anos, o Ministério da Saúde abriu seis novas Unidades Básicas de Saúde Indígena (UBSI) e reativou sete Polos Base. Atualmente, são 77 unidades de saúde distribuídos por todo o território — 40 UBSI e 37 Polos Base —, todos em funcionamento, segundo o órgão federal.
Outra medida para ampliar a oferta de atendimento médico no território foi a contratação de mais profissionais. À época do decreto de emergência, a Terra Indígena Yanomami tinha 690 profissionais atuando na saúde.
Hoje são 1.759, um aumento de 154%. São agentes de combate a endemias, agentes indígenas de saúde, enfermeiros, médicos, biólogos e de outras 32 áreas. Para Hekurari, o número de profissionais é suficiente para acabar com a crise de saúde, mas ainda é necessário investir na capacitação deles.
Outra medida seria o combate direito ao mosquito transmissor da doença e medidas de prevenção contra a malária. Uma possibilidade, segundo ele, são ações de borrifação, uma aplicação de inseticidas nas comunidades indígenas.
“Fazendo só o tratamento de malária nós não vamos tirar a malária da Terra Indígena Yanomami. Tem que fazer um trabalho de educação dentro comunidades, fazer borrifação dentro das comunidades, colocar os venenos onde os garimpeiros deixaram os buracos, que criam a malária”, disse.
Em entrevista ao g1, a ministra da saúde, Nísia Trindade, afirmou que a malária é o principal desafio na atuação da pasta no território. De acordo com ela, o órgão já tem realizado inovações no diagnóstico.
“Estamos atuando na prevenção através do uso de biolarvicidas, dos mosqueteiros, de borrifações, mas também do cuidado, porque sabemos que em função de todo o impacto do garimpo aumentou muito a malária na região. Estamos fazendo diagnóstico precoce com os testes rápidos e isso também é um dado novo, porque normalmente fazem o teste com microscopista. Esse teste continua ser feito, mas pra nas áreas tem que ter muita malária o teste rápido é muito importante”, explicou Nísia Trindade.
Atendimento médico
Há 731 dias, quando houve a decretação da situação de emergência, adultos e, principalmente, crianças foram encontrados com sinais de desnutrição severa, com os ossos aparentes, e expuseram o abandono que perdurava há anos.
Em estado grave e sem condições de receberam tratamento nas comunidades onde viviam, os adultos eram levados para a Casa de Saúde Indígena (Casai) e as crianças para o Hospital da Criança Santo Antônio, o único hospital infantil de Roraima, ambos em Boa Vista, a capital do estado.
Na Casai, que é de responsabilidade da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, foram 1.519 atendimentos durante os meses de janeiro a junho de 2024. O g1 solicitou dados dos dois anos de emergência, mas não obteve retorno da pasta.
Hospital centro de referência está em construção em Surucucu
Arquivo pessoal
De acordo com Secretaria Municipal de Saúde, 1.893 crianças Yanomami foram atendidas na unidade da prefeitura nos dois últimos anos. A maior parte dos atendimentos ocorreram no primeiro ano de emergência, foram 1.098.
As crianças eram diagnosticadas com malária, desnutrição, Gastro Enterocolite Aguda (Geca), pneumonia, entre outras patologias. Na maioria das vezes, elas recebiam mais de um diagnóstico, o que agravava o quadro clínico.
Júnior Hekurari, que também é presidente da Urihi Associação, conta que hoje já não se vê crianças com baixo peso nas comunidades. Segundo ele, até quinta-feira (15) só haviam duas crianças internadas por desnutrição no polo base de Surucucu, que é uma unidade considerada de referência na região.
“Hoje dá para ver as crianças correndo, brincando, as crianças subindo [em árvores]. As crianças estão bem. Elas ouvem bem, elas sabem que um avião vem de longe, ouvem primeiro do que nós adultos. Isso é uma felicidade, uma recuperação da esperança Yanomami”, afirmou o líder indígena ao g1.
Em Boa Vista, atualmente, só há 17 crianças internadas no hospital da criança.
O garimpo e a devastação
Quando a emergência foi decretada, o garimpo já havia causado a maior devastação da história do território. Em 2022, um ano antes, a degradação causada pela atividade ilegal já havia chegado a 54%.
Destruindo o meio ambiente, causando violência entre os indígenas e garimpeiros, além da poluição dos rios devido ao uso do mercúrio, a atividade impactou diretamente o modo de vida dos Yanomami. A pesca e a caça, principal forma de sobrevivência dos indígenas, deixou de ser possível.
Com os peixes nos rios contaminados, em 2023 a comida começou a chegar pelo céu, em aviões da Força Área Brasileira (FAB). Cestas básicas preparadas com alimentos saudáveis e culturalmente adequados, como paçoca de carne seca, goma tapioca e até sardinha em lata, foram enviadas aos indígenas.
