De Francisco Brennand à família Matarazzo: cemitério dos azulejos guarda história e raridades


Loja de Belo Horizonte é lugar de ‘garimpo’, decoração e nostalgia. Cemitério dos Azulejos, em Belo Horizonte
Jô Andrade/g1 Minas
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Em Belo Horizonte existem algumas portinhas antigas que guardam acervos de materiais que permanecem vivas há décadas. Apesar do nome remeter à morte, o Cemitério dos Azulejos reconta a vida pela arte impressa em argilas e sílicas, matérias-primas das peças.
A loja de nome fúnebre faz compra e venda de azulejos e porcelanas antigas e que não são mais encontrados em departamentos de construção e decoração.
Atualmente, a maior parte desses modelos de peças só são encontradas em casarões antigos e imóveis de bairros tradicionais da capital, já que com a modernidade das construções, os azulejos foram trocados por outros tipos de materiais de cores de tons claros e poucos detalhes de ilustrações, diferentemente dos mais antigos (veja fotos abaixo).
O criador da loja Cemitério dos Azulejos é Francisco Sena, de 90 anos. Há 42 anos, ele fundou o que hoje funciona como um galpão de peças de azulejos antigas que “contam histórias”. Segundo ele, o primeiro “empurrãozinho” partiu do seu irmão, que era vendedor de livros.
Durante uma visita à casa de uma cliente, o irmão de Francisco viu que os azulejos coloniais do imóvel estavam com várias falhas e com rachaduras. Ele pegou uma das peças que estava solta e levou para um grupo de italianos que viviam em São Paulo, para tentar achar uma peça igual.
“Deram a peça de graça. Ele logo levou umas 20. A cliente ficou encantada e as vizinhas também. Assim começou e se espalhou para o Brasil inteiro”, disse Francisco ao g1.
Peça Matarazzo, uma das raridades do Cemitério dos Azulejos
Jô Andrade/g1
Início
Em uma viagem para rever a família em Ouro Preto, na Região Central de Minas, Francisco foi motivado a também começar a trabalhar com venda e revenda de azulejos.
O nome de “cemitério” foi dado justamente por se tratar de artigos que já saíram de linha, e tampouco são encontrados em outras lojas de construção. A maioria deles ainda carrega tons de cores e ilustrações que foram tradicionais em Portugal, em meados do século XX.
De lá para cá, o acervo do Cemitério dos Azulejos atraiu a atenção de moradores, arquitetos e até atletas do futebol. Um dos clientes fiéis era o goleiro do Atlético-MG, Kafunga (1914–1991), que defendeu o clube entre 1935 e 1954.
O ex-atleta conheceu a loja de Francisco quando já havia se aposentado dos campos e atuava como comentarista esportivo na Rádio Inconfidência. Era tão fiel, que ganhou um piso com seu nome.
“Ele brincava e falava: ‘esse picareta aí encomendou uns azulejos de São Paulo e até hoje está me enrolando’. Por coincidência, fui para o Espírito Santo e achei o material que ele queria, numa cidadezinha pequena. Voltei para cá e quando chegou ele ficou doido, queria até pagar a mais do que eu pedi. Tinha umas 400 peças. Acabou que esse piso ganhou o nome de Kafunga, Piso Kafunga”, relembrou Francisco.
A filha caçula de Francisco, Cristiane Sena, disse que o Piso Kafunga virou raridade e dificilmente é encontrado no acervo das lojas. “A gente liga um para o outro e pergunta: ‘tem Kafunga aí?’, mas não tem mais, acabou. Por ser do Kafunga as pessoas procuravam mais”, contou.
Francisco e Cristiane Sena.
Jô Andrade/g1 Minas
Raridades
Atualmente, o Cemitério dos Azulejos têm sete unidades em Belo Horizonte, que foram divididas entre os filhos. A família de Francisco administra os negócios desde que o pai decidiu se aposentar.
Ainda assim, ele visita frequentemente as lojas e faz questão de mostrar — com orgulho — as peças mais importantes do acervo de mais de 50 anos, uma delas é a do artista plástico brasileiro Francisco Brennand. O artigo é do ano de 1970.
Também no Cemitério dos Azulejos estão réplicas dos materiais que compõem a Casa do Baile, declarado Patrimônio Mundial pela UNESCO, idealizado por Juscelino Kubitschek e projetado por Oscar Niemeyer na década de 1940. Esse tipo de peça costuma ser usado na decoração de imóveis, dos antigos aos modernos.
Peça desenhada pelo artista Francisco Brennand (1970) + Cópia do material usado na decoração da Casa do Baile
Jô Andrade/g1
Cristiane ainda costuma dar uma ajudinha extra para quem quer fazer uma mudança, dando dicas de quais peças podem combinar com determinado cômodo ou área da casa. Ela acompanha o pai desde os 15 anos de idade e ajuda a manter a tradição viva junto com os demais irmãos.
“É uma decoração especial para quem quer colocar um estilo especial. O azulejo que é tido como uma coisa fria se torna algo de diversas vertentes, para artesanato, decoração, dá para fazer tanta coisa. Tem muito material do Brennand e cópias das peças da Casa do Baile, por exemplo. Os azulejos contam a história da cidade, não estamos aqui para guardá-los e sim fazer com que eles circulem”, contou Cristiane.
Peças antigas do Cemitério dos Azuelejos
Jô Andrade/g1
Corredor de uma das unidades do Cemitério dos Azulejos
Jô Andrade/g1
Outra unidade fica por conta de Jander Sena, um dos filhos de Francisco que também herdou do pai a administração do Cemitério dos Azulejos.
A maior parte das peças mais antigas são compradas por clientes que querem mudar a decoração do ambiente. “A gente brinca que os muito antigos caducaram, não tem tanta procura mais. Aqui é Cemitério dos Azulejos porque são coisas que já morreram”, disse Jander.
“Nosso forte hoje é reposição, as pessoas gostam. Imagina você, com dez peças e você não acha [para repor], como que faz, né? Não dá para demolir tudo. Acaba que o nosso serviço aqui é essencial”, afirmou.
A loja também foi incluída em um dos livros da artista gráfica e professora da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Fernanda Goulart, lançado no ano passado.
A obra “Beagá Decô: patrimônio gráfico da cidade ao papel” conta memórias da cidade por meio das próprias construções das casas, e entre as memórias está o Cemitério dos Azulejos.
“É um trabalho para gente valorizar nossas coisas, a gente tem um olhar muito rápido, passamos por lugares que não reparamos. Tem decoração que vem da década de 60, que era tradicional na ditadura, que está ligado ao que as pessoas estavam vivendo naquele momento. E a gente sabe tão pouco da nossa história, e se a gente não sabe da nossa história, não sabemos nem da gente”, disse Cristiane.
Cemitério dos Azuelejos reúne peças antigas em Belo Horizonte
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