Gêmeas mortas no RS: mãe vira ré por duplo feminicídio e MP aponta ‘ciúmes excessivo’ pelo pai como motivação


Apesar da denúncia, laudos ainda não confirmam se meninas foram envenenadas, como levanta a promotoria; defesa diz que não teve acesso à denúncia. Mortes das gêmeas Antonia e Manoela Pereira são investigadas pela Polícia Civil
Arquivo pessoal
Gisele Beatriz Dias, mãe das irmãs gêmeas encontradas mortas em um intervalo de oito dias em Igrejinha, no Vale do Paranhana, em outubro de 2024, virou ré na Justiça pelo assassinato das filhas, Manuela e Antônia Pereira, de seis anos. A denúncia do Ministério Público (MP) foi aceita pela 1ª Vara de Igrejinha nesta quinta-feira (16). 
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O caso corre em segredo de Justiça. Procurado pela reportagem, o MP não havia informado sobre a acusação e nem os advogados do processo sabiam sobre a denúncia, mas a RBS TV obteve, com fontes, acesso à íntegra da denúncia oferecida pela promotoria de Igrejinha.
O advogado José Paulo Schneider, que defende Gisele, afirma que recebeu com “surpresa” e que não teve acesso às informações da denúncia.
“Para a defesa, decretar o sigilo de uma denúncia, e automaticamente sonegar informação importante para um profissional devidamente cadastrado, foge das regras do estado democrático de direito”, diz. Leia a manifestação completa abaixo.
Motivo torpe
O documento do MP aponta que o crime teve motivo torpe, o que aumenta a pena em caso de condenação, por “ciúmes excessivo e sentimento abjeto de posse” da mulher em relação ao pai das meninas. No entendimento do promotor, o objetivo dela era, na verdade, atingir o marido, já que o relacionamento estaria terminando.
A promotoria destaca que Gisele “não possuía afeto pelas filhas”, como aponta trecho da denúncia:
“”Importante ressaltar que [a denunciada], em 2022, abandona as filhas, sem fazer contato com as mesmas, fazendo inclusive que as mesmas tenham sido internadas em orfanato, sob o falso pretexto de estar com tuberculose, mas, em verdade, soube-se que, em seguida, fora internada por drogadição”.
A denúncia coloca Gisele como única responsável por um duplo feminicídio, que geralmente é categorizado assim em crimes no contexto de relacionamentos afetivos. Para a promotoria, os assassinatos “foram praticados contra mulher, por razões e condições do sexo feminino, em situação de violência doméstica e familiar, por ascendente contra descendentes, e, ainda, contra menores de 14 anos de idade”.
Gisele responde, também, por meio cruel, outra qualificadora que aumenta a pena. Apesar da denúncia, o MP não esclarece como as meninas morreram. O promotor levanta algumas possibilidades, como veneno, remédio, ou sufocamento por objeto macio e reforça a inexistência de causas naturais para as mortes, mas não há laudo pericial que determine o que, de fato, ocorreu.
O corpo de Manuela, primeira irmã a morrer, em 7 de outubro, foi exumado para que os investigadores tentem identificar a possibilidade de algum veneno. À época de sua morte, ela foi enterrada sem a suspeita de uma morte violenta.
O promotor ainda solicitou à Polícia Civil outras investigações, como a resposta de um site de compras, análises bancárias e os laudos toxicológicos. O Laboratório de Patologia e Toxicologia Forense do Instituto-Geral de Perícias (IGP) ainda está trabalhando nos laudos do caso.
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Manuela Pereira foi encontrada desacordada em casa, onde estava com a mãe, em 7 de outubro. Ela foi localizada desacordada em casa e foi levada para o hospital, onde já chegou morta. A suspeita inicial era de infarto.
Oito dias depois, em 15 de outubro, Antônia Pereira foi encontrada também desacordada em sua cama, onde antes estava dormindo. O Corpo de Bombeiros atestou o óbito no local.
A partir do segundo caso, a polícia suspeitou do comportamento da mãe. Os indícios foram reforçados após um médico relatar que ela falou ter “ideias perversas” em relação às filhas durante o período em que esteve internada na ala psiquiátrica para tratamento de um quadro de depressão profunda, semanas antes das mortes.
O depoimento do profissional de saúde levou a polícia a pedir a prisão temporária da mãe, que foi detida enquanto prestava depoimento em 15 de outubro.
Além do médico, o depoimento da filha mais velha de Gisele, irmã das gêmeas, também reforçou as suspeitas da polícia. Ela disse que a mãe seria “plenamente capaz” de matar as irmãs.
Gisele segue presa, agora preventivamente.
Provas da polícia
O inquérito que apurou o caso das gêmeas Manuela e Antônia Pereira, de 6 anos, traz como um dos indícios um relatório de buscas enviado pelo Google à polícia após determinação judicial. A investigação foi concluída em 10 de dezembro.
Ele indica que a mãe das meninas, Gisele Beatriz Dias, indiciada e presa por suspeita de assassiná-las, fez buscas para descobrir se veneno de rato é capaz de matar um ser humano.
As pesquisas, segundo o inquérito, teriam sido feitas nos dias 10, 11 e 12 de janeiro de 2024 e depois apagadas do celular. As gêmeas foram encontradas mortas em 7 e 15 de outubro do mesmo ano.
O sumiço repentino do registro de uma câmera de segurança que registrava o movimento da casa também é elencado como comportamento suspeito da mulher. Segundo o inquérito, Gisele disse ao marido que, dias antes da morte da primeira menina, um bandido furtou da casa dinheiro, devolveu no dia seguinte, mas levou consigo o cartão de memória que guardava as imagens. O delegado entendeu que isso foi “uma conveniente maneira de Gisele não ter suas ações filmadas no local enquanto seu marido trabalhava fora nos dias imediatamente anteriores à morte de Manuela”.
Nota da defesa
O criminalista José Paulo Schneider recebeu com surpresa a revelação da denúncia feita sob absoluto sigilo para as partes envolvidas. O advogado lembra que o caso foi amplamente divulgado na imprensa até a acusada não ter defesa constituída. O sigilo máximo foi decretado após a audiência que a ré revela ter sofrido agressões e ameaças por agentes públicos, antes da Audiência de Custódia. O advogado salienta que o pedido para atuar em sua defesa veio por parte do pai da ré, que relatou não acreditar que foi a filha que cometeu o crime.
Para a defesa, decretar o sigilo de uma denúncia, e automaticamente sonegar informação importante para um profissional devidamente cadastrado, foge das regras do estado democrático de direito. Estendendo assim as vendas da Justiça à defesa, que não é cega, mas ficou às escuras, sendo levada em erro.
O advogado afirma que, mesmo após a denúncia, segue sem ter acesso integral ao processo.
Por fim, a defesa ressalta que a transparência e a paridade de informações para o devido é requisito fundamental para a ampla defesa. E que tudo será meticulosamente contestado nos autos durante o curso do processo, sobretudo as condutas que colocam em xeque a imparcialidade judicial.
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