Paciente relata erros e sequelas após procedimento estético em clínica investigada por deformar clientes: ‘Sentia tirar a cartilagem’


Mais de 60 pessoas procuraram a polícia para denunciar erros em procedimentos e lesões irreversíveis. A influenciadora Karine Gouveia e o marido, donos da clínica, estão presos. Imagens mostram lesões de paciente que fez lipo de papada, em Goiânia, Goiás
Reprodução/TV Anhanguera
Pacientes da clínica de Goiânia investigada por deformar clientes relataram erros e sequelas que sofreram após realizar procedimentos estéticos no local. Em entrevista ao Fantástico, o empresário Marcelo Santos deu detalhes sobre a realização do procedimento: “Fizeram raspagem e eu sentindo, acordado. Senti tirar pele, senti tirar cartilagem, senti raspar o osso”.
✅ Clique e siga o canal do g1 GO no WhatsApp
A influenciadora Karine Gouveia e o marido Paulo César Dias, donos da clínica, foram presos no dia 18 de dezembro em uma operação policial que investiga a realização de procedimentos estéticos e cirúrgicos que causaram danos físicos e psicológicos a pacientes (veja nota da defesa no fim do texto). Além de Marcelo, mais de 60 pessoas já procuraram a polícia para denunciar o estabelecimento.
O empresário contou ao Fantástico que fez um procedimento para reduzir o tamanho do nariz. No entanto, a cirurgia não deu certo e ele chegou a fazer um segundo procedimento na mesma clínica para corrigir o erro.
“Hoje, para eu fazer minha cirurgia de correção, vai custar em torno de R$ 60 mil. Eu não tenho condições”, afirmou Marcelo.
Além dos danos estéticos, o empresário disse que precisa de outros tratamentos de saúde para superar o trauma: “Eu não consigo dormir direito. Tive problemas mais fortes, depressão, ansiedade”.
A psicóloga Vânia Ribeiro também passou por procedimentos que não deram certo na Clínica Karine Gouveia. Ela investiu quase R$ 20 mil em uma harmonização facial, que incluia intervenções nas pálpebras inferiores, no “bigode chinês” (linhas de expressão que ficam entre o nariz e boca), nos lábios e no ângulo da mandíbula.
No entanto, ao invés de aplicarem ácido hialurônico conforme combinado com a psicóloga, ela recebeu óleo industrial no rosto. Exames realizados pela Polícia Científica de Goiás comprovaram a verdadeira composição do produto.
“Eu fiquei muito desesperada. Eu furei minhas pálpebras inferiores e apertei bastante para ver se o produto saía”, contou a psicóloga.
Imagens mostram ferimentos em vítimas de procedimentos, Goiás
Reprodução/TV Anhanguera
O superintendente da Polícia Científica de Goiás, Ricardo Matos, informou que os produtos da clínica eram adulterados para aumentar a margem de lucro dos procedimentos.
“Eles vinham produzindo, adulterando, diluindo esses medicamentos para aplicação nos pacientes”, afirmou ao Fantástico.
Uma outra paciente da clínica, que não quis se identificar, relatou ao Fantástico que pagou cerca de R$ 4,5 mil para realizar uma lipo de papada, e agora precisa conviver com cicatrizes e dor.
“Quando eu olho no espelho, eu levo um choque. Movimentar o pescoço de um lado para o outro, repuxa. Para mim, abaixar, dói. Então, é doloroso até hoje”, afirmou a mulher.
LEIA TAMBÉM:
KARINE GOUVEIA: Vítima de clínica de estética teve necrose no nariz e outra foi entubada após procedimentos, diz polícia
ÁUDIO: Dona de clínica investigada por deformar pacientes mentiu ao falar que é formada em biomedicina, diz delegado
O barato que sai caro: Clínica de influenciadores suspeitos de causar lesões em pacientes cobrava até seis vezes menos que o valor de mercado, diz polícia
Investigação
Karine Gouveia e o marido Paulo Cesar Dias Gonçalves foram presos no dia 14 de dezembro de 2024 e seguem detidos. A dona da clínica não tem formação na área da saúde e o marido cuidava da parte administrativa do negócio.
De acordo com o delegado da Polícia Civil de Goiás Daniel Oliveira, o casal é investigado pelos crimes de organização criminosa, lesão corporal gravíssima e estelionato.
Vídeo mostra momento em que Karine Gouveia é presa
A polícia informou que os procedimentos eram realizados sem condições adequadas. Os profissionais não tinham habilitação necessária para o manejo das substâncias usadas, e as instalações da clínica apresentavam problemas, como falta de esterilização e uso de bisturis cegos, mostrou a investigação.
As duas unidades da clínica em Goiânia e Anápolis foram fechadas pela Vigilância Sanitária em dezembro de 2024. Daniel Oliveira disse que os fiscais documentaram pelo menos 18 irregularidades durante as inspeções. A unidade de Anápolis sequer possuía alvará de licença sanitária e projeto arquitetônico aprovado pelo órgão sanitário competente para funcionar, apontou a PC.
De acordo com a polícia, um dentista que é responsável técnico pela clínica, afirmou que aprendeu os procedimentos na prática, desde que começou a trabalhar no local. Ele, que afirmou já ter realizado até oito procedimentos num único dia, disse que a clínica cobrava R$ 5 mil para uma cirurgia de nariz. Para o mesmo procedimento, um cirurgião-plástico cobra uma média de R$ 30 mil.
Segundo a PC, o dentista relatou que o baixo custo dos procedimentos gerava uma alta demanda por atendimento. “Ele revelou que havia agendamentos com intervalos menores que uma hora, totalmente insuficientes para procedimentos cirúrgicos”, diz texto enviado pelo delegado Daniel Oliveira.