Roça de banana cultivada por indígenas de Palimiú, na Terra Indígena Yanomami,
Samantha Rufino/g1 RR
De acordo com Júnior Hekurari, que acompanha as ações desde o início, com a saída dos garimpeiros do território, as comunidades estão voltando a produzir seus próprios alimentos, cultivando roças de mandioca e frutas, como ocorre em Palimiú, localizada às margens do rio Uraricoera.
Em maio de 2021, a região foi atacada a tiros por garimpeiros, que deixaram indígenas feridos e mortos. Agora, com uma barreira de aço de uma ponta a outra no rio, permanência de agentes federais na comunidade e um grupo territorial formado pelos próprios indígenas, eles se sentem mais seguros.
À época das ações inicias, a cor dos rios e igarapés, principais fontes de água potável na região, era barrenta, reflexo da lama deixada pelo garimpo. A atividade abre crateras a céu aberto e próxima das águas, as contamina.
No rio Uraricoera, a principal via fluvial usada para acessar o território, a coloração barrenta foi substituída pela escura (veja abaixo). Segundo Júnior, as comunidades voltaram a usar água dos rios para cozinhar e beber.
“Hoje na Terra Yanomami os rios e igarapés estão voltando a ser limpos, bom para consumir. Isso significa que a gente está voltando a viver, voltando para a nossa realidade antiga, como era. A gente está retomando a estabilidade, a confiança”, disse.
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A melhora, no entanto, não garante que os rios já são totalmente seguro ao povo originário. Em outubro de 2024, uma projeção da WWF-Brasil, organização não governamental voltada para a preservação do meio ambiente, apontou que sete rios na Terra indígena Yanomami e três afluentes deles estavam contaminados por mercúrio, metal altamente tóxico ao ser humano.
O metal é usado por garimpeiros para separar o ouro de outros sedimentos e, assim, deixá-lo “limpo”. Após o uso, ele é depositado nos rios — processo que passa pela evaporação do material e circulação na atmosfera, causando uma poluição ambiental. Além disso, entra na cadeia alimentar dos animais e afeta diretamente a saúde da população, principalmente os povos tradicionais.
As primeiras ações
As primeiras medidas do governo federal para combater a desassistência iniciaram depois que uma equipe do Ministério da Saúde esteve em Roraima para fazer um diagnóstico sobre a situação da saúde dos indígenas.
À época, técnicos do Ministério da Saúde resgataram ao menos oito crianças, que estavam em estado grave. Dias depois, profissionais de saúde foram enviados para a região e cestas básicas começaram a ser enviadas para combater a desnutrição que atingia os indígenas.
No início de 2023, o governo tomou controle do espaço aéreo do território e forçou os garimpeiros a deixarem o lugar, iniciando a desintrusão dos invasores. A primeira ação de combate ao garimpo ilegal foi deflagrada no dia 8 de fevereiro, quando uma força-tarefa do governo federal destruiu um avião, um trator de esteira e estruturas usadas pelos garimpeiros.
Explosão de pista clandestina dentro da Terra Indígena Yanomami, em 2024.
Bruno Mancinelle/Casa de Governo/Divulgação
Nos meses seguintes daquele ano, as ações de proteção aos Yanomami e de combate ao garimpo ilegal foram intensificadas e a área de influência do garimpo foi reduzida para 91,11% no ano seguinte, em 2024, segundo a Casa de Governo, criada em fevereiro para monitorar e enfrentar a crise.
Com a criação do órgão, o governo estruturou um plano integrado de ações no território com foco em consolidar a desintrusão (retirada dos garimpeiros), enfrentar a crise humanitária e promover a recuperação da autonomia e do modo de viver na Terra Indígena.
O plano integrado está dividido em cinco eixos operacionais:
Desintrusão, combate às organizações criminosas, proteção territorial e repressão de ilícitos ambientais;
Vigilância e assistência em saúde;
Segurança e soberania alimentares;
Monitoramento e recuperação ambiental;
Acesso à cidadania e ações de desenvolvimento social.
Sob a coordenação da Casa de Governo, foram realizadas 3.536 operações de segurança no território em 2024. O órgão estima um prejuízo de R$ 267 milhões para os criminosos.
Alguns garimpeiros, no entanto, resistem e permanecem no território. No início de 2024, o Instituto Socioambiental (ISA) e a Hutukara Associação Yanomami apontaram que as ações de combate eram ineficientes e que os invasores estavam voltando para a região.
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Uma política permanente
O presidente do Condisi-YY afirma que operações do governo federal trouxeram resultados significativos para a população Yanomami, mas as ações de saúde e de proteção devem ser uma política permanente, o que garante a segurança e a subsistência das comunidades no território.
“Eu acho que hoje, com esse trabalho, nós estamos bem felizes. Estamos nos organizando e esse trabalho já foi difícil, foi mais desafiador. Agora, é só organizar e colocar esses planos de segurança, permanência dentro da Terra indígena Yanomami. Acho que isso já é uma segurança e esperança da população Yanomami”, afirmou o líder indígena.
Ele espera que as ações continuem e que os indígenas não precisem mais “gritar” pela própria existência e por um direito a integridade.
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