Cientistas constroem ‘máquina do tempo’ para entender efeitos de mudanças climáticas na Amazônia


Parceria entre Unicamp, Inpa e governo britânico reúne pesquisadores de diferentes países. Objetivo é avaliar, por pelo menos uma década, impacto do aumento de CO₂ na atmosfera. Entenda como cientistas da Unicamp e do Inpa querem abrir ‘janela’ para 2060 na Amazônia
Cerca de 80 km ao norte de Manaus (AM), em meio à Amazônia, estruturas metálicas que ultrapassam a copa das árvores destoam do cenário tropical. As torres – 96 no total – fazem parte de um experimento científico que busca abrir um “portal” para 2060 e entender os efeitos das mudanças climáticas na floresta.
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Chamado de AmazonFACE (acrônimo para free air CO₂ enrichment, em inglês, ou enriquecimento de CO₂ ao ar livre), o experimento inédito é conduzido por pesquisadores da Unicamp, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e o governo britânico, e deve durar pelo menos uma década.
“É uma tecnologia relativamente simples, não é tão complexa. Foi desenvolvida nos Estados Unidos nos anos 1980 e 90, foi aplicada em florestas temperadas nos Estados Unidos e na Europa, mas nunca em nenhum ecossistema tropical, nunca em uma floresta tropical”, explica David M. Lapola, coordenador científico do experimento.
🌳 Nesta semana, o g1 publica três reportagens detalhando a estrutura do programa, as seis linhas de pesquisa em foco nos próximos dez anos e o papel Unicamp, em Campinas (SP), no estudo dos impactos socioeconômico das mudanças climáticas analisadas pelo AmazonFACE.
Experimento inédito é conduzido por pesquisadores da Unicamp, do Inpa e o governo britânico
Maria Clara Ferreira Guimarães/AmazonFACE
Entre torres e guindastes
⌛ Como essa “viagem” vai funcionar? As torres estão na fase final de instalação e a previsão é que o experimento comece em maio de 2025. A ideia é avaliar como a floresta vai reagir ao aumento de 50% na concentração de dióxido de carbono (CO₂) na atmosfera esperado para os próximos 35 anos.
Acho que a grande importância do experimento está aí, a gente poder tentar abrir uma janela para o futuro e tentar entender como que essas florestas vão se comportar nas próximas décadas e a gente poder, de certa maneira, até se preparar para os impactos que vão vir, pensar em processos de mitigação com muita antecedência.
Para isso, os pesquisadores iniciaram a construção de seis estruturas – chamadas de anéis, com 30 metros de diâmetro cada – compostas por 16 torres de alumínio de 35 metros de altura dispostas em um círculo. A infraestrutura também conta com quatro guindastes de 45 metros de altura.
Dos seis anéis, três serão enriquecidos com CO₂ líquido, armazenado em tanques grandes, isolados e vaporizados por meio de uma rede de tubos, sendo dois canos por torre. Os outros três anéis vão acompanhar o comportamento da floresta sem o enriquecimento.
🌄 O fluxo de dióxido de carbono é controlado por algoritmos que calculam, em tempo real, variáveis como a velocidade e a direção do vento. Esse controle é feito do nascer ao pôr do sol, quando há fotossíntese, para manter a concentração de CO₂ em 200 partes por milhão (ppm).
O objetivo do experimento, de acordo com os cientistas, é responder a uma pergunta geral: como o aumento do CO₂ atmosférico afetará a resiliência da floresta Amazônica, a biodiversidade que ela abriga e os serviços ecossistêmicos que fornece diante das mudanças climáticas?
Experimento vai avaliar como maior floresta tropical do mundo vai reagir ao aumento de concentração de dióxido de carbono na atmosfera
Audiovisual G20
Por que a Amazônia?
Segundo Lapola, a escolha do local para receber o experimento foi pautada por uma necessidade de resolver “uma das maiores fontes de incerteza em relação ao futuro do Amazônia, que é o potencial efeito que o aumento de gás carbônico na atmosfera teria em segurar os efeitos ruins de mudanças climáticas na região sobre a floresta”.
🤔 “Segurar” os efeitos ruins? Sim. Isso significa que, embora estudos indiquem um risco substancial de que a floresta entre em colapso por conta das mudanças climáticas, teorias também apontam que o aumento de CO₂ na atmosfera pode fazer com que a Amazônia se torne mais resiliente às secas, por exemplo.
“O efeito do aumento de temperatura, redução de chuva, tende a ser ruim, no sentido de reduzir a produtividade das árvores, favorecer mortalidade. E, teoricamente, e só teoricamente, o aumento de gás carbônico propicia uma coisa que se chama efeito de fertilização por CO₂”, afirma o coordenador científico do experimento.
Resumidamente, a fertilização por CO₂ acontece porque esse gás é parte essencial da fotossíntese das plantas, processo de resulta na liberação de açúcar e oxigênio. Se há mais gás carbônico na atmosfera, as plantas fazem mais fotossíntese – e aqui entra uma das principais dúvidas dos pesquisadores.
“Teoricamente, [o aumento da taxa de fotossíntese] aumenta a biomassa, ou seja, ela vai crescendo mais rápido e engorda a árvore. Isso é só teoricamente, porque nunca ninguém testou isso em campo, não só na Amazônia, em nenhuma floresta tropical. Houve testes com algumas espécies tropicais em laboratório, mas, na verdade, não é assim”, pontua Lapola.
Para Carlos Alberto Quesada, pesquisador do Inpa que também coordena o experimento, entender as respostas de florestas tropicais às mudanças climáticas significa entender, concomitantemente, como os seres humanos serão afetados nos próximos séculos.
“Você muda o regime de chuvas do planeta, você muda a forma como o planeta recicla água, energia. Isso pode ter impactos em diversos outros setores da humanidade, desde a produção de alimentos à geração de energia, transporte, migração de populações”, detalha.
Experimento AmazonFACE é realizado a cerca de 80 km de Manaus, em meio à floresta Amazônica
João M. Rosa/AmazonFACE
Investimento milionário
Em 2014, o AmazonFACE se tornou um programa oficial do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), sob a execução do Inpa. Desde então, o governo brasileiro investiu R$ 32 milhões na iniciativa, enquanto o Reino Unido liberou o aporte de 7,3 milhões de libras (R$ 45 milhões).
Um artigo publicado pela equipe AmazonFACE em 2018 estimou que, caso a floresta entre em colapso ou atinja o ponto de inflexão, o dano socioeconômico ao longo de um período de 30 anos após esse momento crítico pode ficar entre U$ 957 bilhões e U$ 3,5 trilhões.
O experimento reúne aproximadamente 130 pessoas, incluindo pesquisadores, estudantes e cientistas sociais de cerca de 40 instituições. “Temos cientistas brasileiros e um grupo de britânicos participando. Em menor número, temos cientistas de outros países, como Estados Unidos, Alemanha, Holanda e Austrália”, destaca Lapola.
➡️ Em linhas gerais, a estrutura foi montada para analisar seis componentes:
os fluxos e armazenamento de carbono;
a ciclagem dos nutrientes dentro dos anéis;
o fluxo de umidade da floresta para a atmosfera;
a resposta de animais e plantas;
os impactos socioeconômicos para populações da região Amazônica e do mundo;
e modelos computacionais para formulação de hipóteses e projeções.
Estrutura conta com seis anéis compostos por 16 torres de alumínio de 35 metros de altura
Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia/Reprodução
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