Os envolvidos tiveram as contas bancárias, bens e valores bloqueados. No total, são R$ 2,5 milhões apreendidos e um helicóptero avaliado em R$ 8 milhões.
Karine Gouveia e Paulo César, casal investigado pela Polícia Civil, Goiás
Reprodução/Redes Sociais
Sequelas
O delegado Daniel Oliveira afirmou que a investigação teve início em abril de 2024 após a primeira denúncia de uma paciente. Mais de 60 pessoas já procuraram a polícia para relatar sequelas e erros cometidos na Clínica Karine Gouveia. Há casos graves, como uma vítima que precisou ser entubada após sofrer a necrose no nariz; imagens são fortes (veja abaixo).
Vítimas de necrose após procedimentos estéticos em clínica da empresária Karine Gouveia, em Goiânia, Goiás
Divulgação/Polícia Civil
“Há vítimas que estão na fila do SUS para reparar os erros desses procedimentos. Além dessas lesões, que elas sofriam, a gente identificou que a presença de substâncias como PMMA e silicone, em procedimentos que só poderiam ser realizados por médicos cirurgiões plásticos”, afirmou o delegado.
A polícia informou que a clínica atraía clientes com preços abaixo do mercado, por meio de um forte trabalho nas redes sociais, que contava até com a colaboração de famosos.
“Eu vi a repercussão que tinha clínica, as postagens, a quantidade de famosos, a quantidade de seguidores, a quantidade de pessoas elogiando… O valor foi interessante, mas o fundamental foi a extrema credibilidade que as postagens dela passavam”, afirmou o empresário Marcelo Santos.
Quando procurada por alguma vítima, a PC disse que a clínica atribuía culpa ao paciente, dizendo que ele não teria tomado os cuidados necessários no pós-cirúrgico. Em alguns casos, a clínica chegou a intimidar clientes que buscavam reparação, disse Daniel Oliveira.
O que dizem os acusados
Veja abaixo a nota enviada pela defesa dos acusados, na íntegra.
Os advogados dos investigados Karine Gouveia e Paulo César, Romero Ferraz Filho, Tito Souza do Amaral e Caio Victor Lopes Tito, respectivamente, informam:
Karine Gouveia e Paulo César nunca tiveram a intenção de praticar qualquer crime. Quanto ao número crescente de pessoas que têm se manifestado, os investigados respeitam profundamente, mas é necessário analisar cada caso individualmente. Por exemplo, há pessoas que não seguiram as recomendações pós-procedimento, portanto, as consequências disso não se devem ao procedimento em si. Por isso, é essencial entender cada caso de forma isolada. A defesa alerta para a importância de se realizar perícias em cada caso, o que ainda não foi feito, com a participação de todas as partes envolvidas, incluindo os conselhos responsáveis, para garantir que todas as questões técnicas sejam devidamente validadas.
Sobre os procedimentos estéticos realizados na clínica, todos os pacientes sempre foram tratados com profundo respeito e cuidado. A defesa e os investigados acreditam que todos os fatos serão devidamente esclarecidos, inclusive – mas não se limitando – aos procedimentos realizados em 2017, que só agora estão vindo a público. É necessário compreender o que ocorreu nesse intervalo de tempo. Esse entendimento é tanto um direito quanto um dever dos empresários, diante dos 8 anos de atuação no mercado e dos mais de 30 mil procedimentos realizados. Vale ressaltar ainda que os empresários investiram milhões na construção da clínica, que conta com uma estrutura de 300 metros quadrados e uma equipe de 30 funcionários. A clínica sempre tratou com seriedade as questões de insatisfação dos pacientes, buscando resolvê-las com respeito e urgência.
Sobre a clínica de Goiânia e o alvará de funcionamento da clínica de Anápolis, em razão das prisões e das apreensões de documentos, a defesa não tem condições de fazer qualquer afirmação quanto aos alvarás, dada a dificuldade de confirmação das informações. Mas ressalta que todas essas questões administrativas serão regularizadas, como sempre são, ao seu tempo e ordem, conforme determinado pela vigilância.
Sobre a formação da Karine, a defesa esclarece que ela é empresária e nunca disse ser biomédica, assim como jamais executou qualquer procedimento na clínica. Esse áudio divulgado pela autoridade policial, violando o processo que corre em sigilo de Justiça, não condiz com a voz de Karine, o que qualquer perícia pode comprovar, se for verídico e íntegro.
A defesa manifesta ainda que o que está acontecendo com a Karine e o Paulo César, para além de ser uma prisão absolutamente ilegal, a acusação da execração e condenação pública contra pessoas ainda em fase de investigação, sem ainda qualquer comprovação de culpa, para constranger o Poder Judiciário a enfrentar a ilegalidade, tal qual aconteceu com a Escola Base de São Paulo, quando uma denúncia de um suposto abuso sexual mudaria para sempre os rumos dos donos da escola, a partir da condenação pública por depoimentos sem fundamentação e comprovação.
O uso irresponsável da forca da autoridade policial em um processo que corre em segredo de justiça, tem instigado e inflamado tal conduta por parte da sociedade com a divulgação de possíveis indícios, mas todas eles, sem qualquer perícia comprovada. Os casos dos quais a defesa tem conhecimento aconteceram em 2017, no início da operação de clínica, há 8 anos. E injusto tirar o direito de defesa de qualquer cidadão. É um absurdo que haja uma condenação, antes mesmo de haver uma investigação que precisa de todos os fatos periciados e comprovados.
📱 Veja outras notícias da região no g1 Goiás.
VÍDEOS: últimas notícias de Goiás
Adicionar aos favoritos o Link permanente.

Os comentários estão desativados.