Sete estados registraram homicídios ligados à atuação da máfia de cigarros nos últimos anos. Desde 2015, 33 fábricas clandestinas foram fechadas no país. Grupos mantêm controle com ameaças e homicídios. Sete estados registraram homicídios ligados à atuação da máfia de cigarros nos últimos anos
Quadrilhas que integram a máfia de cigarros ilegais agora fabricam os próprios produtos. O negócio, que movimenta centenas de milhões de reais por ano, também envolve o planejamento de assassinatos e crimes com uso de muita violência.
Nos últimos nove anos, segundo apuração do Jornal Hoje, pelo menos 33 fábricas clandestinas de cigarros foram fechadas no país.
No mesmo período, foram registrados homicídios decorrentes de disputas da máfia de cigarros em pelo menos sete estados:
Rio Grande do Sul
São Paulo
Minas Gerais
Rio de Janeiro
Mato Grosso
Mato Grosso do Sul
Rio Grande do Norte
Entenda o caminho do cigarro
O produto final que chega ao consumidor passa por diversas partes do Brasil. A maior parte da matéria-prima, por exemplo, vem do Rio Grande do Sul. Lá, Bruna Ellin foi assasinada na porta de casa, na região Metropolitana de Porto Alegre, em agosto de 2023.
Segundo a PF, ela era envolvida com a máfia de cigarros ilegais.
Caminho dos cigarros ilegais
Reprodução/TV Globo
Autoridades envolvidas nas investigações desse tipo de crime explicaram que o contrabando do Paraguai sai pelos portos do Uruguai ou do Chile. Depois, vai pelo Oceano Pacífico até o canal do Panamá, por onde atravessa para entrar na Venezuela e no Suriname.
“Por conta da ponte da amizade, no Paraguai ser amplamente fiscalizada no âmbito do Brasil, acaba que essas organizações se aproveitaram dessa rota do Suriname”, afirmou Darlison Santiago, delegado da PF em Belém.
João Maria da Costa Peixoto, o João Grandão (arquivo)
Fred Carvalho/g1
No Rio Grande do Norte, o homem apontado como chefe de um dos grupos é João Maria da Costa Peixoto, conhecido como João Grandão. Ele é responsável, segundo investigações, por pelo menos seis assassinatos.
Ele foi preso em setembro de 2024 em uma operação que apreendeu uma carga com 300 caixas de cigarros contrabandeados. O Jornal Hoje não conseguiu contato com a defesa dele.
“Cada carga que compõe um caminhão, por exemplo, pode estar avaliada em R$ 2 milhões, R$ 3 milhões e você tem cargas semanalmente sendo transportadas”, afirmou Santiago Hounie, delegado da Polícia Federal no Rio Grande do Norte.
“O poder econômico gerado a partir dessa atividade tem levado a outros delitos periféricos que são igualmente graves ou piores. Estamos aí a falar de corrupção policial pra que a atividade possa ser realizada, tanto pra viabilizar o transporte e armazenamento como também pra comercializar nas capitais”, avaliou.
Império no Pará
Esquema de distribuição começa em cidade do Pará e se espalha para outras regiões do país
Reprodução/TV Globo
No estado do Norte do país, a família Quaresma comanda os negócios ilegais envolvendo cigarros. Em outubro, a PF conseguiu prender sete integrantes do clã, que age na região desde os anos 90. Eles estavam foragidos no Suriname.
A partir de Abaetetuba, no Pará, os Quaresma, segundo a PF, abasteciam o mercado ilegal de toda a região Norte, além de estados no Nordeste e no Sudeste, em uma atividade que rendeu ao grupo mais de R$ 50 milhões nos últimos anos.
“É uma das principais famílias, principalmente por conta do alto poder de estruturação que a organização criminal, ela teve, sobretudo com as embarcações. Eles sabem qual é a rota de sair aqui de Abaetetuba e até chegar ao Suriname”, explicou o delegado Darlison Santiago.
A produção do Jornal Hoje não conseguiu contato com a defesa da família Quaresma.
Crimes ligados à máfia
Polícia aponta o bicheiro Adilsinho como chefe da máfia do cigarro
Reprodução
Das 33 fábricas fechadas no país nos últimos anos, seis foram em Minas Gerais e três no Rio de Janeiro. Neste último estado, duas delas fabricavam cópias do cigarro paraguaio Gift, que já era uma marca ilegal e passou a ser falsificada em larga escala.
Os cigarros Gift falsificados são vendidos em metade dos 92 municípios do Rio, em uma disputa que envolve violência e assassinatos: comerciantes que se negam a vender são mortos e os concorrentes, executados.
De 2022 a 2024, já são mais de vinte crimes provocados pela máfia do cigarro no Rio – entre tentativas de homicídio, desaparecimentos, sequestros e assassinatos.
O levantamento foi feito pela TV Globo em delegacias de homicídios do Rio, da Baixada Fluminense e em processos judiciais.
Um dos casos é de Thiago Barbosa, morto com mais de oitenta tiros no município de Nilópolis, na Baixada Fluminense. De acordo com as investigações da Polícia Civil do Rio, o homem tentava disputar o mercado clandestino na região.
A Polícia Civil, o Grupo de Atuação Especializada e Combate ao Crime Organizado do Ministério Público e a Polícia Federal apontam um nome como o homem por trás da venda ilegal de cigarro no Estado: Adilson Oliveira Coutinho Filho, o Adilsinho, que também é ligado ao jogo do bicho.
Polícia pede prisão de Adilsinho por mortes ligadas a disputas entre contraventores no Rio
Atualmente, ele está foragido acusado de ser mandante de um homicídio. A defesa dele não respondeu às perguntas da TV Globo.
A chefe da fiscalização no Rio e no Espírito Santo, Dafne Calatroni Cardoso, citou as dificuldades para o combate a esse mercado ilegal:
“A Receita tem atuado de uma forma diligente, tanto na entrada de cigarros de outros países de forma irregular, quanto sempre que a gente verifica fábricas clandestinas, no fechamento dessas fábricas, na apreensão desse material já aconteceu de a gente conseguir fechar uma fábrica, por exemplo, em 2021, e aparentemente ela reabre com outro nome, com outro sócios, anos depois”, pontuou.