Conheça o slam, batalha de poesia que se popularizou nas periferias e foi destaque na Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto


Final da competição foi comandada por Roberta Estrela D’Alva, uma das precursoras da arte no Brasil. Vencedora da noite, Paína falou sobre as inspirações dela ao g1. Final do Slam 016 aconteceu na última quarta-feira (7) no Theatro Pedro II, em Ribeirão
Poesias autorais, três minutos e apenas voz e corpo. Esse é um resumo do slam, movimento artístico de oralidade que tem se popularizado no Brasil, especialmente nas periferias, e que ganhou espaço na Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto (SP).
A final da batalha do Slam 016 aconteceu na noite de quarta-feira (7), no Theatro Pedro II, como parte da programação da feira, e contou com a participação de Roberta Estrela D’Alva, atriz, poeta e pesquisadora cultural, que foi uma das precursoras da modalidade no Brasil.
Com microfone, o corpo e a língua treinada, os slammers falaram sobre vivências, percepções, críticas sociais e a realidade racial, política, identitária e pessoal de cada um.
Foram três etapas até a final e, neste ano, a slammer Paína conquistou os jurados e se consagrou a grande vencedora, com uma poesia sobre racismo, desigualdade social e meritocracia (confira um trecho da poesia no final da reportagem).
Slam 016 foi um dos destaques da Feira do Livro
Reprodução/Sté Frateschi
Em entrevista ao g1, Roberta contou que o slam tem caráter narrativo forte, ligado à própria autorrepresentação dos slammers e experiências deles. Segundo ela, isso criou uma estética própria, que tem caracterizado o estilo por todo o país.
“Muitos dos poemas são em primeira pessoa. As pessoas estão contando as histórias delas, da família ou do lugar. São três minutos, o que deixa a performance bastante explosiva. Porque você tem de convencer o jurado a te dar nota 10 em três minutos, então, tem de por um começo, meio e fim, e isso acaba criando uma estética forte”.
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Racismo e meritocracia
A estudante Paína, de 23 anos, foi a grande vencedora do Slam 016. Com poesia potente, contendo uma crítica social sobre racismo, desigualdade e meritocracia a partir das vivências dela, a artista impactou público e jurados.
Ela contou ao g1 que sempre teve incentivo da família para escrever poesia e passou a se motivar quando, aos 10 anos, tirou 10 em um poema na escola. O fato a marcou e inspirou para continuar escrevendo.
Antes da apresentação no Slam 016, ela confessa que estava apreensiva, mas se emocionou quando viu o resultado.
“As sensações e sentimentos estavam à flor da pele, mas, até o último segundo, sabia que não tinha nada ganho. Quando, de fato, percebi que tinha ganhado, foi uma emoção, porque realmente não cheguei com a ideia de que poderia ganhar. Cheguei sabendo que seria uma disputa acirrada”.
Paína foi a grande vencedora do Slam 016 em Ribeirão Preto
Reprodução/FIL
Dentre os temas que costuma abordar, se destacma o racismo e a violência policial, situações que, segundo ela, presencia na família desde pequena.
“Na poesia, tento passar esse entendimento de que o racismo é algo que está em facetas mínimas do nosso dia a dia. Nas minhas poesias, sempre busco colocar esses detalhes mínimos acima do racismo pra gente começar a observar o racismo de uma forma micro e pra gente tentar buscar esse problema desde a raiz”, conta.
Arte marginal: o slam nas periferias
Responsável pela frente de slam e batalha do Coletivo Abayomi, Luís Henrique dos Santos, o Psiul, explica que é um movimento de oralidade e ancestralidade, voltado para expressão e visiblidade de pessoas historicamente marginalizadas.
“Por se tratar de movimento marginal e periférico, a maioria das pessoas que produzem são pessoas da periferia e negras. Então, é devolver para o nosso povo o que já era nosso por direito, que é a palavra e a oralidade. Há a possibilidade de se expressar independente da forma, então a gente usa a poesia”.
Ele ressalta que o slam é sobre trazer resistência e voz a pessoas marginalizadas, como pessoas negras, periféricas e LGBT+.
Participantes do Slam 016 na final durante a Feira Internacional do Livro
Reprodução/Sté Frateschi
Slam no Brasil
O slam chegou ao Brasil em 2008, trazido pelo Núcleo Bartolomeu de Depoimentos, fundado por Roberta Estrela D’Alva. Logo tomou as ruas e movimentos passaram a ser criados, como o Slam da Guilhermina e o Slam da Resistência.
Atualmente, os vídeos com a poesia falada nas redes sociais acumulam milhões de visualizações e campeonatos tomam as ruas e espaços de centenas de cidades.
Ela atribui o sucesso do gênero no país ao silenciamento histórico que a maioria negra, pobre e periférica sempre sofreu.
“Tem toda uma população durante os quase 400 anos que a gente teve de sistema escravocrata que não pôde falar, que não pôde sequer ter letramento para escrever ou para falar a gente teve uma Ditadura Militar, históricos de repressão no mundo inteiro. De uma maioria que é pobre, marginalizada, periférica que não é ouvida”.
Roberta Estrela D’Alva durante a final do Slam 016 em durante a Feira Internacional do Livro de Ribeirão Preto
Reprodução/FIL
Juri e avaliação
Os jurados foram definidos no momento do evento, entre as pessoas que estavam presentes, e foram orientados sobre os critérios de avaliação, especialmente como a poesia dialoga com o público.
Roberta explica que originalidade e fluência são pontos importantes, mas a subjetividade do jurado também é considerada.
Os grupos envolvidos na organização do campeonato, asseguraram a representatividade de mulheres, negros, LGBTs e pessoas com deficiência.
Jurados dão notas às apresentações do Slam na FIL, em Ribeirão Preto
Reprodução/FIL
Poesia vencedora
Confira abaixo um trecho da poesia de Paína, vencedora do Slam 016:
Eu vou expor em versos falso apoiador da guerra Eu sei que sua bondade é bait
E você sabe que eu tô certa
Bala perdida encontra preto? Não é meu lugar de fala Trans morre no trajeto? Não é meu lugar de fala Droga na escola pública? Não é meu lugar de fala
Cota pra minoria? – Aí “cê” quer roubar minha vaga
Me diz quem tu lê que eu digo o quão racista és Eu provo por a+b que “ce” é puro engajamento Já que quem alimenta sua luta antirrascista Tem a mesma cor de quem tira meu alimento
“Linda, mas é muito vitimista
Matei um dos nego dela e já veio pra cima
Era melhor quando sambava na avenida”.
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